No hotel, Fiama voltou para a cozinha, com as mãos ainda cheirando a frutas. A noite já havia caído por completo, e as janelas do salão refletiam a lua cheia que brilhava no céu. O lugar estava silencioso, as vezes dava para ouvir apenas um ou outro hóspede na varanda conversando.
Fiama subiu para o terraço novamente, levando uma xícara de chá de camomila, hábito que herdara de sua mãe para acalmar os pensamentos antes de dormir. Sentou-se em uma das cadeiras de ferro, olhando para o horizonte escuro. A cidadezinha lá embaixo tinha pontos de luz, e ela se- perguntou se o grupo de ciclistas estaria em alguma daquelas ruas iluminadas.
Suspirou. O peito parecia cheio de algo que ela não sabia explicar. Não era apenas curiosidade — havia um tipo de inquietação, uma faísca que lhe incendiava por dentro.
“Será que ele pensou em mim? Ou sequer reparou na minha existência?” — perguntou-se em silêncio, quase se envergonhando do próprio devaneio.
Ela nunca fora do tipo de se perder em pensamentos sobre estranhos, mas havia algo diferente em Mário. A lembrança dos olhos cor de mel fazia seu coração acelerar.
Terminou o chá e voltou para o quarto. A casa estava quieta: David dormia cedo, pois costumava acordar com o sol para verificar as plantações; Daiana, sua mãe, terminava de dobrar roupas no andar de baixo. Fiama se despediu da mãe com um beijo e subiu a escada de madeira, cujos degraus rangiam suavemente, como se conhecessem cada passo seu.
No quarto, uma pequena janela dava vista para o pomar. A lua iluminava as folhas prateadas das árvores, e uma brisa fria entrava pela cortina de renda. Fiama se sentou na cama e passou alguns minutos apenas ouvindo o silêncio.
Deitou-se, mas o sono não vinha. A mente insistia em criar imagens que não existiam. Ela imaginava o grupo chegando da cidade ou entrando em algum restaurante, rindo entre si.
Mas, no.fundo, era Apenas um rosto que voltava e voltava na sua mente o de Mário.
Seus dedos traçaram linhas invisíveis no lençol enquanto se perguntava como seria conversar com ele. Talvez nunca acontecesse. Talvez, no dia seguinte, ele partisse para outra cidade e o encontro não passasse de uma lembrança vaga.
E, ainda assim, ela sentia que aquele olhar acendera algo. Um desejo de conhecer histórias novas, de sair das rotinas que a prendiam entre as paredes do hotel. Queria saber de onde ele vinha,o que gostava de fazer,o que o fazia sorrir.
O cansaço finalmente venceu os devaneios. Fiama fechou os olhos, deixando que os últimos pensamentos se dissolvessem na escuridão do quarto, como se guardasse aquele momento apenas para si. A última imagem antes de adormecer foi a dos olhos, cor de mel, brilhando como o âmbar à luz do entardecer.
O sol já se infiltrava pelas frestas da cortina quando Fiama abriu os olhos, sentindo uma pontada de no peito. Havia dormido mal, mergulhada em sonhos inquietos e pensamentos que não a deixaram descansar por completo. Quando percebeu o horário no velho relógio de cabeceira, o coração disparou. **Estava atrasada.**
Saltou da cama em um impulso, puxando uma roupa qualquer do armário. Nem teve tempo de trançar os cabelos como costumava fazer. Correu escada abaixo, sentindo o cheiro de café fresco, pão quente e bolo de milho que já preenchia o salão do café da manhã.
— Fiama, você demorou hoje — comentou Daiana, com um olhar de leve repreensão, enquanto organizava a mesa de doces. — Os hóspedes já estão quase terminando.
Fiama , rapidamente pegou a bandeira com fatias de pão caseiro para repor na mesa dos hóspedes. — Não sei como deixei o sono me vencer.
Olhou ao redor, esperando encontrar o grupo de amigos que havia chegado no dia anterior. Mas eles não estavam lá. As cadeiras onde imaginava que eles se sentariam já estavam vazias.
— Os hóspedes que guardaram as bicicletas lá em casa já desceram para tomar café? — perguntou, com um certo tom de expectativa, tentando disfarçar o interesse.
Daiana, ocupada com uma jarra de suco, deu de ombros. — Desceram cedo, antes de você acordar. Não ficaram muito tempo. Talvez já tenham saído para explorar as trilhas.
Fiama sentiu uma pontada de frustração. Parte dela esperava vê-lo ali, sentado à mesa, talvez até sorrir para ela com aquele olhar que parecia carregar algo misterioso. Sem querer, imaginara que a manhã teria outro desfecho.
Após o café, Fiama decidiu sair para verificar se o grupo havia deixado as bicicletas. O hotel ficava em uma encosta, cercado por trilhas que levavam aos campos de blueberry e às montanhas mais altas. Normalmente, os hóspedes deixavam os equipamentos ali.
Mas, ao chegar lá, não havia sinal das bicicletas. Nem mesmo uma marca de pneu recente no chão de terra.
“Será que partiram sem avisar?” — pensou, sentindo uma onda de desapontamento.
O resto do dia passou como uma névoa para Fiama. Tentou se distrair com as tarefas do hotel: preparar geleias para a próxima manhã, organizar os quartos, ajudar a mãe na cozinha. Mas, a cada intervalo, seus olhos corriam pela janela, na esperança de avistar o grupo voltando.
— Você está estranha hoje — comentou Daiana, notando o ar distraído da filha enquanto mexia a panela de compota.
— Não é nada, mãe — respondeu, sem encarar diretamente.
Mas, por dentro, havia uma mistura de inquietação e deceção. Não entendia o motivo, mas a presença de Mário na noite anterior parecia ter despertado algo dentro dela, uma curiosidade que não se apagava. E agora, diante da ausência dele, sentia uma ansiedade crescente.
No fim da tarde, Fiama não resistiu. Pegou o casaco e a camionete do hotel, seguindo a estrada que levava ao centro da cidade de Star Blue.
Passou pela praça principal, onde turistas tiravam fotos do coreto iluminado. Perguntou discretamente em uma padaria se tinham visto um grupo de quatro homens, com bicicletas esportivas.
— Acredito que vi sim, mas foi de manhã cedo — disse a tendente. — Eles compraram alguns pães e seguiram estrada acima.
Fiama agradeceu, mas sentiu o desânimo crescer.
O céu começava a ganhar tons alaranjados quando ela voltou para o hotel. O silêncio das trilhas e a ausência das bicicletas pareciam confirmar seu temor.
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Atualizado até capítulo 38
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