[FLASHBACK – Anos atrás]
A mansão Valmont estava em chamas — não de fogo literal, mas de luxo, excessos e segredos prestes a explodir. Lustres de cristal tremeluzindo com a batida grave da música clássica, taças de champanhe voando de mão em mão, risadas forçadas ecoando por entre colunas de mármore. O baile anual da família era um espetáculo para os olhos, mas para Ícaro, naquela noite, tudo parecia encenado.
Ele vestia um terno escuro impecável, com o emblema dourado dos Valmonts bordado na lapela. A cada passo que dava, cumprimentava pessoas que fingia lembrar. Sorrisos ensaiados, elogios genéricos. Nada ali era verdadeiro. Nem mesmo ele.
Ícaro nunca se encaixou totalmente naquele teatro de poder. Era um Valmont, sim — de sangue, de nome, de expectativa — mas no fundo, sempre sentiu que carregava algo que não pertencia àquele mundo. E naquela noite, esse sentimento pesava mais do que nunca.
Ele escapou para o terraço, longe das luzes e das danças. O ar noturno era mais honesto que qualquer palavra dita lá dentro. Encostou-se no parapeito de pedra, olhando a cidade ao fundo, e respirou fundo. Foi aí que ouviu passos.
— Fugindo da própria festa? — perguntou uma voz feminina, calma, com uma leve ironia.
Ícaro virou-se lentamente. E então a viu.
Ela usava um vestido vinho escuro que contrastava com os brilhos extravagantes das outras convidadas. O cabelo preso de maneira sutil, sem joias chamativas. Mas o que mais chamava atenção era o olhar — direto, firme, como se enxergasse algo por dentro dele que ninguém mais conseguia ver.
— E você… quem é? — perguntou ele, franzindo levemente o cenho.
— Alguém que não deveria estar aqui — respondeu, sem hesitar. — Mas que precisava te ver.
— Tem certeza de que veio ao lugar certo?
Ela se aproximou um pouco, mas manteve uma distância segura. Observava Ícaro como se o estudasse.
— Ninguém aqui te conhece de verdade. Eles veem o nome, o sangue, o sobrenome. Mas eu vejo outra coisa. Eu vejo alguém tentando gritar em silêncio.
Ícaro franziu a testa. Pela primeira vez naquela noite, suas defesas pareceram vacilar.
— O que você quer de mim?
— Nada. — Ela sorriu. — Só precisava olhar nos seus olhos uma vez. Saber se o que diziam era verdade.
— E o que diziam?
Ela hesitou, mas respondeu:
— Que você é diferente dos outros Valmonts. Que talvez tenha salvação.
Ícaro riu. Um riso seco, amargo.
— Salvação? Eu nem sei de que lado estou nesse jogo.
Ela então se aproximou mais. Os olhos agora carregavam algo mais suave. Quase um lamento.
— Você vai saber. Um dia. Mas vai custar caro.
— Quem é você? — ele insistiu, agora com a voz mais baixa, quase temerosa.
— Isso não importa agora. Mas um dia… você vai lembrar de mim. — Ela o encarou por mais alguns segundos e virou-se para sair.
— Espera! — Ícaro deu um passo à frente. — Pelo menos me diga seu nome.
Ela parou, mas não se virou.
— Os nomes enganam. Mas o que você sentiu aqui… isso é real.
E desapareceu dentro da mansão.
Ícaro ficou parado, sentindo o peso daquela presença como uma cicatriz invisível. O eco das palavras dela batendo no peito como uma verdade que ele ainda não entendia, mas que sabia que voltaria. Tarde demais, talvez. Ou no tempo certo para alguém que ainda nem havia nascido.
Naquela noite, Ícaro voltou para o salão. Brindou. Dançou. Sorriu. Mas por dentro, algo tinha mudado.
E a história dele jamais seria a mesma.
O vinho estava mais forte. A música, mais lenta. Ícaro dançava, mas sua mente estava presa na varanda. Cada risada ao redor soava distante. E então, como se obedecesse a um impulso que não sabia explicar, ele a viu de novo. Ela, parada no fim do corredor de veludo vermelho, como se estivesse esperando por ele o tempo todo.
Sem uma palavra, ela virou-se e entrou por uma das salas secundárias da mansão. Ícaro seguiu, silencioso, ignorando os olhares que puxavam seu sobrenome com peso. Ali dentro, longe do mundo que fingia controlá-lo, ela o olhou de novo. E ele entendeu. Não era uma mulher qualquer. Era uma escolha.
O beijo foi inevitável. O toque, urgente. As mãos se encontraram com fome, e os dois se afundaram num silêncio que dizia mais do que qualquer discurso político dos Valmonts. Aquela noite foi mais do que desejo — foi um grito abafado contra tudo que o nome Valmont significava.
E pela manhã, ela havia sumido.
Nenhum bilhete. Nenhum nome. Nada. Apenas o cheiro suave do perfume no lençol e a lembrança do que viveram.
Ícaro procurou por dias. Mandou discretos recados para empregados, tentou vasculhar registros, questionou discretamente seguranças e convidados. Nada. Ela desapareceu como fumaça.
Ele guardou aquilo como um segredo íntimo — um momento real em meio a uma vida construída em mentiras. Nunca soube se ela era apenas uma intrusa, uma visionária ou uma armadilha.
Mas ela ficou. Não no mundo... e sim nele.
[ANOS DEPOIS – PRESENTE]
Noa encarava a velha caixa de madeira. Dentro, entre papéis amarelados e objetos de outra era, havia uma foto desbotada da mansão Valmont — e, no verso dela, uma assinatura parcial: “Para Ícaro, com tudo que poderia ter sido. – S.”
Ele franziu o cenho. Nunca tinha visto aquela mulher. Nunca tinha ouvido falar de “S.”
Mas algo naquela letra... naquela frase... parecia pulsar.
— Quem era você, pai? — murmurou Noa, sem saber que a resposta estava mais próxima do que jamais imaginou.
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Atualizado até capítulo 41
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