Visão de Cassian
Ela me encara como se eu tivesse acabado de acusá-la de matar o próprio cachorro.
— Vocês dois estão me olhando como se eu fosse uma ameaça. É sério isso, Cassian?
Levanto uma sobrancelha.
— Você aparece do nada no meio da floresta, sabe o meu nome e o do Az, e quer que a gente… o quê? Te ofereça um piquenique?
Azriel não diz nada — como sempre — mas suas sombras estão inquietas, rodopiando ao redor dela como se quisessem mapear até o último fio de cabelo.
— Az — ela continua, virando-se para ele, e aí eu percebo que ela não tem medo. Não o suficiente, pelo menos. — As sombras estão me fazendo cócegas.
Cócegas? Essa é nova.
Ela cruza os braços.
— Se vocês pararem de me avaliar como se eu fosse um bicho, eu conto o que aconteceu. Conto por que eu conheço vocês. Conheço até demais.
Azriel fica parado, estudando-a como se pudesse arrancar a verdade só de olhar.
— Pelo Caldeirão, Az, pode tirar as sombras de perto de mim? — ela pede.
Ele hesita. Eu conheço aquele olhar. Ele está pesando riscos, consequências… e provavelmente imaginando mil formas de neutralizá-la se precisar. Mas, para minha surpresa, as sombras recuam, deslizando para trás dele como fumaça obediente.
Ela respira fundo, visivelmente mais relaxada.
— Obrigada, Az.
Dou um passo mais perto e ela recua — só para encostar no meu braço.
Ela pisca, surpresa.
— Grande. — murmura, quase para si mesma. — Mais alto do que eu imaginava.
Azriel me olha de lado, e eu levanto as mãos num gesto que diz não fiz nada.
— Muito bem — digo. — Você disse que ia contar. Comece.
Ela hesita, morde o lábio inferior.
— É… complicado.
— Eu adoro complicado. — Dou um sorriso que normalmente deixaria mortais meio sem ar. Com ela, não funciona. Ela só revira os olhos.
— Eu estava em casa — começa — e não é uma casa qualquer. É… um lugar horrível, cheio de gente que eu não quero ver nunca mais. Então… esse colar…
Ela leva a mão ao pingente azul. — Ele esquentou, brilhou, e quando percebi, estava caindo. Senti o chão sumir. Depois… acordei aqui.
Azriel intervém pela primeira vez:
— E você sabe quem nós somos… como?
Ela solta um suspiro pesado, como se não quisesse responder.
— Porque… na minha casa, na minha vida… vocês são histórias. Livros. Eu li sobre vocês. Sobre Velaris. Sobre a Corte. Sobre tudo.
Sinto meus músculos ficarem tensos. Não gosto disso.
— Histórias? — repito. — Como se estivéssemos em um conto para crianças?
— Não — ela responde rápido. — Mais como… um mundo inteiro que não devia ser real. Só que é.
Azriel e eu trocamos um olhar rápido. Eu sei que ele está pensando o mesmo que eu: isso é ruim.
— E nesses livros… — Azriel diz, o tom baixo e controlado — você sabe o que acontece conosco?
— Sei. — Ela encontra o olhar dele sem vacilar. — Sei até demais.
Isso não me agrada nem um pouco.
— Então, você entende que aparecer aqui, com todo esse “sei demais”, não ajuda a sua causa.
Ela ergue o queixo.
— Não vim aqui de propósito. Se tivesse escolha, estaria bem longe.
Azriel cruza os braços.
— Você não tem escolha agora.
O silêncio pesa. Só o som das folhas se movendo com o vento preenche o espaço entre nós.
Eu quebro a tensão.
— Certo. Aqui não é lugar para ficar conversando. Vamos levá-la para Velaris.
Ela arregala os olhos.
— Velaris… é real mesmo?
Dou um sorriso meio debochado.
— Vai ter a chance de ver com seus próprios olhos.
Azriel não parece totalmente convencido, mas não discute. Ele apenas abre as asas, e eu faço o mesmo.
— Não — ela diz, dando um passo atrás. — Eu não vou voar com vocês.
— Você quer andar? — pergunto. — Porque, querida, Velaris não é logo ali na esquina.
Ela me encara, mas sabe que estou certo. Depois de alguns segundos, solta um resmungo e chega mais perto.
— Isso é um pesadelo. — murmura.
Sorrio.
— Não, docinho. Isso é Prythian.
Quando a seguro pela cintura para levantar voo, sinto que ela está tremendo. Não sei se é medo… ou outra coisa. Mas, por algum motivo, tenho a estranha sensação de que essa mortal vai nos dar mais dor de cabeça do que qualquer inimigo que já enfrentei.
E eu… mal posso esperar para descobrir como.
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Atualizado até capítulo 123
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