CAPITULO 4 - O visitante da noite

A noite no campo tem um silêncio que pesa. É tão denso que qualquer estalo parece um tiro.

Eu já estava pronta para dormir quando ouvi o barulho. Primeiro foi um rangido suave, depois o baque metálico de um portão se fechando… sozinho.

Francisco nunca deixaria um portão aberto à noite.

Peguei a lanterna e minha jaqueta de couro. JP já estava dormindo, então decidi ir sozinha — afinal, quem conhece cada canto desse lugar sou eu.

O ar estava frio, o cheiro de terra úmida e vinho no ar. Caminhei até o estábulo, sentindo o coração bater mais rápido a cada passo. As luzes lá dentro estavam apagadas, mas… havia pegadas frescas na terra. Não eram de botas de trabalho. Eram de sapato — caro.

— Eu sei que tem alguém aí. — Minha voz ecoou firme, mais para me convencer do que para espantar quem estivesse escondido.

Um vulto se moveu na sombra. Senti um arrepio percorrer a espinha, aquele misto de medo e adrenalina que vicia. Segurei a lanterna como se fosse uma arma.

De repente, uma mão grande segurou meu pulso, me empurrando contra a parede de madeira. A lanterna caiu no chão, rodopiando, e a luz fraca iluminou o rosto dele.

Aiden.

— Você tem mania de brincar de heroína, Helene? — A voz grave dele soou como uma ameaça… e uma provocação.

— E você tem mania de aparecer no meu haras no meio da noite? — retruquei, sentindo o corpo dele próximo demais do meu.

Ele sorriu de canto, aquele sorriso lento que me dá raiva e vontade ao mesmo tempo.

— Nao era para voce estar dormindo essa hora? — O tom dele não era de suposição. Era certeza.

— Como sabe? E eu to agitada demais para conseguir dormir.

— Eu te conheço Helene...

Os olhos dele percorreram meu rosto como se procurassem uma reação. Eu não ia dar o gosto de recuar. Ficamos ali, próximos demais, até que ele se afastou devagar… mas não antes de roçar os lábios perto do meu ouvido.

— Tranque as portas, Helene. Nem sempre sou eu quem aparece no escuro.

Ele se virou para sair, mas eu bloqueei a passagem.

— Espera. Por que você está aqui de verdade? — perguntei, com a voz mais firme do que me sentia.

— Não posso falar.

— Há quanto tempo você vem aqui à noite?

— Mais tempo do que você imagina.

— Do que você sabe, Aiden?

Ele segurou meu olhar, sério. — Coisas que podem mudar tudo.

— Então me diga.

— Não.

-- Não, conte para o Dom...

-- Contar oque ?

-- Nada.. - digo com um pouco de incerteza na minha resposta mas com a sensação que ele nao iria falar nada para Dom.

A tensão ficou no ar enquanto o som dos sapatos dele desaparecia na escuridão.

Na manhã seguinte, o haras despertou cedo, como sempre. O vapor quente da respiração dos cavalos misturava-se ao frio do amanhecer. Trabalhar ali não era apenas rotina: era conexão. Escovar o pelo, verificar ferraduras, acompanhar treinos — cada animal tinha seu ritmo, sua teimosia e sua lealdade.

Depois vinha a vinícola. O cheiro de uvas esmagadas, o trabalho lento e meticuloso de selecionar os cachos perfeitos, o barulho suave da fermentação acontecendo dentro das barricas de carvalho. Produzir vinho exigia paciência quase religiosa: meses de espera, atenção aos detalhes, um cuidado que começava no plantio e terminava apenas quando a garrafa era aberta.

E, mesmo imersa na lida, o eco da noite anterior me perseguia. As perguntas sem resposta, o olhar de Aiden, o peso de um segredo que parecia muito maior do que ele admitia. E a certeza incômoda de que, se ele voltasse, eu não teria coragem de mandá-lo embora.

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Atualizado até capítulo 30

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