Nova Iorque, 6h02 da manhã —Segunda-feira
Acordei com o coração pulando no peito como se tivesse uma rave interna acontecendo dentro de mim. Não havia música, nem luzes, mas o nervosismo dançava em cada centímetro do meu corpo. Olhei para o teto, aquele velho rachado no canto esquerdo que parecia sorrir com sarcasmo, e desejei, do fundo da alma, estar em qualquer lugar que não fosse... o hoje.
Hoje era o dia da entrevista.
Levantei como quem tenta não acordar a própria ansiedade — devagar, pé por pé, como se o chão fosse feito de vidro e qualquer passo em falso pudesse me fazer desmoronar junto.
Fui até a cozinha e preparei o café mais forte que minha cafeteira velha conseguiria me oferecer. Ainda assim, parecia aguado perto da adrenalina que me fazia tremer as mãos.
Às 6h24, a campainha tocou com insistência. Duas, três vezes, como se alguém quisesse invadir meu sonho e não apenas a porta da frente.
— Abre logo, Eva! — ouvi a voz de Vanessa, do outro lado. — Eu vim salvar você de parecer uma adolescente desesperada de currículo molhado!
Abri a porta com cara de quem não teve tempo nem de pentear a alma.
— Você tá cedo.
— Você tá com cara de quem vai passar desodorante na cara achando que é primer — respondeu, empurrando a porta e entrando como uma brisa quente de caos organizado.
Ela trazia uma mala de rodinhas que parecia saída de um set de filmagem. Lançou-a sobre o sofá ainda ausente e começou a abrir zíperes com a destreza de quem nasceu para comandar reality shows de moda.
— Eu trouxe opções — disse, triunfante. — Estilos. Paletas. Possibilidades.
— Eu só preciso parecer alguém contratável — murmurei, dando mais um gole no café e tentando, sem sucesso, controlar o tremor nas mãos.
— Contratável? Amada, você precisa parecer uma maldita arquiteta de elite. Inteligente, confiante e ligeiramente inacessível.
Ela abriu o primeiro cabide. Um blazer cinza-chumbo estruturado, de corte impecável. Tecido italiano, provavelmente emprestado da irmã rica dela que vivia de casamentos e eventos sociais.
— Não é muito sóbrio? — perguntei, passando a mão no tecido.
— É sóbrio o suficiente pra intimidar, mas elegante o bastante pra dizer “eu domino essa sala sem levantar a voz”.
— Isso tudo com um blazer?
— Amor, um blazer bem escolhido pode vencer guerras.
Seguiu-se então um desfile improvisado no meio da sala, com Vanessa me jogando vestidos, camisas de seda, calças de alfaiataria e observando cada detalhe como uma estilista possuída. Testamos brincos delicados, presilhas douradas e até o batom que ela jurou que dava “poder instantâneo”.
— Esse é o vermelho “Decisão de Executiva com Segredo Sórdido” — explicou, me estendendo o tubinho.
— Isso é um nome ou um aviso?
— Ambos. Confia.
Depois de quase uma hora entre zíperes emperrados, cotoveladas acidentais e risos nervosos, acabamos com a combinação perfeita:
o Blusa de tricô cropped off-white com gola alta e mangas largas, essa peça é quentinha e sofisticada. O comprimento cropped dá um toque moderno e valoriza a cintura alta da calça. Uma calça pantalona azul-marinho de cintura alta e caimento fluido, alonga a silhueta e traz elegância ao visual. O contraste entre o azul escuro e o branco da blusa cria uma composição harmoniosa e refinada.
Casaco xadrez azul-marinho com detalhes vermelhos com corte estruturado e comprimento médio, adiciona um toque clássico e imponente ao look. O xadrez discreto dá personalidade sem pesar. Nos pés, um Scarpin azul-marinho com salto fino e bico fino que adicionam feminilidade e sofisticação.
Combinam perfeitamente com a calça, mantendo a paleta monocromática. é para finalizar, uma uolsa estruturada azul-marinho estilo Birkin. Elegante, atemporal e poderosa. Ideal para compor um visual de impacto com muito bom gosto..
— Se isso não garantir o emprego, pelo menos você vai destruir corações no caminho — disse ela, com um sorriso.
— Espero que só construa prédios. Corações já me deram trabalho demais.
Nos sentamos um instante no tapete. Vanessa me observou em silêncio por alguns segundos, e então falou, mais suave:
— Você tá pronta, sabia? De verdade.
— E se não der certo?
Ela sorriu.
— Aí você chora no meu colo, eu compro vinho e a gente amaldiçoa o capitalismo juntas. Mas depois, você tenta de novo. Porque você sempre tenta de novo.
Fiquei ali, olhando para meu reflexo distorcido na janela suja, tentando acreditar que talvez, só talvez, o mundo estivesse pronto para me ouvir. Ou pelo menos, que eu estivesse pronta para me fazer ouvir.
