Tudo começou no verão do ano retrasado.
Eu estava com as minhas amigas no parque depois da aula. Era um hábito dos jovens durante o período do calor, sentar na grama e comer alguma coisa, ou ler, ou até mesmo estudar. Naquele dia nós estávamos apenas conversando, relaxando após várias provas da escola.
Ainda posso sentir a brisa morna balançando meus cabelos e o suor se acumulando na pele pelo dia quente. Posso escutar a risada das minhas amigas como se estivessem ao meu lado, e o ver perfeitamente – exatamente como aconteceu.
Jesse Rocci tinha chegado na cidade há duas semanas para morar com seu tio João Rocci. Todo mundo estava comentando, principalmente por ele ser fora dos padrões dos garotos da cidade e pelo passado incerto. Eu ainda não o tinha visto, nem prestava atenção nos comentários, afinal eu já tinha meu namorado para pensar – e Bernardo era perfeito, o sonho de qualquer garota.
Aquele foi o dia em que eu realmente o conheci, andando pela grama sem preocupação, com óculos escuros escondendo os olhos. A primeira coisa que chamava atenção era o cabelo, metade descolorido e metade preto, mas seu rosto era bem marcante como um todo. As sobrancelhas arqueadas e expressivas, o nariz pronunciado e levemente torto e os lábios finos, mas muito bem desenhados.
Jesse também estava todo vestido de preto, algo que não passaria despercebido naquele calor. A calça era justa, mas não muito - apenas também fora do padrão dos garotos -, e a camiseta deixava a mostra um pouco do peito, onde repousava uma corrente prateada com um pingente que não consegui ver direito pela distância.
Ele se sentou há alguns metros de onde estávamos, as pernas longas esticadas e os braços apoiados para trás. Observei seu pescoço quando ele jogou a cabeça para trás, a boca entreaberta, o peito subindo e descendo com a respiração e senti um frio na barriga.
Bernardo chegou pouco tempo depois para me acompanhar até em casa e senti meu rosto esquentando, como se tivesse sido pega fazendo alguma coisa errada.
Naquela noite, passei horas pensando em Jesse. Ficava revendo seu rosto, o jeito de andar, o cabelo incomum, as roupas contrastando com as das pessoas ao redor. Havia algo no conjunto que me inquietava, me deixava curiosa.
Eu nunca tinha me sentido daquela maneira.
Bernardo era um rapaz educado, que tinha conversado com meus pais antes de me pedir em namoro, depois de ficarmos trocando olhares por um bom tempo. Ele me tratava como uma princesa, era uma relação confortável, e eu não sentia aquele frio na barriga e nem aquela inquietação.
A segunda vez que vi Jesse foi saindo da escola, apenas dois dias depois. Era uma segunda-feira quente, e eu estava com fome e pensando no almoço. Ele estava sentado em um muro baixo de uma casa, fumando, e ergueu os óculos escuros quando passei para me acompanhar com o olhar.
Me vi presa dentro daqueles olhos castanhos até uma de minhas amigas tocar em meu braço, conversando sobre alguma coisa que não consigo me lembrar. Só então percebi meu coração disparado e as mãos trêmulas.
Minha mente deu um nó. Eu não entendia o que significavam aquelas sensações.
Tive problemas para dormir todas as noites, e comecei a esperar esbarrar com ele em qualquer momento do meu dia. Eu desejava ver Jesse andando por algum lugar, fumando encostado em um muro ou qualquer coisa idiota.
Incrivelmente, comecei a mudar meu caminho para passar em frente à casa de seu tio. Eles moravam em cima de uma oficina mecânica, e passavam o dia trabalhando no andar de baixo. Mesmo que Jesse não fosse bem visto pelas pessoas da cidade, João Rocci ainda era o melhor mecânico e sempre estava cheio de clientes.
Só tenho a dizer que Jesse Rocci sujo de graxa era uma das coisas mais interessantes que eu já havia visto. Não me pergunte o motivo... E eu me contentava em olhar do outro lado da rua.
Até o dia em que, com a adrenalina de não poder passar muito do meu horário habitual de chegar em casa depois da escola, eu estava andando apressadamente para não perder minha dose diária de Jesse e o vi sentado na calçada por onde eu passaria.
Gelei, afinal eu nunca tinha ficado muito perto dele, mas sabia que não poderia simplesmente dar as costas e ir embora. Primeiro porque Jesse perceberia isso, e segundo porque eu não queria perder minha dose diária.
Apertei meus cadernos com força contra o peito, olhei para a frente e tentei andar como se minhas pernas não tivessem acabado de virar gelatina. Meu coração batia tão acelerado que achei que toda a rua poderia perceber.
- Você deveria trazer uma gorjeta na próxima vez... – a voz de Jesse era suave\, um pouco rouca e o fazia parecer ainda mais interessante.
Ele escolheu o momento exato em que eu estava em suas costas para dizer isso, e parei, chocada, por um instante. Foi o suficiente para ele ficar em pé na minha frente, com um meio sorrio nos lábios. Estava me provocando, era evidente.
- Desculpe? – perguntei\, insegura\, olhando para os lados.
- Eu disse que você deveria trazer uma gorjeta na próxima vez... Se eu estiver dando um bom espetáculo\, é claro.
Ele parecia tão relaxado, tão seguro de si.
- Eu não sei... – e eu parecia uma idiota.
