Usurpando o Amor
Mayara Marshall
Pobreza tem cheiro. Um cheiro que gruda na pele, no fundo da garganta, e nunca mais sai. É um misto de sabão diluído, pão dormido e umidade azeda. Eu nasci sentindo esse cheiro e jurei, aos sete anos, que um dia ele não me pertenceria mais.
Minha infância foi costurada com frustrações e promessas vazias. Meu pai desapareceu antes mesmo que eu aprendesse a falar seu nome. Minha mãe vendia cocada na porta da escola e dormia com os olhos abertos de tanto medo da vida. Eu a odiava por isso. Odiava sua resignação, sua fé tola em milagres e sua esperança podre. Mas talvez o que eu mais detestasse fosse me parecer com ela.
Aos dezessete, consegui um emprego como recepcionista num clube elitista da cidade. Foi lá que o cheiro da riqueza encostou em mim pela primeira vez. Couro caro. Perfume importado. Taças de cristal que tilintavam com arrogância. E foi lá também que conheci Eduardo Avelar. Um homem que carregava o mundo no terno alinhado e no sorriso contido. Casado, claro. Mas os homens como ele sempre são. E sempre traem.
Ele começou com gentilezas sutis. Uma flor sobre o balcão. Um elogio contido. Um convite inocente para almoçar. Eu soube, desde o primeiro olhar, que poderia tê-lo. Só precisava ser paciente.
— Você tem um brilho raro nos olhos. — ele disse certo dia, encostado no balcão, enquanto seus dedos brincavam com o gelo do uísque.
— Brilho não enche a geladeira, senhor Avelar. — respondi, com um sorriso que aprendi a usar como arma.
— Ainda assim, é difícil não reparar.
Era um jogo, e eu sabia jogar. As roupas ficaram mais ajustadas. O batom, mais vermelho. Os sorrisos, mais longos. E, quando ele finalmente tocou minha mão, soube que tinha vencido. Um ano jogando esse jogo e finalmente venci.
— Se minha esposa descobrir... — sussurrou no primeiro dia em que me levou a um hotel.
— Ela não vai. Não sou burra.
A amante perfeita. Era isso que eu seria. E fui. Por meses. Talvez anos. Não sei exatamente quando deixei de contar. Ele alugou para mim um apartamento, bancou minhas roupas, me levou a viagens curtas “a trabalho”. Eu fingia não me importar com a falta de reconhecimento público. Mas no fundo, eu contava os dias para dar o bote final.
E ele veio. Com duas linhas azuis no teste de farmácia. Quando contei da gravidez, Eduardo empalideceu como se tivesse visto a morte.
— Mayara... isso é sério demais. Eu não posso... — ele desviava os olhos, esfregando as mãos como se pudesse apagar o que ouviu.
— Pode, sim. E vai. — Cruzei os braços — Ou acha que vou criar um filho seu sozinha?
— Eu tenho uma família! Um nome!
— E eu tenho provas. Tem ideia de quantas fotos, recibos, áudios, tenho guardado?
Silêncio. Foi assim que ele cedeu. No dia seguinte, apareceu com a chave de uma casa nos arredores da cidade, um plano de saúde estendido e um cartão de crédito... limitado, infelizmente. Ainda não havia casamento. Nem sobrenome. Mas para mim, já era o suficiente. Por enquanto.
No dia do ultrassom, ele segurou minha mão como se tivesse esquecido de tudo.
— São duas. Meninas. — disse o médico, com um sorriso satisfeito.
Eduardo ficou sem palavras. Eu, por outro lado, pensei em dobro: dois nomes, duas chances, dois investimentos.
— Mayra e Mavis. — declarei — Os nomes são diferentes, mas nasceram para vencer.
Eduardo se emocionou. Mas eu só pensava na matemática do destino.
