Entre Ordens e Desejos
O despertador tocou pela terceira vez.
Lívia empurrou o celular com a testa, meio enterrada no travesseiro, e soltou um suspiro cansado.
Mais um dia. Mais uma tentativa.
Mais um "não" talvez.
Desde que a mãe morrera, a vida parecia girar em círculos. Um looping de perdas, dívidas e sacrifícios. Ela ainda conseguia lembrar da última vez que as coisas pareciam normais: tinha 19 anos, estudava à noite, trabalhava num café durante o dia, e sonhava em fazer intercâmbio.
Mas tudo mudou em uma madrugada silenciosa, quando a mãe caiu no chão da cozinha com a xícara de chá ainda na mão. AVC fulminante. Não houve tempo para despedidas.
Depois da morte, o pai… desabou. Não de tristeza — ao menos não só — mas literalmente. Meses depois, vieram os tremores nas mãos, a dificuldade de falar, e o diagnóstico cruel: Parkinson em estágio avançado.
A doença o consumia rápido demais,ele fez um acordo errado no meio disso acabou perdendo tudo a empresa o sonho .
E ela?
Precisou crescer da noite para o dia.
Abandonou os planos, segurou as pontas como pôde. Mas os bicos não pagavam os remédios dele. Nem o aluguel.
E agora, com 23 anos, a conta bancária zerada, e os olhares de pena cada vez mais frequentes no bairro, a vaga de assistente executiva parecia o último fio de dignidade que ainda restava.
"Grupo Ferraz."
Só o nome já intimidava. Uma das empresas mais cobiçadas do país. Conhecida tanto por seus lucros bilionários quanto pela frieza de sua liderança.
Dante Ferraz.
O CEO mais jovem da história da holding. Também o mais perigoso.
Diziam que ele não sorria. Que demitia funcionários com uma única frase. Que já fora flagrado saindo com modelos — mas nunca por mais de uma semana.
Mas nada disso importava pra Lívia.
Ela só precisava daquele emprego. Só queria poder voltar pra casa com uma resposta diferente do "não deu".
— Eu só preciso parecer confiante — murmurou, ajeitando a camisa branca um pouco amassada e prendendo o cabelo num coque improvisado. — E não... demonstrar o desespero.
Pegou a bolsa, trancou a porta do pequeno apartamento alugado com o pai e saiu.
No ônibus lotado, pensou na consulta que ele teria na próxima semana — e que ela ainda não sabia como pagaria.
No andar de cima, o velho senhor que morava com a esposa oferecia comida às vezes. “Você é boa demais pra sofrer assim, menina”, ele dizia.
Mas bondade não pagava a farmácia.
Quando finalmente chegou ao prédio espelhado, o coração batia como se soubesse.
Sabia que aquele momento marcaria sua vida.
A recepcionista foi educada, mas fria.
Subiram até o 23º andar.
Lívia mal sentiu os pés no chão.
— Espere aqui, senhorita Lívia Andrade. O senhor Ferraz vai atendê-la pessoalmente.
Pessoalmente?
Aquilo não era comum, ela sabia.
Antes que pudesse pensar em fugir, as portas do escritório se abriram.
E então ela o viu.
Dante Ferraz.
Alto. Traje preto impecável. Ombros largos. Olhos escuros como o pecado e tão penetrantes que ela quase se esqueceu de respirar.
Ele caminhava como quem dominava o mundo — e talvez dominasse mesmo.
— Entre. — disse ele, sem rodeios.
A voz era grave. Fria. Mandona.
Lívia respirou fundo.
E, mesmo com o medo subindo pela espinha, ela entrou.
Sem saber, naquele instante, estava deixando para trás não apenas um passado difícil — mas também a ilusão de que poderia controlar o próprio destino.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 81
Comments