- Então você está me dizendo que não conhece a casa da sua avó? – Ravi arregalou os olhos.
- Exatamente isso. – confirmei – Ela chegou a nos visitar, mas eu nunca fui até lá. Pelo menos não com idade para me lembrar disso.
- Acho que você vai adorar. – ele suspirou – Eu adoraria morar lá.
- E qual a sua ligação com a minha avó? – perguntei, curiosa.
- Ela é minha madrinha. – ele disse com respeito.
Franzi a testa. Minha família não era religiosa, então era difícil imaginar que minha avó fosse.
- Não, não desse modo. – ele corrigiu, aparentemente percebendo o que eu tinha imaginado – Ela meio que me adotou financeiramente. – ele olhou pelo vidro por um instante – Mas não é só isso. Ela ajudou a me criar, me deu suporte, comida, livros...
- Isso parece muito legal. – comentei com educação, ainda tentando entender.
- Demais. – Ravi pareceu triste por um instante – Cora é uma pessoa maravilhosa. Você vai gostar dela.
Depois disso fomos nos acomodar em nossos lugares. Uma chuva fina começou a cair logo em seguida, batendo contra a janela. Eu me senti um pouco menos tensa, e grata, para minha surpresa, por ter uma companhia naquela jornada.
- Você é tão... – Ravi sorriu para mim, estreitando os olhos – Não sei, cor-de-rosa.
Eu ri, entendendo o que ele queria dizer. Eu usava uma blusa de frio rosa, minha calça era clara e meus sapatos combinavam com a roupa, além do meu rosto com certeza estar com as bochechas rosadas por causa do frio. Combinando com o fato do meu cabelo ser loiro e meus olhos terem uma cor de azul claro, eu sabia que estava meio apagada.
- Eu só queria passar despercebida pela viagem. – expliquei – Sem chamar atenção.
Ravi riu, jogando a cabeça para trás.
- Não sei se funcionou. Eu a conhecia por fotos, então não posso ajudar.
- Fotos? – estranhei.
- Sua avó tem fotos suas no quarto. Duas. – ele mostrou dois dedos – Uma de você bem pequena, e outra um pouco mais velha. Você não mudou muito.
Talvez minha mãe tivesse mais contato com Cora do que eu pensava.
O céu começou a ficar mais escuro aos poucos, e chuva foi se transformando em uma tempestade forte. Os clarões dos relâmpagos iluminavam nossos rostos e, aos poucos, foi impossível ver qualquer coisa através da janela.
Ravi estava há algum tempo em silêncio. Talvez tivesse cansado de falar, ou apenas estivesse cansado de tanto tempo dentro do trem. Eu não quis incomodá-lo, principalmente quando seus olhos acabaram se fechando e seu corpo relaxou.
Pensei em casa pela primeira vez. No meu quarto, sempre tão cuidadosamente arrumado, e nas cortinas da sala, balançando com o vento frio. Pensei em minha mãe, sentada na cozinha com uma xícara de chá quente, e em meu pai chegando de um dia longo no trabalho e indo relaxar em um banho. Pensei nos meus livros, nos bichinhos de pelúcia da estante e nas cartinhas das minhas amigas que eu guardava em uma caixa de sapato.
Tudo fazia parte de um passado agora. E estava ficando cada vez mais longe conforme o trem ia adiante. Tive medo de nunca mais ver aquelas coisas, de não conseguir ter uma conversa direito com meus pais, de não me sentir bem na minha própria casa.
- Está chorando? – a voz de Ravi me pegou de surpresa.
Coloquei os dedos no rosto e, para minha total surpresa, senti a umidade.
- Estou bem. – falei apressadamente.
Ravi trocou de lugar, veio se sentar ao meu lado com um olhar preocupado.
- Não sei o que aconteceu. Sua avó foi bem sigilosa com tudo isso, pode acreditar. – ele pareceu querer me dar um abraço, mas não dei abertura – Se precisar de um amigo, serei o melhor que eu puder. Se não quiser se abrir, tudo que posso dizer, de uma maneira bem genérica, é: seja o que for que estiver passando, não é para sempre. As coisas sempre mudam.
- Obrigada. – me senti reconfortada, estranhamente.
- Quando quiser. – ele piscou antes de voltar para o local anterior.
Haviam outras coisas que eu estava evitando pensar, e puxar assunto com Ravi era a melhor maneira de manter tudo aquilo longe.
- Então... – limpei a garganta – Como conheceu Cora?
- Ah, isso... – novamente Ravi pareceu triste. Pensei em dizer que não precisava me contar, mas ele começou a falar. – Eu era pequeno. Estava na rua brincando com outras crianças.
Ele me olhou, balancei a cabeça em afirmativo para dizer que compreendia.
- Bom, você vai saber de qualquer jeito... – Ravi deu de ombros – Minha família é muito pobre, Zoe, e muito grande. E nem todos tomaram boas escolhas. No dia em que sua avó resolveu me ajudar, eu estava na rua com as outras crianças porque meu irmão mais velho tinha sido morto em um assalto.
Abri a boca, mas não saiu som algum. O que eu poderia dizer? Era tão distante da minha realidade...
- Talvez ela tenha me salvado de entrar em situações perigosas. – ele prosseguiu – Tenho primos presos, meu pai acabou assassinado, minha mãe bebe demais e não quer ser ajudada.
- Sinto muito, Ravi. – falei com o coração apertado.
- Não se preocupe. – ele fez um gesto com a mão – Ninguém nasce no lugar errado, não é?
Eu não tinha nenhuma resposta, mesmo que genérica, para aquela pergunta.
- Não precisa me olhar desse jeito. – ele me repreendeu delicadamente – Eu estou bem.
- Eu sei. – concordei porque Ravi parecia mesmo bem.
Ele virou a cabeça, olhando o nada pela janela, já que era impossível enxergar qualquer coisa.
- Pode me contar alguma coisa sobre sua vida? – me perguntou minutos depois.
- Não tenho muito para dizer. – encolhi os ombros – Escola, amigas, um ex-namorado educado e gentil...
Ravi me observou por alguns instantes.
- E o motivo de estarem te mandando para Cora.
- Eu quis ir. – corrigi.
- Então existe um motivo.
Epa. Eu tinha caído em uma armadilha.
- Não precisa falar. Já disse. – ele sorriu.
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Atualizado até capítulo 23
Comments
lua 🌙
gostando muito do enredo do livro
2025-08-21
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