A manhã estava fria, com um vento que parecia querer arrancar qualquer folha distraída das árvores. O inverno naquela cidade sempre chegava silencioso, sem grandes tempestades, mas com um frio que se infiltrava pelas frestas e se aninhava nos ossos. Ela acordou cedo, sem saber exatamente o motivo. O corpo ainda pedia mais algumas horas de sono, mas a mente parecia inquieta, como se houvesse algo a ser feito naquele dia.
Abriu a janela e inspirou profundamente o ar gelado. Sentiu um arrepio percorrer sua pele, mas também uma estranha sensação de renovação. Talvez fosse o efeito da conversa com a senhora da praça dias antes. Talvez fosse apenas a necessidade de sentir-se viva novamente, de quebrar o ciclo de lembranças que a prendia dentro de casa.
Decidiu sair para caminhar. Pegou um casaco grosso, enrolou um cachecol no pescoço e saiu, sem destino certo. As ruas estavam quase vazias, exceto por alguns trabalhadores apressados e idosos que aproveitavam o sol tímido para se aquecer. A cidade natal parecia menor do que lembrava. Algumas lojas tinham fechado, outras haviam surgido no lugar. As fachadas mudaram, mas a calçada de pedras irregulares ainda era a mesma que ela percorria quando criança.
O cheiro do café fresco que vinha de uma padaria a fez parar por um instante. Ele sempre dizia que nada no mundo superava o aroma de café feito na hora, e, por um momento, ela quase entrou para comprar dois copos, como costumava fazer — um para ela, outro para ele. Mas seguiu andando, com o coração apertado.
Ao passar em frente a uma pequena floricultura, algo chamou sua atenção. No meio de tantas cores vivas, havia um vaso de lírios brancos, flores que ele costumava lhe dar em datas especiais. Recordou-se do aniversário de dois anos de namoro, quando ele apareceu em sua porta com um buquê enorme e um sorriso que parecia iluminar até os dias mais cinzentos. Sem pensar muito, empurrou a porta de vidro e entrou.
— São lírios da paz — disse a atendente, sorridente, enquanto limpava as folhas de uma orquídea. — Representam pureza, renovação... e também saudade.
Ela comprou o vaso e, ao segurá-lo, sentiu como se carregasse um pedaço dele consigo. Voltou para casa com mais calma, observando cada detalhe das ruas, como se tentasse reaprender o caminho.
Colocou os lírios sobre a mesa da sala, ajeitando-os de forma que a luz da janela os iluminasse. Passou os dedos pelas pétalas macias e, sem perceber, estava sorrindo. Não um sorriso largo, mas um pequeno reflexo de que ainda havia espaço para coisas bonitas, mesmo no meio da dor.
Naquela tarde, decidiu limpar a casa. Não por obrigação, mas por necessidade. Cada objeto parecia carregado de histórias — algumas boas, outras tão dolorosas que o simples toque fazia seu peito apertar. Ao abrir algumas caixas esquecidas no armário, encontrou fotografias antigas, cartas e pequenos presentes que guardavam memórias. Cada lembrança a fazia sentir uma pontada, mas também um calor suave, como se estivesse reencontrando partes de si mesma que haviam se perdido.
Entre os objetos, encontrou uma câmera fotográfica que ele usava. Lembrou de como ele tinha paciência para enquadrar cada foto, como se capturar o momento fosse a coisa mais importante do mundo. Decidiu que iria usá-la novamente.
No final do dia, saiu para fotografar o pôr do sol no mirante da cidade. Enquanto o céu se pintava de tons alaranjados, dourados e rosados, ela clicava, sentindo-se mais leve a cada disparo. O som do obturador parecia marcar um compasso novo dentro dela — um compasso que não apagava o passado, mas também não a prendia nele.
Quando voltou para casa, colocou a câmera sobre a mesa e, antes de dormir, escreveu no caderno:
"Hoje percebi que a vida ainda tem cores. E que posso carregá-las comigo, junto com você."
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Atualizado até capítulo 45
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