Nos anos seguintes, ele foi um pai presente e um homem generoso. Tínhamos estabilidade, conforto e uma rotina que beirava o luxo. Mas ele nunca assinou meu nome em papel algum. Nunca casamos. E isso me corroía por dentro. Porque eu sabia que, se algo acontecesse com ele, eu voltaria para o mesmo chão que jurei abandonar.
E foi exatamente o que aconteceu.
As meninas tinham cinco anos quando Eduardo morreu. Um infarto, fulminante, ali mesmo na sala de casa. Mavis chorava agarrada ao corpo dele. Mayra ficou muda, olhos arregalados. Eu? Eu fui direto ao cofre. Saquei o que pude da conta dele antes que a família bloqueasse tudo.
E bloquearam. A ex-esposa, os irmãos, até um sobrinho apareceu com advogado. A casa foi tomada, os carros vendidos. Tudo em nome da herança legítima. Como eu nunca fui esposa, não tinha direito a nada. Apenas uma pensão irrisória para as meninas, até completarem dezoito anos.
Foi quando decidi, se o mundo havia me virado as costas, eu usaria o que tinha. Minhas filhas seriam minha arma. Meu retorno. Meu legado de vingança e ascensão.
E tudo começaria com disciplina. Elas não teriam infância como a minha. Seriam moldadas para brilhar. Desde cedo, aulas de etiqueta, inglês, dança, dicção. Regras de peso, de postura, de comportamento. Viveriam para serem desejadas. E desejadas pelos certos: homens com sobrenome e fortuna.
Mayra me entendia. Sabia fingir, sorrir, manipular. Mavis era um problema. Queria ser normal. Sonhava com amor, simplicidade, um jardim com crianças rindo. Me envergonhava essa doçura toda.
— Mãe, por que eu tenho que usar esse vestido apertado? — ela perguntava com um biquinho infantil.
— Porque o mundo olha primeiro, depois escuta. E você vai aprender a ser vista antes de ser ouvida, Mavis. Guarde isso.
Elas cresceram lindas. Espelhos uma da outra. Mas só eu sabia quem era quem. Mayra, o fogo. Mavis, a brisa.
E agora, com vinte e dois anos, era chegada a hora de colher.
Aos olhos do mundo, eu era uma mãe dedicada, viúva precoce, batalhadora. Mas dentro de casa, eu era o que precisava ser: comandante, arquiteta de destinos. Minhas filhas não tinham o direito de escolher seus caminhos. Eu escolhia. Eu planejava. Eu investia. E elas obedeciam.
Mayra se moldou com facilidade. Desde criança, gostava de se olhar no espelho e perguntar se estava bonita o bastante para ser famosa. Dizia que queria ser atriz. Eu dizia que ela seria esposa de um milionário. Um não anulava o outro. Desde que ela soubesse seduzir e fingir, poderia ter tudo. E ela sabia.
Mavis, no entanto… ah, a minha decepção mais doce. Se parecia comigo no corpo, mas tinha a alma daquele homem fraco que a criou. Gentil, empática, simples. Gostava de andar descalça, de abraçar livros e bichos de rua. Era teimosa como o pai, com aquele olhar puro que parecia me acusar o tempo inteiro. Ela não me odiava, e talvez esse fosse o pior castigo.
Eu tentava trazê-la pro mundo real.
— Você precisa entender que o mundo não dá espaço pra quem sonha demais, Mavis. A vida é uma guerra. Quem não ataca, apanha.
— Eu não quero machucar ninguém, mãe. Eu só quero ser feliz.
— Felicidade não enche prato, menina. Amor não paga aluguel.
Mas ela não mudava. Cresceu gentil. Uma mulher linda, doce, mas com um caráter que era como âncora me puxando para a realidade. Ainda assim, mantive o plano. Enquanto Mayra brilhava nas festas e nos eventos sociais que eu fazia questão de levá-las, Mavis ficava nos cantos, sorrindo educadamente e depois voltava para casa, ler ou escrever. Achava isso patético.
