####UM VÍNCULO

O primeiro raio de sol não entrou pela janela.

Não havia janelas intactas na velha abadia.

Mas a luz encontrou frestas — como a verdade sempre se encontrava — e pousou, suave, sobre os cabelos grisalhos de uma mulher que parecia mais antiga que as próprias pedras daquele templo.

Galina estava sentada à beira do círculo de cinzas, com as pernas cruzadas e a espinha ereta como um pinheiro solitário diante da tempestade.

Não falava. Não gesticulava. Mas todos sentiam sua presença.

Era como se o Espírito falasse através de seu silêncio.

As crianças a chamavam de "Baba Galya",

os homens a reverenciavam com um aceno de cabeça,

e as mulheres chegavam a ela como filhas que nunca haviam tido o direito de chorar no colo de ninguém.

Galina, a ucraniana que perdera toda sua aldeia em uma única noite.

Galina, a mulher que enterrou os filhos e o marido com as próprias mãos.

Galina, que queimara a própria casa para que o inimigo não encontrasse abrigo.

Ela era cinza e fogo.

Ela era ruína e semente.

— Vocês sentem isso? — murmurou ela, sem abrir os olhos.

Sua voz era como o ranger da madeira antiga.

— O chão respira.

Alguns se olharam, inquietos.

Outros fizeram silêncio total.

— Cada vez que alguém aqui fala do que perdeu, o chão pulsa. Cada vez que uma criança sonha com tiros, as pedras tremem. Este lugar absorveu mais do que lágrimas. Ele absorveu destino.

Ela abriu os olhos.

— É por isso que estamos aqui.

Galina levantou-se. Não como uma anciã. Mas como uma montanha viva.

— Há muitas ordens no mundo.

Ordens de destruição. Ordens de poder.

Homens que se reúnem em salões de mármore para decidir o destino de outros homens.

Eles vestem ternos. Nós estamos em trapos.

Mas se há justiça, ela não nasce nos palácios.

Ela nasce nas cinzas.

Ela deu um passo para o centro do círculo.

— Vocês perderam seus nomes. Seus entes. Seus bens.

Mas não perderam o espírito.

E é sobre ele que construiremos o que há de vir.

Uma mulher, jovem, com um bebê no colo, chorou em silêncio.

Um dos homens, antes comandante de tropa, agora com o rosto cheio de cicatrizes, se ajoelhou.

Galina não pedia nada.

Mas todos se sentiam chamados.

Ela então pegou um pequeno objeto de seu casaco —

um pedaço de madeira queimada, envolta em tecido de linho.

Era parte do altar da igreja de sua aldeia.

— Esta madeira pertenceu a um lugar sagrado.

Não por causa do prédio.

Mas por causa da fé que sobreviveu nele até o último minuto.

Ela se ajoelhou e enterrou o pequeno pedaço de madeira no centro do círculo.

— Aqui começa o novo altar.

As pessoas começaram a se mover.

Um velho judeu se aproximou e depositou seu talit (xale de oração) dobrado em silêncio.

Uma cigana deixou uma medalha da avó.

Um padre católico que fora prisioneiro em Dachau tirou do pescoço uma cruz simples de ferro.

Cada gesto era uma renúncia e um pacto.

O círculo se enchia de pequenos objetos — fragmentos de fé, dor e esperança.

Galina então acendeu uma vela.

Colocou-a no centro, sobre o altar improvisado.

— Esta chama não apagará enquanto estivermos vivos.

E mesmo que morra... alguém irá reacendê-la.

Um homem perguntou:

— O que é isso que estamos formando?

Galina olhou para ele. Depois, para todos.

— É uma Ordem.

Mas não como as que conhecemos.

Essa será silenciosa. Invisível.

Será o sussurro da justiça onde o grito não pode ser ouvido.

Será o fogo que aquece, mas também queima o mal.

Será composta por médicos, professores, músicos, lavadeiras, soldados, cozinheiros, pedreiros, mães e órfãos.

Não haverá trono.

Haverá missão.

Ela pausou.

— Nós não estamos aqui para sermos mártires.

Estamos aqui para sermos sementes do Espírito.

Todos se levantaram.

Ninguém ordenou isso.

Como se um sopro invisível tivesse passado por ali, os sobreviventes formaram um círculo em volta do altar —

um círculo de carne, de alma, de promessa.

Galina, ao centro, ergueu a vela.

— Que a Justiça do Espírito seja nosso escudo.

— E que a Memória nos torne armas.

Naquele instante, o vento soprou de dentro da abadia.

E mesmo que ninguém soubesse explicar como,

todos ali sentiram:

a Ordem havia nascido.

A chama no centro do círculo treme luzia.

Não pelo vento — ali dentro, o ar era espesso e imóvel —,

mas pela força invisível que circulava entre aquelas almas desperdiçadas pelo mundo… e agora escolhidas pelo destino.

Galina então fez um gesto com os dedos enfaixados de frio: um sinal ancestral.

Ninguém sabia o que significava.

Mas todos sentiram.

A verdade não mora nas palavras, pensou ela.

Mora na vibração que as antecede.

Ela ergueu os olhos para a abóbada rachada da abadia, onde antes havia afrescos de anjos.

Agora só restavam sombras, como se até os santos tivessem fugido da Terra.

— Vocês viram o pior que o mundo pode ser — disse ela, sem elevar o tom. —

E mesmo assim não mataram em vocês o instinto de proteger, de cuidar, de resistir.

Ela caminhou em círculo, passando por cada um.

As mães, com os olhos fundos.

Os jovens, com mãos trêmulas.

Os homens, quebrados por dentro.

As crianças, de olhos abertos demais para quem deveria dormir.

— As doze tribos foram desfeitas por guerras e exílios — murmurou, parando diante de um homem ruivo com olhar grego. —

Mas doze linhagens nasceram aqui.

Cada uma terá seu caminho.

Cada uma será uma coluna.

E quando os tempos forem maduros…

se reencontraram.

O homem assentiu, com olhos marejados.

A esposa ao seu lado agarrou seu braço, como quem segura uma profecia.

Galina então se aproximou da vela acesa.

— Cada um de vocês levará consigo uma cópia.

Uma chama.

Um símbolo.

É um nome que só será usado dentro da Ordem.

Ela tirou de sua sacola um rolo de pergaminho velho e começou a desenrolar com cuidado.

Era uma escrita antiga, manuscrita com carvão e sal.

— Este é o nome que recebi em sonho — disse. —

Tzedeqa Ruḥa.

A Justiça do Espírito.

Todos se olharam.

O nome queimou como fogo na língua de cada um.

Mas era um fogo que não doía.

Era como se todos estivessem finalmente ouvindo algo que já sabiam.

Galina sorriu pela primeira vez.

E suas rugas, em vez de envelhecerem seu rosto, o tornaram luminoso.

— Quem se ajoelha hoje…

se levantará como guardião de um novo tempo.

Naquele dia, nenhum juramento foi falado em voz alta.

Nenhum contrato foi assinado.

Mas nos corações daquela pequena multidão em ruínas, um selo foi gravado —

com sangue, silêncio e verdade.

Ali nascia não apenas uma Ordem,

mas uma promessa feita entre sobreviventes e o Espírito.

E Galina, com a chama nas mãos, tornou-se a primeira Guardiã do Fogo.

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Atualizado até capítulo 45

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