O dormitório 3B ficava no terceiro andar de um bloco antigo, reformado por fora, mas ainda com cheiro de tinta nova por dentro. Rebecca subiu os degraus com passos firmes, mesmo carregando uma mochila pesada nas costas e uma bagagem muito maior no peito.
O corredor estava vazio, exceto por uma moça de cabelo cacheado sentada no chão com um pote de macarrão instantâneo no colo. Quando viu Rebecca, ergueu os olhos.
— Dormitório 3B? — perguntou, sorrindo.
Rebecca assentiu.
— Ótimo. Sua colega de quarto está fora agora, mas ela é legal. Eu sou Clara. 2A.
— Rebecca.
Clara observou por um segundo a forma como Rebecca andava. O jeito direto, sem rodeios. O modo como segurava a chave como se fosse uma arma.
— Você veio de onde?
— De lugar nenhum — respondeu sem hesitar. — E espero que o destino seja diferente.
Clara riu baixo, como quem reconhece uma alma cansada.
Dentro do quarto 3B
Rebecca encontrou o essencial: cama, mesa, uma estante vazia, e uma janela que dava vista para o pátio de pedra da universidade.
Colocou a mochila no chão, sentou-se na cama de lençol branco impecável e observou o quarto em silêncio.
Pela primeira vez… não havia grades. Nem ordens. Nem horários forçados.
Mas também não havia proteção.
Era só ela, os livros…
E o passado que começava a dar sinais de estar mais perto do que nunca.
Ela abriu o envelope que Marta lhe dera antes de sair do orfanato.
Lá dentro havia uma carta, escrita à mão:
“Nunca aceite verdades prontas. A justiça não é o que dizem — é o que você decide lutar para construir.
Cuidado com os olhos que te seguem em silêncio. Nem todos querem te ver livre.”
Sem assinatura.
Rebecca leu a mensagem duas vezes. Depois a queimou na pia do banheiro com um fósforo esquecido no kit de boas-vindas da faculdade.
Naquela noite, não conseguiu dormir.
O quarto estava escuro, mas a luz do poste de fora entrava pelas frestas da persiana. A sombra da árvore se movia como se estivesse viva.
Rebecca não tinha medo disso. Mas sentia algo diferente no ar.
Levantou-se, pegou o colar, e o analisou pela primeira vez com mais calma.
O pingente parecia uma asa de corvo quebrada, mas havia uma ranhura fina na lateral. Passando a unha com cuidado, percebeu que havia uma abertura quase invisível — e dentro dela, enrolado, um papel dobrado milimetricamente.
Com os dedos trêmulos, Rebecca retirou o papel e abriu.
Era uma foto antiga, muito pequena.
Dois adultos — um homem de terno escuro, uma mulher com vestido vermelho — segurando um bebê enrolado num pano preto.
O rosto da criança era embaçado. Mas o da mulher não.
Rebecca engoliu em seco.
Ela já tinha visto aquele rosto antes.
Numa pintura pendurada na parede da sala da diretora do orfanato.
A diretora dissera que era "uma das primeiras benfeitoras do Santa Ágata".
O nome na placa dourada: Bianca A. Valentini.
Rebecca encostou a cabeça na parede, respirando fundo.
— Não é coincidência. — sussurrou. — Eles me deixaram lá… mas nunca tiraram os olhos de mim.
.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 29
Comments