Mas a sociedade adorava gêmeas. Idênticas. Atraentes. Educadas. Com passados tristes e mães que vendiam a imagem da superação. E foi nessa brecha que enxerguei Jensen Montserrat.
Bilionário. Dono de casas noturnas, hotéis, torres empresariais. Um homem reservado, ferido pela viuvez precoce, avesso a escândalos. Discreto, intenso, solitário. Um prato cheio para alguém como Mayra. Bonita, vaidosa, e com a língua treinada para agradar qualquer tipo de ego masculino.
Eu investiguei tudo sobre ele. A rotina, os lugares que frequentava, as pessoas com quem falava. E quando descobri que ele voltaria a investir em eventos sociais após um tempo recluso, tratei de inscrever Mayra em tudo que ele poderia cruzar o olhar. Desde aulas de polo a convites para jantares beneficentes.
Ela relutou no início, mas bastou ver a primeira foto dele para que sorrisse com malícia.
— Então esse é o alvo? Ele é charmoso. Parece o tipo que gosta de ser desafiado.
— Ele é o tipo que precisa acreditar que tem controle. Dê isso a ele. E depois tire.
E ela fez. Com maestria.
As coisas aconteceram rápido demais. Primeiro o olhar cruzado num leilão de arte. Depois uma taça de vinho dividida num jantar da prefeitura. Uma conversa longa demais sob o pretexto de negócios. Jensen caiu. E Mayra foi o laço de cetim no abismo que ele não percebeu.
Quando ele a pediu em casamento, achei que era um sonho. Finalmente, tudo que planejei estava prestes a se realizar. Eu já visualizava meu novo lugar no mundo. Afinal, a sogra da esposa de um Montserrat não é alguém tão dispensável, e a mãe da esposa do Montserrat é quase realeza.
Só que no dia do casamento… ela fugiu.
Mayra, a filha perfeita. A que sempre entendeu o jogo. A que sempre me jurou fidelidade. Fugiu.
Deixou um bilhete. Frio. Rápido. Egoísta.
— “Não nasci pra isso. Não posso viver essa mentira. Me perdoe, mamãe. Mas eu escolho ser livre.”
Ela escolheu ser livre. E me deixou presa no maior vexame da minha vida. A igreja lotada. A imprensa do lado de fora. Os convidados. As alianças. Jensen.
E foi então que, pela primeira vez em anos, olhei para Mavis como solução. Ela tentou fugir, chorou, implorou. Mas eu sou uma mulher treinada para vencer. Estratégica, eu tinha meu plano b.
— Eu estou doente, Mavis. Preciso de uma cirurgia cara. Se você me ama, não vai me deixar morrer assim. Você é igual à sua irmã. Ninguém vai perceber. Case-se no lugar dela. Só até resolvermos tudo. Depois você some.
Ela estava pálida, tremendo. Mas quando viu o envelope com exames falsificados que mandei imprimir, ela desabou.
— Isso é loucura, mãe…
— Loucura é você me ver morrer por orgulho. Jensen não vai perceber. Ele mal a conhece. Você pode fazer isso por mim. Por nós.
Ela assentiu. Chorando. Mas aceitou.
E eu respirei. Pela última vez antes da próxima luta.
Porque a partir dali… tudo mudaria.
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Atualizado até capítulo 41
Comments
Maria Cristina Mello Francisco
Começando a ler hoje 13/08/25 e estou amando a história bora lá autora que eu estou ansiosa para próximos capítulos
2025-08-13
6
Graça Oliveira
começando lê hoje 13 de agosto de 2025 estou amando. mas que mulher safada pilantra interesseira mentirosa com a própria filha essa mulher é uma víbora.
2025-08-14
1
Hewellyn Ferreira
já xonguei a mãe delas umas 30 vezes e é só o primeiro capítulo, só a Rosana pra me deixar de cabelo em pé kkkkkkkkkk
2025-08-16
1