...Emily ...
O carro balançava suavemente pelas ruas da cidade enquanto eu observava as nuvens do lado de fora, os braços cruzados e o queixo apoiado na mão. O mundo lá fora seguia normalmente — trânsito, cafés lotados, pessoas apressadas com fones nos ouvidos — mas dentro de mim, tudo estava... inquieto.
Seo Yuna.
A imagem dela ainda não saía da minha cabeça.
Era estranho, porque eu só a tinha visto por uma única foto no tablet do meu pai. Uma imagem estática. E mesmo assim... havia algo naquela mulher. No jeito como ela sorria de lado, como se soubesse de um segredo que ninguém mais sabia. No olhar vermelho profundo, nos fios brancos com mechas vermelhas, e principalmente... naquela olheira de raposa branca em cima da cabeça.
Eu já tinha ouvido falar de metamorfos. Todo mundo no mundo moderno sabia sobre eles.
Pessoas que nasciam com as características de animais raros. Às vezes orelhas, garras, caudas... outras vezes algo mais sutil: sentidos aguçados, mudanças corporais temporárias. Um dom que vinha do nascimento — e que, por lei, não podia ser removido, suprimido ou alterado.
O problema é que quase todos os metamorfos acabavam se perdendo.
Com o tempo, muitos se tornavam criminosos, assassinos, ladrões habilidosos demais pra serem pegos. O mundo já estava cansado de casos assim — mutações que transformavam jovens em monstros. Era como se o poder deles corrompesse pouco a pouco.
Mas, mesmo nesse universo de caos... havia níveis.
E entre todos os metamorfos, os de raposa sempre foram considerados os mais misteriosos.
Eles eram raros. Muito raros. Seus poderes envolviam velocidade, camuflagem, raciocínio elevado e... beleza incomum. Diziam que a Deusa Raposa foi a responsável por espalhar esses dons pelo mundo — uma entidade ancestral, que se apresentou há séculos como uma mulher com olhos de sangue e cabelos brancos como a neve.
Ela era uma raposa branca. A única até hoje.
Ou pelo menos, era o que todos acreditavam.
Até agora.
— Seo Yuna... — murmurei pra mim mesma. — Você é... a segunda?
Fui direto pro meu quarto quando cheguei em casa. Me tranquei lá dentro, sentei no chão, encostada na cama, e abri meu tablet pessoal. Fiz o que qualquer pessoa curiosa faria: pesquisei.
Seo Yuna.
Nada.
Raposa branca + metamorfo.
Poucas coisas. Artigos vagos. Muitos baseados em lendas ou histórias mal contadas. Alguns falavam da Deusa Raposa, claro — uma divindade antiga que teria selado os poderes de equilíbrio entre os humanos e a natureza. Diziam que ela andava entre nós, que escolhia a quem dar seus dons, que punia os orgulhosos.
Mas uma coisa chamou minha atenção:
> "Raposas brancas são extremamente raras. A chance de nascer uma, fora da divindade original, é de 0,000001%. Nenhum registro humano comprovado... até hoje."
E agora, ela estava vindo me proteger.
Engoli seco.
Eu não sabia se era sorte, azar ou uma conspiração bizarra do destino. Mas não era qualquer segurança que meu pai tinha me mandado. Ele me mandou a criatura mais rara — e talvez mais perigosa — que ainda existia.
E como se isso já não fosse o suficiente...
Ela era linda.
— Ok... respira, Emily. — murmurei, encarando meu reflexo no espelho. — Ela só vai ser sua guarda-costas. Nada demais. Você não precisa se impressionar. Nem se perder nesse olhar vermelho hipnótico. Nem...
Eu bati nas próprias bochechas.
— Eu tô ficando louca.
Mas no fundo... eu sabia.
Não era loucura.
Era instinto.
Algo naquela mulher me despertava um tipo de curiosidade que eu nunca tinha sentido antes. Um medo bom, uma tensão no ar, como se o universo estivesse me cutucando e dizendo:
"Presta atenção. Isso... é importante."
E por mais que eu estivesse tentando negar...
Eu mal podia esperar pelo amanhã.
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...Seo Yuna...
O som do relógio pendurado na parede era a única coisa que ecoava pela sala.
Tic. Tac. Tic. Tac.
Minha perna balançava devagar sob a mesa enquanto eu girava a caneta entre os dedos, os olhos presos no tablet desligado à minha frente. A luz fraca que vinha da janela lateral recortava meu rosto, projetando minha silhueta na parede branca.
Meu uniforme estava impecável, como sempre. Jaqueta preta sob medida, calça social mais justa nas pernas, luvas de couro nos bolsos. Meus cabelos curtos brancos estavam presos com um pequeno grampo vermelho do lado esquerdo — presente da Lili, na verdade. Mas, como sempre, o que mais chamava atenção era ela: minha orelha branca de raposa, com as pontas ligeiramente prateadas, bem ali no topo da minha cabeça.
Dava pra ver até de longe.
Suspirei e recostei no encosto da cadeira.