- Sei que você não precisaria passar por aqui. – ele continuou\, me olhando de toda a sua altura. Mais de um e noventa\, talvez? – Sua casa não fica por aqui.
- Como você... – eu era incapaz de formar uma frase completa.
- Andei observando você também. – ele continuava sorrindo\, e aquilo parecia me derreter por dentro.
Para aquilo eu não conseguia nem gaguejar uma única palavra.
Cambaleei dois passos para trás e continuei meu caminho, quase correndo. Mal conseguia acreditar... Jesse Rocci tinha me notado.
Depois daquela curta interação, Jesse surgia em todos os lugares em que eu estava. Saída da escola, parque com as amigas, até mesmo quando eu estava com Bernardo. Não sei como me encontrava, mas ele sempre estava lá.
E era impossível não o olhar, mesmo que discretamente. Era impossível não sentir um frio na barriga, as pernas bambas e um calor no rosto. Era impossível ficar indiferente a Jesse Rocci.
Dentro de mim, sabia que era uma questão de tempo até conversarmos uma segunda vez, mas isso só aconteceu em dezembro. Estava perto da formatura, e todo mundo só pensava nisso, mas eu não conseguia prestar muita atenção em vestidos, convidados e os planos de Bernardo.
Cansada de provar vestido após vestido, desisti e me despedi das minhas amigas. Eu voltaria outro dia e tentaria achar alguma coisa de que gostasse. Talvez minha mãe soubesse o que ficaria melhor em mim, eu a traria comigo.
Estava escurecendo quando saí da loja, mas ainda estava consideravelmente quente. Andei pelas ruas, vendo as pessoas sentadas em seus quintais, e pensei seriamente em passar pela casa de Jesse. Não havia pressa, meus pais sabiam que eu estava procurando por um vestido e que essa tarefa se estenderia.
Claro que eu não deixei a oportunidade passar.
A oficina ainda estava acesa, mesmo com a porta quase toda abaixada. Senti uma pontada de decepção, mas ainda assim fiquei satisfeita por apenas passar perto dele.
- Zoe. – a voz me sobressaltou.
Jesse estava parado na sombra de uma árvore, bem na minha frente. Tinha me visto olhar para a oficina, talvez tivesse percebido minhas expressões faciais, mas não comentou nada sobre isso dessa vez.
- Como você sabe meu nome? – foi a primeira frase completa e coerente que eu disse para ele.
Agora eu já estava sob a sombra da árvore, e perto o suficiente para ver o sorriso em seu rosto.
- É uma cidade pequena. – ele deu de ombros.
Tentei não sorrir, mas foi impossível. Mesmo com todo nervosismo que Jesse causava em mim, me senti confortável.
- Quer beber alguma coisa? – ele apontou com o queixo em direção a oficina – Está quente.
- Bom\, eu... – entrar na oficina significava\, muito possivelmente\, ficar a sós com ele.
- Eu já ia voltar. – ele prosseguiu sem parecer notar meus pensamentos – Só vim fumar aqui fora.
- É. – não era exatamente uma resposta.
- Uma água? – ele sugeriu.
- Parece bom. – concordei.
Atravessamos a rua juntos. Olhei ao redor e constatei que não havia ninguém para testemunhar. Jesse ergueu a porta para mim, depois a baixou completamente quando entramos.
Para uma oficina, era tudo bem organizado e limpo. Havia um cheiro característico, de produtos, provavelmente. Era a primeira vez que eu entrava em um local assim.
Jesse passou por mim e foi até um filtro que zumbia suavemente no canto, pegou um copo descartável e o encheu. Depois voltou até mim e estendeu o braço, mantendo uma certa distância entre nossos corpos.
Aceitei o copo e tomei tudo de uma vez, subitamente ansiosa. A água escorreu pelos cantos da minha boca e desceu o pescoço.
- Estava mesmo com sede. - Jesse riu\, e o som era maravilhoso.
Passei a mão para me secar, acompanhando sua risada, embora um pouco mais contida, tímida.
- Então\, onde uma mocinha como você estava até esse horário?
- Escolhendo meu vestido para o baile...
- Ah\, o baile. – ele foi se encostar no capô de um dos carros.
- Algo contra bailes? – cruzei os braços na frente do peito.
- Não\, só não são muito o tipo de coisa que eu gosto. – ele deu de ombros – Não fui ao meu.
Aquilo não me surpreendia. Não dava para imaginar Jesse usando qualquer coisa mais formal.
- Quantos anos você tem? – eu me aproximei um pouco\, como que atraída para ele.
- Quantos anos você acha que eu pareço ter? – ele rebateu\, divertido.
Cheguei mais perto, observando seu rosto. Não passava de uma desculpa para poder olhá-lo melhor. Havia uma cicatriz na sobrancelha direita e outra no queixo.
- Vinte. – respondi com firmeza.
Ele balançou a cabeça em sinal positivo, sorrindo.
- Acho que você tem dezessete\, ou fez dezoito há pouco tempo.
- Dezoito a pouco tempo. – concordei\, sorrindo também.
Houve um momento de silêncio, depois Jesse estendeu o braço, me oferecendo a mão, e eu aceitei.
Era, oficialmente, o primeiro dia do verão.
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Atualizado até capítulo 23
Comments
Solange Borkovski
Meu Deus até eu tô de perna bamba nesse Jesse Rocci
2025-08-22
1
lua 🌙
amando esse ministério
2025-08-22
1