Noa acordou com o som insistente de um alarme velho e irritante, daqueles que parecem ter saído de um filme dos anos 80. Espreguiçou-se devagar, como se quisesse atrasar o início de mais um dia comum — ou talvez, sem saber, estivesse tentando resistir ao início de algo que mudaria tudo.
Vivendo com a tia em um pequeno apartamento de dois quartos na periferia da cidade, Noa levava uma vida simples, sem luxo, mas também sem grandes dores — ou assim ele achava. Seus pais adotivos sempre foram corretos com ele, e embora não falassem muito sobre o passado, ele também nunca insistiu. Até agora.
Havia algo no ar naquele dia. Uma inquietação. Uma energia estranha que fazia os pelos do braço se arrepiarem sem motivo. Ao sair de casa, encontrou no correio um envelope sem remetente. Papel amarelado, cheiro de coisa antiga. Dentro, apenas uma foto: um homem de terno, cercado de gente bem vestida, segurando uma taça de vinho. Ao fundo, um brasão dourado. E algo escrito com caligrafia cursiva no verso:
> “Ele não morreu de verdade. A cidade ainda sussurra o nome dele.”
Noa franziu a testa. Não reconhecia ninguém na imagem, mas havia algo naquele rosto... algo nele mesmo. Era como olhar para o espelho em outro tempo.
Na escola, não conseguia se concentrar. O professor falava sobre revoluções, mas a única revolução que importava naquele momento era a que parecia se formar dentro da cabeça de Noa. Quem era aquele homem? O que significava aquela frase?
Mais tarde naquele dia, vasculhou uma caixa de coisas antigas no armário da tia. Entre cadernos e brinquedos velhos, achou algo que fez seu coração disparar: uma carta escondida dentro de um livro. Selada com cera vermelha, o mesmo símbolo do brasão da foto. Tremendo, ele rompeu o lacre.
> “Noa,
Um dia você entenderá tudo. Um dia, a verdade vai te chamar pelo nome. Quando isso acontecer, siga o som do ouro.
I.”
Noa caiu sentado na cama. A letra era firme, elegante. Quem era “I”? Quem teria deixado aquilo ali? E o que significava “seguir o som do ouro”?
O mistério só aumentava — e o nome que ele nunca tinha ouvido antes começou a se formar em seus pensamentos como um sussurro vindo do passado:
Ícaro.
Noa ainda não sabia, mas aquele era o primeiro passo rumo a uma história enterrada. Uma história que falava de poder, mentiras... e sangue.
E ele estava prestes a descobrir que o ouro mais precioso não era o que se escondia em cofres. Era a verdade.
As ruas da cidade estavam mergulhadas em um céu cinzento. A chuva fina caía sem parar, como se lavasse os pecados que a cidade tentava esconder. Noa caminhava rápido, com os pensamentos a mil e o coração apertado pela carta que agora estava dobrada dentro do bolso da jaqueta.
Chegou em casa sem dizer uma palavra. A tia notou, mas não perguntou. Ela já sabia que uma hora ou outra esse dia chegaria.
Noa foi direto para o quarto. Trancou a porta e começou a investigar. Pesquisou o brasão da carta. Nada. Procurou pelo nome “Ícaro” junto de “Valmonts” — foi aí que algo apareceu: uma matéria antiga, datada de mais de uma década, falava sobre uma família influente da cidade que tinha desaparecido misteriosamente após um escândalo político e financeiro. Um dos nomes citados era Ícaro Alencar.
Era isso. “I”.
Mas o que esse homem tinha a ver com ele?
Sentado na frente do espelho, Noa observou o próprio rosto. A linha do queixo. O olhar firme. Pegou novamente a foto antiga e comparou. O mesmo nariz. O mesmo corte nas sobrancelhas.
“Isso não pode ser coincidência”, murmurou.
Abriu de novo a carta. Releu cada palavra. Ficou preso na frase “siga o som do ouro”. Isso podia ser uma metáfora... ou não. Então se lembrou de um velho cofre no fundo do armário do avô adotivo. Nunca tinha conseguido abrir. Nunca achou que tivesse nada importante ali. Mas agora... algo dizia que era a hora.
Forçou a tranca. Tentou senhas óbvias: datas, números. Nada funcionou. Até que, no impulso, digitou o ano que estava na matéria sobre os Valmonts: 2013.
Click.
O cofre se abriu.
Lá dentro, uma caixa de madeira forrada por dentro com veludo preto. Dentro da caixa, um gravador antigo — daqueles com fita. Ao lado, uma fita com a palavra “LEGADO” escrita com caneta vermelha.
O coração de Noa quase saiu pela boca. Ele ligou o gravador. A fita começou a girar... e uma voz soou. Uma voz grave, serena. Familiar de um jeito estranho.
> “Se você está ouvindo isso, então... o sangue falou mais alto.”
A fita estalou e a gravação parou.
Noa ficou ali, paralisado. O que quer que estivesse por vir, já tinha começado.
E ele não tinha mais como voltar atrás.
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Atualizado até capítulo 41
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