— ...Filha dele, hein... — murmurei baixinho, mais pra mim mesma.
O pedido do Sr. Richard ainda ecoava na minha cabeça. Ele nunca me pedia nada pessoalmente. Nunca.
Ele era meu chefe. O chefe de todos nós. Frio, calculista, estrategista de guerra.
Mas hoje… ele me chamou pra uma conversa a portas fechadas. Olhos duros, mas com algo estranho por trás.
Um tipo de... desespero contido.
> — Quero que você proteja minha filha.
— Emily Bennett.
— Ela está sendo ameaçada. E mesmo com tudo o que sabe fazer, ela não vai admitir que precisa de ajuda.
— Eu quero você, Yuna. Só você.
— Quero ela viva. Quero ela feliz. E quero que ela nunca saiba o que realmente está por trás disso.
Ele não deu detalhes. Nem precisou.
Aquela boneca vudu que chegou pra ela... já era o suficiente.
E o fato de que eu, a chefe da divisão de elite, estava sendo designada pra uma única pessoa? Isso dizia tudo.
Meus pensamentos foram interrompidos quando a porta da minha sala se abriu com tudo, sem cerimônia.
— Óóóóó, a rainha dos ouvidos peludos tá concentrada hoje, hein? — Lili entrou rindo, carregando um copo de café nas mãos.
— Cuidado pra não tropeçar no próprio ego, Lili. — disse Max, entrando logo atrás com sua camisa social aberta no peito e um palito de dente preso nos dentes.
— Ai, cala a boca, Max, você não me dá cinco minutos de paz. — ela respondeu, chutando a canela dele com precisão cirúrgica.
E atrás dos dois, como sempre... vinha Gabi. Com seu uniforme impecável, óculos caindo no nariz, e um bloco de anotações debaixo do braço.
— Vocês dois vão ser demitidos se continuarem invadindo a sala da chefe assim.
— Relaxa, Gabi, ela ama a gente! Né, Yuna? — Lili piscou, jogando o copo de café na minha mesa.
— Vocês são um incômodo. — respondi, erguendo a sobrancelha com um sorriso preguiçoso.
— Mas um incômodo charmoso! — Max riu, puxando uma cadeira e se jogando nela de lado, com os pés na parede.
— E então? — Gabi ajeitou os óculos. — É verdade que o chefão te pediu algo pessoalmente? Tá rolando boato no setor 3 que você vai proteger uma celebridade. Atriz? Modelo? Cantora?
— As três. — respondi, cruzando os braços. — Emily Bennett.
— A Emily Bennett? — os três disseram juntos.
Lili arregalou os olhos.
— Aquela menina dos olhos violetas? A que vive viralizando com vídeo de dancinha e roupa da Chanel?
— A mesma. — murmurei, suspirando. — Ela recebeu uma ameaça. Vudu. Sangue. Transmissão ao vivo. Uma mensagem clara.
Max assoviou.
— Pesado.
Gabi franziu o cenho.
— Isso explica por que o Sr. Richard te escolheu. Ele nunca confiaria isso a ninguém abaixo de Classe-A. E... bom, você é a única Classe-S ativa, né?
— Pior. — Lili deu um sorriso torto. — Ela é uma raposa branca. A única que existe viva além da lenda.
Max se levantou, caminhou até mim e bateu no meu ombro.
— Se você não quiser ir, eu posso me disfarçar de babá e...
— Eu vou. — falei, interrompendo com um tom leve, mas firme.
Os três me encararam.
— Eu vou protegê-la. Foi um pedido direto do chefe... e por algum motivo, essa garota me deixou curiosa. — completei, olhando pela janela.
Eles ficaram em silêncio. Era raro eu me interessar por algo fora das missões. Mas algo naquelas palavras do Sr. Richard... algo naquele nome...
Emily.
Eu já conhecia aquele olhar. O dela. Vi pelo vídeo. Sorriso brilhante, mas... olhos que pareciam pedir ajuda sem dizer nada. A mesma máscara que eu usava todos os dias.
E agora ela era minha responsabilidade.
— Amanhã. 9h da manhã. Mansão Bennett. — murmurei.
Lili sorriu.
— Então é oficial. A raposa branca vai cuidar da princesa pop. Já posso ver as manchetes.
Max levantou a mão.
— Aposto que ela vai odiar você no começo.
— Aposto que vai se apaixonar depois. — Lili rebateu com uma piscada.
Gabi só anotava, impassível.
— Eu só espero que você não quebre ninguém dessa vez.
Me levantei, pegando o tablet e guardando no bolso interno da jaqueta. Olhei pros três, meu sorriso afiado como sempre.
— Quem sabe?
E enquanto os três riam, brigavam, e jogavam coisas uns nos outros...
Eu saí da sala.
Caminhei pelo corredor central da sede, ouvindo o som das botas no piso de mármore.
Não sabia exatamente o que esperar de Emily Bennett.
Mas uma coisa era certa:
Eu sou a segunda raposa branca do mundo.
E não vou deixar ninguém encostar nela.
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Atualizado até capítulo 32
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