O sol ainda nem tinha nascido quando Aurora pegou o casaco, prendeu os cabelos ruivos em um coque firme e saiu de casa com o anel no bolso. Não conseguiu dormir nem por um segundo. O nome no papel ecoava como um trovão em sua mente.
Bellucci.
Ela sabia que precisava confrontá-los. Não dava mais pra ignorar o que sentia desde pequena — aquele vazio, aquela sensação de que sua vida era uma mentira cuidadosamente montada.
Pegou o metrô vazio rumo ao bairro onde cresceu. O mesmo caminho que fazia aos 17 anos, quando ainda acreditava que poderia se encaixar naquela família. Ao chegar, ficou parada por alguns minutos em frente à casa térrea, modesta, com as mesmas janelas verdes e o mesmo cheiro de café forte vindo da cozinha.
Bateu na porta com força.
A mulher que atendeu parecia ter envelhecido dez anos em cinco.
— Aurora...? — a voz da mãe adotiva saiu fraca. — O que houve?
Aurora entrou sem pedir permissão. Caminhou direto até a mesa da cozinha, puxou uma cadeira e jogou o anel sobre o tampo de madeira com um estalo.
— Me explica isso. Agora.
O pai adotivo entrou da sala, esfregando os olhos. Ao ver o anel, congelou.
— Onde você conseguiu isso? — perguntou, a voz rouca de espanto.
— Então é verdade — Aurora sussurrou, os olhos ardendo. — Meu nome verdadeiro é Aurora Bellucci?
Silêncio.
O casal se entreolhou, em pânico. A mãe adotiva tentou se aproximar, mas Aurora recuou.
— Não. Sem abraços. Sem mentiras. Fala a verdade pela primeira vez na vida. Quem eu sou?
A mulher sentou-se devagar, as mãos tremendo.
— Você... você apareceu no orfanato com esse anel no pescoço. Estava envolvido em uma corrente dourada. Você tinha três anos. Desidratada. Fraca. Sozinha. A polícia nunca descobriu quem te deixou lá. Diziam que você podia ter sido sequestrada e depois abandonada. Mas o orfanato não quis escândalo. Nós... nós te adotamos.
— Vocês sabiam desse brasão.
— Sim — admitiu o pai. — Procuramos. Pesquisamos. O símbolo pertence a uma família muito perigosa da Itália. Um clã da velha máfia. O nome Bellucci nos assustou. E se eles voltassem pra buscar você?
— E vocês esconderam isso de mim? Por quê?
— Porque te amamos! — gritou a mãe, com lágrimas nos olhos. — Você cresceu com a gente, virou nossa filha! Tínhamos medo... medo de perder você pra eles.
Aurora riu com desprezo.
— Vocês nunca me amaram. Me toleraram. E me encheram de silêncio. Eu não sou de vocês. Nunca fui.
Ela se levantou, pegou o anel e o guardou no bolso de novo.
— Eu vou descobrir a verdade. Toda ela.
— Aurora, por favor... isso pode ser perigoso.
Ela olhou por cima do ombro, já na porta:
— Então talvez eu seja mais perigosa do que vocês pensam.
E saiu.
No fundo, algo queimava no peito. Não era só raiva. Era instinto. Era como se uma fera estivesse despertando dentro dela, faminta por justiça. E sangue.
A cada passo que dava pelas ruas cinzentas de Milão, Aurora não era mais só uma garota perdida.
Era uma Bellucci.
E a máfia... estava no sangue dela.
Aurora saiu da casa dos adotivos com o coração disparado, a cabeça fervendo em um turbilhão de sentimentos. Raiva, confusão, medo — tudo misturado, impossível de separar.
Ela caminhava pelas ruas estreitas de Milão, o anel apertado no bolso como se fosse um amuleto, um desafio. As palavras dos pais adotivos ainda ecoavam, mas nada fazia sentido.
Quem eram aqueles Bellucci?
E por que tinham deixado uma criança sozinha num orfanato?
Ela precisava saber mais.
Na próxima esquina, parou em uma banca de jornais. Pegou um exemplar amarelado de uma edição de anos atrás. Folheou as páginas, procurando qualquer coisa com o nome “Bellucci”. Havia notícias sobre uma guerra interna na máfia, assassinatos, desaparecimentos misteriosos.
No meio da confusão de sangue e poder, havia um nome que se repetia com frequência: Don Vittorio Bellucci, patriarca de uma das famílias mais temidas da Europa.
Aurora sentiu um calafrio.
Ela estava conectada a tudo aquilo.
Enquanto caminhava, sentiu o olhar pesado novamente. Virou-se rápido e viu o mesmo homem do bar, de terno escuro, encostado na sombra de um beco. Ele não falou nada, só observou. Aurora acelerou o passo, mas o homem desapareceu antes que ela pudesse entender se aquilo era real ou paranoia.
Ao chegar em casa, seu telefone vibrou. Uma mensagem anônima:
> “Você está em perigo. Pare de procurar antes que seja tarde demais.”
Aurora sorriu, amarga. A ameaça não a assustava — só aumentava sua vontade de ir fundo.
Ela não sabia, mas aquela mensagem era só o começo.
Nos dias seguintes, Aurora mergulhou em pesquisas solitárias. Passava horas na biblioteca municipal e em arquivos antigos, folheando jornais amarelados pelo tempo e livros com capas gastas. Tudo em busca de algo que a conectasse a essa família que, até então, era só um nome assustador.
Descobriu que os Bellucci não eram apenas uma família comum. Eram uma dinastia marcada por poder, sangue e traição.
Don Vittorio Bellucci, o patriarca que aparecia tantas vezes nos jornais, era conhecido por seu pulso firme e sua sede por controle. Diziam que havia construído um império às custas de inimigos eliminados silenciosamente — homens que desapareciam no silêncio da noite, sem deixar rastros.
Aurora leu também sobre os filhos de Don Vittorio — herdeiros que se mostravam tão perigosos quanto o pai, mas que viviam numa constante luta entre si, divididos por ciúmes e ambição.
Uma notícia em particular chamou sua atenção: uma criança desaparecida, raptada em Milão no mesmo ano em que ela fora deixada no orfanato. Nunca encontrada.
O sangue gelou nas veias de Aurora. Era ela, sabia. Aquela criança raptada, a herdeira perdida.
Naquele momento, cada peça começava a encaixar.
Mas quanto mais ela descobria, mais se dava conta de que essa verdade poderia destruí-la — ou talvez torná-la mais forte do que jamais imaginou.
Naquela mesma noite, enquanto estudava documentos antigos em seu apartamento, a luz piscou por um instante. O ar ficou pesado. Ela sentiu que não estava sozinha. Uma mensagem apareceu no seu celular:
> “Pare antes que seja tarde demais, Aurora.”
Ela olhou ao redor, mas não viu nada além da sombra dos móveis. Seu coração acelerou, mas seu olhar nunca vacilou.
Aurora sabia que estava entrando num jogo muito perigoso — e que o passado dos Bellucci não perdoava quem se aproximava demais.
Mas também sabia que não podia mais voltar atrás.
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Atualizado até capítulo 31
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