Pelas minhas mãos, passariam estruturas inteiras. Prédios. Espaços. Ideias. E se tudo desse certo, também um novo começo.
Um passo de cada vez.
Um casaco de cada vez.
E um batom vermelho pronto para o combate.
Nova Iorque, 8h29 da manhã
Segunda-feira
Descer do carro vestida como uma mulher que supostamente tem tudo sob controle já era um desafio. Mas caminhar até o prédio da D’Angelo & Marchand Architects tentando parecer naturalmente imponente foi quase um ato de teatro digno de indicação a prêmio.
A cidade pulsava com seus sons típicos — buzinas impacientes, passos apressados, cafés sendo servidos, vozes debatendo reuniões nas calçadas. Mas à medida que eu me aproximava do quarteirão, os sons pareciam se diluir num silêncio respeitoso, como se até Nova Iorque soubesse que aquele lugar não era como os outros.
O prédio da D’Angelo & Marchand não era o mais alto da cidade, mas era o mais impossível de ignorar. Um monólito moderno de vidro e aço, esculpido com elegância minimalista e presença quase mística. O reflexo das nuvens nas fachadas envidraçadas parecia uma dança constante entre céu e concreto. Ele se erguia como uma escultura viva — e ainda assim, não havia nada excessivo em sua estrutura.
Era... impecável. Intimidador. Impecavelmente intimidador.
O hall de entrada me arrancou o ar antes mesmo de perceber. Pé-direito duplo, paredes em mármore escuro polido, detalhes em cobre fosco e um jardim vertical que se estendia até o teto como uma obra de arte viva. Tudo ali parecia respirar arquitetura.
O som era abafado por painéis acústicos invisíveis, e a iluminação natural se misturava com luzes estrategicamente posicionadas, como se o espaço inteiro tivesse sido desenhado não apenas para ser bonito — mas para fazer você se sentir pequeno diante dele.
Eu me aproximei da recepção com passos contidos. A mulher atrás do balcão era tão elegante que poderia facilmente ser confundida com uma das obras instaladas no lobby. Traje preto, coque milimetricamente preso, um sorriso mínimo que não passava da superfície.
— Eva Santiago. Tenho uma entrevista marcada para as nove.
Ela assentiu com um leve gesto de queixo e digitou algo num teclado invisível sob a bancada.
— Elevador vinte e três. Vigésimo sétimo andar. A assistente do senhor D’Angelo estará esperando.
Senhor D’Angelo.
O nome reverberou dentro de mim como um tambor sussurrante. Mas eu o afastei. Não agora. Primeiro, subir. Respirar. Sobreviver.
O elevador era uma cápsula de vidro e aço silenciosa, subindo como um pensamento limpo. A cidade se encolhia abaixo de mim, e com ela, as lembranças da casa dos meus pais, da lasanha fria, dos olhares que nunca disseram “parabéns”.
Quando as portas se abriram no 27º andar, fui recebida por outro universo.
Ali, o mundo parecia feito de silêncio absoluto e movimento calculado. O espaço era um grande open space, com mesas flutuantes, divisórias de vidro jateado e paredes cheias de plantas, pranchas e telas gigantescas com renderizações 3D girando suavemente. Tudo era de um luxo contido — o tipo de luxo que não grita, mas comanda.
A luz entrava por claraboias automatizadas, e o piso — madeira clara de reflorestamento com acabamento acetinado — absorvia o som dos passos. Havia maquetes tão detalhadas que pareciam ter vida própria, dispostas como joias em vitrines de acrílico.
Nada ali era improvisado. Cada cadeira, cada cor, cada centímetro quadrado havia sido pensado, testado e aprovado sob o crivo de mentes geniais.
E ali estava eu. De blazer emprestado, batom vermelho de coragem e as mãos trêmulas dentro dos bolsos.
— Eva Santiago? — chamou uma mulher de olhos puxados e voz suave, vestindo um conjunto preto sem uma única dobra.
Assenti com um sorriso quase vacilante.
— Pode me acompanhar, por favor. O senhor D’Angelo estará com você em instantes.
As pernas se moveram por instinto. Meus saltos tocavam o chão em ritmo irregular, mas meus olhos absorviam tudo — os quadros abstratos, os móveis de design escandinavo, a atmosfera de genialidade silenciosa.
Fui conduzida até uma sala de vidro que se projetava para fora da fachada, como uma cápsula suspensa sobre a cidade. Lá dentro, havia uma mesa imensa em carvalho negro, com apenas um notebook fechado, uma luminária angulosa e um vaso de orquídeas brancas.
— Sinta-se à vontade. Ele não deve demorar.
Ela se afastou.
E ali fiquei.
Sozinha, a um passo de uma porta que poderia mudar tudo, com o coração aos saltos, tentando convencer a mim mesma de que eu pertencia àquele lugar.
E por mais que o medo me beliscasse por dentro… algo em mim dizia que sim.
Eu havia chegado.
Agora era só não cair. Ou, se caísse… cair com elegância.
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Atualizado até capítulo 58
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