Capítulo 3 — A PropostaO céu estava cinza naquela manhã.

Aquela cor opaca que sempre parece anunciar mudança — não importa se boa ou ruim. Rebecca já sentia o pressentimento antes mesmo de ser chamada pela diretora outra vez. O corredor do orfanato estava silencioso, o tipo de silêncio que precede algo grande.

Ela entrou na sala da diretora com passos calmos, embora por dentro, cada batida do coração soasse como tambor.

Desta vez, não era só a diretora ali.

Um homem alto, de terno escuro e gravata azul, estava de pé ao lado da estante. Tinha o cabelo penteado para trás, uma postura impecável e… algo estranho nos olhos.

Aqueles olhos.

Fixos. Cálidos. Observadores demais.

— Rebecca — disse a diretora, com um tom mais formal que o normal. — Este é o senhor Sandro Valentini. Representa uma fundação que deseja… conversar com você.

— Bom dia, senhorita — ele disse, inclinando a cabeça. Sua voz era firme, educada demais. — A Fundação D'Argento tem observado jovens com alto potencial intelectual. E o seu nome… chamou atenção.

Rebecca sentou-se, mantendo a expressão neutra. Ela sentia o cheiro de mentira. Ou de algo escondido. Algo que cresceu com ela desde sempre.

— Me observaram como? Eu nem saio daqui.

Ele sorriu, mas não respondeu direto.

— Temos contatos em várias instituições de ensino. Professores. Relatórios. Palavras da senhora Marta, inclusive.

Rebecca pensou rápido.

Marta havia comentado com alguém sobre ela?

— Estamos oferecendo uma bolsa completa de estudos — ele continuou. — Curso de Direito. Uma universidade renomada na capital. Moradia. Livros. Tudo custeado pela fundação. Se aceitar, poderá começar no próximo semestre.

Rebecca ergueu uma sobrancelha.

— E porque Direito?

Sandro cruzou as mãos sobre o joelho. Havia um brilho contido no olhar dele.

— Porque o mundo precisa de pessoas que saibam lidar com regras… e quando quebrá-las. E você entende isso melhor do que a maioria.

Ela se inclinou levemente para frente, sem quebrar o contato visual.

— Isso não é caridade. É alguma espécie de teste?

— Não. — Ele sorriu outra vez. Mas agora, havia sinceridade no sorriso. Ou uma imitação perfeita. — É um investimento.

Rebecca respirou fundo. O nome dele… Valentini.

O mesmo sobrenome do homem na assinatura do documento antigo que ela achou no orfanato.

Giancarlo A. Valentini.

Não podia ser coincidência.

Ela não reagiu. Apenas perguntou:

— Posso pensar?

Sandro assentiu.

— É claro. Mas lembre-se: oportunidades são como espelhos em movimento. Refletem quem você é… mas não ficam no mesmo lugar por muito tempo.

Ele deixou um cartão sobre a mesa e se despediu com um aperto de mão formal.

Depois que ele saiu, a diretora suspirou.

— Você é especial, Rebecca. Mesmo que ainda não entenda por quê. Não deixe o medo te impedir de crescer.

Rebecca não respondeu. Pegou o cartão, guardou no bolso e saiu.

Do lado de fora, parou diante do mural do orfanato. Uma parede cheia de nomes de crianças adotadas, de fotos antigas. Em uma delas, uma bebê embrulhada num cobertor escuro. Sem nome. Sem olhos visíveis. Mas Rebecca reconheceu a marca no colar no pescoço da bebê.

Era ela.

E pela primeira vez, ela se perguntou:

"Me deixaram aqui para me esconder... ou para me preparar?"

Na manhã da partida, o orfanato estava mais silencioso do que nunca.

Rebecca acordou antes do despertador. Não por ansiedade. Mas porque seu corpo inteiro sabia que aquele dia marcaria o fim de uma era. O último café ralo. O último som das camas rangendo. O último passo sobre o chão de madeira desgastado.

Colocou o colar — o mesmo que encontraram com ela quando bebê — por dentro da blusa. Era um amuleto e uma cicatriz ao mesmo tempo.

Arrumou suas poucas roupas numa mochila preta. Pegou os livros que a professora Marta lhe dera escondidos e olhou uma última vez para a estante que dividira com três meninas ao longo dos anos.

Não sentia saudade. Sentia impulso.

No corredor, foi surpreendida por Marta, que segurava um envelope branco.

— Sei que você odeia despedidas — disse a professora, sem rodeios. — Então aqui está só um... “Até breve”.

Rebecca pegou o envelope, guardou sem abrir.

— Obrigada pelos livros.

Marta sorriu. Depois, inclinou-se para sussurrar:

— Você já sabe, né? Eles estão te levando porque te conhecem. Não acredita em coincidências. Nunca.

Rebecca assentiu uma vez. Curta. Firme.

No pátio, Thayler estava encostado numa pilastra, de braços cruzados. Quando os olhares se cruzaram, ele não falou nada. Apenas ergueu o queixo num gesto de “vá logo”.

Era o máximo que ele daria.

O carro preto já a esperava no portão.

O mesmo advogado, Sandro Valentini, estava no banco da frente, lendo algo. Quando Rebecca entrou, ele apenas disse:

— Pronta?

Ela respondeu encarando a estrada.

— Eu nasci pronta. Só não sabia.

Enquanto o carro se afastava do portão do orfanato, Rebecca olhou pelo vidro traseiro e viu…

Uma figura na sacada do segundo andar.

Alguém que ela não reconhecia.

Alguém alto, com uma capa escura esvoaçante.

Observando.

E então sumiu.

Horas depois — Cidade Alta, Capita.l O campus da Universidade D’Archer se erguia como uma fortaleza moderna entre prédios cinzentos. Rebecca desceu do carro com a mochila nos ombros, encarando o enorme portão com a inscrição:

“Veritas Per Potentiam” — “A Verdade através do Poder”.

Sandro lhe entregou uma chave.

— Dormitório 3B. Seu quarto.

— E agora?

— Agora você estuda. E sobre o resto… — Ele sorriu, enigmático. — Quando for a hora certa, saberá o que fazer.

Ele entrou no carro e partiu.

Rebecca ficou ali, sozinha, respirando fundo.

Primeira noite fora do orfanato. Primeira noite no mundo real.

E o estranho era:

Não parecia liberdade.

Parecia o começo de uma caçada.

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