Capítulo 2 — Aula de Sobrevivência

Os dias seguintes foram iguais em aparência… mas não no fundo.

Eu continuava sendo o alvo de cochichos, piadinhas e olhares atravessados. Mas algo estava mudando. Eu estava diferente.

Mais focada. Mais calada. Mais forte.

Enquanto eles perdiam tempo tramando formas de me irritar, eu estava devorando livros de Direito escondida à noite, copiando trechos à luz de lanterna e treinando argumentação no espelho rachado do banheiro.

Eu queria mais do que brigas. Eu queria poder.

O tipo de poder que vem do conhecimento, não dos punhos.

Mas é claro que Thayler não deixaria isso passar.

Foi no refeitório que ele tentou me quebrar de novo.

Hora do almoço. Fila longa, bandejas rangendo. Eu estava sentada sozinha, como de costume, lendo uma folha de anotações escondida sob o prato.

Thayler apareceu na minha frente. Alto, com aquele mesmo sorriso torto de sempre. Mas agora com algo diferente no olhar: insegurança disfarçada de desprezo.

— Estudando leis de novo, Rebecca? Vai defender os coitadinhos quando sair daqui?

Não respondi.

— Você sabe que ninguém vai querer uma garota como você. Abandonada. Fria. Esquisita.

Colocou a mão sobre minha folha de anotações, tentando amassar.

Errou.

Eu me levantei, devagar. Encostei o indicador no peito dele.

— Sabe qual é a diferença entre nós, Thayler?

Ele arqueou a sobrancelha, surpreso com a calma.

— É que você ainda precisa provar que manda.

Eu? Já mando sem precisar fazer nada.

Silêncio. O refeitório ficou tenso.

Alguns começaram a rir baixinho. Não de mim. Dele.

A humilhação não era física. Era mental.

E ele sentiu isso.

Thayler rangeu os dentes, empurrou a bandeja da própria mesa no chão e saiu, murmurando xingamentos que não me atingiam mais.

Naquela noite, escrevi uma frase no final do meu caderno:

"Eles me deram um mundo podre. Eu vou devolver em chamas — com leis escritas por mim."

Naquela noite, depois do refeitório, fiquei na biblioteca até mais tarde. A professora Marta tinha me deixado com outro livro de Direito — esse sobre ética e justiça restaurativa. A capa era gasta, mas dentro dele havia algo estranho: uma anotação à mão, antiga.

"O sangue não define o destino. A escolha, sim."

Não era da professora. Era uma letra masculina, firme, com a tinta um pouco desbotada pelo tempo.

Fechei o livro devagar.

Essa frase... me provocava um arrepio esquisito. Como se alguém estivesse me observando, mesmo ali, no silêncio da biblioteca.

Na manhã seguinte, fui chamada pela diretora.

Pensei que fosse por causa do incidente com Thayler. Mas não era.

Ela me olhou por cima dos óculos com uma expressão que raramente usava comigo: respeito.

— Rebecca, houve uma… visita ontem. Um homem. Disse ser advogado de uma fundação de apoio a jovens excepcionais. Mencionou você.

Franzi a testa.

— Eu não me inscrevi em nada.

— Eu sei. Mas eles já sabiam seu nome. Sabiam da sua média, da sua disciplina, dos elogios da professora Marta. E deixaram isso.

Ela deslizou um envelope grosso sobre a mesa.

Meu nome estava escrito na frente — em letra cursiva dourada. E no canto inferior... um símbolo. Um brasão com um corvo pousado sobre uma balança.

Senti meu peito apertar.

Já tinha visto esse símbolo antes... no rodapé de um documento antigo, encontrado meses atrás no porão do orfanato.

Minhas mãos tremiam levemente quando abri o envelope.

Dentro havia:

Uma carta formal, oferecendo uma bolsa integral para cursar Direito numa das melhores universidades particulares da região.Um cartão com o nome de um advogado: Sandro A. Valentini.E uma observação escrita à mão no final da carta:"Quando chegar a hora, você entenderá por que foi deixada para trás. Por enquanto… apenas aprenda."

Guardei o envelope sem dizer nada à diretora.

Apenas agradeci, com um leve aceno de cabeça.

Ao sair da sala, vi Thayler de longe, encostado na parede, me observando. Mas dessa vez… ele não disse nada.

Apenas desviou o olhar.

Naquela noite, no quarto escuro, sentei-me na cama com os livros no colo. Abri o primeiro capítulo da constituição e sussurrei as primeiras linhas.

"Todo poder emana do povo…"

— Eu sou o povo. — murmurei. — E estou pronta pra buscar o que é meu.

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