Bianca serviu-se de uma dose generosa de vinho tinto e, pela primeira vez em muito tempo, sentou-se com calma à cabeceira da mesa de jantar da mansão Belmont. O lugar estava vazio, como sempre. Mas naquela noite, o vazio tinha gosto de possibilidade.
Ela pegou o celular e discou o número de Esther Belmont, a matriarca — e uma das poucas pessoas naquele mundo que não ousavam interrompê-la.
— Bianca? — a voz do outro lado atendeu após dois toques, fria e precisa como um bisturi. — Já são quase dez da noite.
— E eu achei que você não dormia antes da meia-noite.
Esther suspirou.
— Algum problema com Rafael?
Bianca girou lentamente a taça entre os dedos.
— Na verdade, sim. Ele sofreu um acidente hoje. Bateu o carro sozinho. Foi algo sério, mas está estável.
— Meu Deus — a voz de Esther oscilou, surpresa. — Onde ele está?
— No Saint James, quarto 403. Mas não é só isso. Ele perdeu a memória dos últimos quatro anos.
Silêncio.
— O que quer dizer com isso?
— Quero dizer que seu filho acordou achando que ainda está solteiro, livre e descompromissado. E pior — ele não lembra de mim. Nem do nosso casamento. Nem da empresa. Nem da sua última tentativa de interná-lo em um retiro espiritual na Suíça.
Outro silêncio. Mais longo.
— E como ele está? — agora era a voz de Alfredo Belmont, que havia pegado o telefone no viva-voz.
— Confuso. E aberto a histórias.
Ela deixou o peso da frase pairar no ar. Depois completou, com a precisão de quem redige cláusulas:
— Contei a ele que a empresa faliu. Que vocês o abandonaram após anos de rebeldia. Que ele trabalhava como meu motorista quando nos conhecemos. E que, por compaixão, acabei me casando com ele.
— Você está... brincando — murmurou Alfredo, entre chocado e fascinado.
— Estou dando a ele a chance de ser alguém diferente, Alfredo. Pela primeira vez. Não acha justo?
Esther retomou o controle da conversa.
— Bianca, você tem ideia do risco que está correndo?
— Vocês o conhecem. Sabem o tipo de homem que ele era. Tóxico. Desrespeitoso. Entregue à própria vaidade. Eu fiz o que vocês pediram: segurei a imagem da família Belmont enquanto ele destruía a credibilidade da marca. Fui esposa exemplar para um marido ausente. E agora, por um capricho do destino, tenho em mãos uma oportunidade rara.
— Você quer... reprogramá-lo? — Esther perguntou, com frieza clínica.
— Quero reformular a verdade. Um pequeno teatro. Só por um tempo. Se ele voltar a ser quem era, eu desfaço tudo. Mas se não... bem, talvez ele se torne um homem digno da posição que ocupa. Digno do nome que carrega.
Alfredo pigarreou.
— Você sempre foi ambiciosa, Bianca. Mas também sempre foi sensata.
— E vocês sempre quiseram um herdeiro funcional. Agora têm uma chance. Ele me ouve. Me respeita. Ele acredita que depende de mim. Pela primeira vez, ele me olha como se... como se eu fosse alguém que importa.
Esther suspirou. Longo. Profundo.
— Muito bem. Se essa for a história que ele vai ouvir... que ouça de todos. Vamos manter a farsa.
— Ajudarão com detalhes? O afastamento da empresa, a falência, o desprezo familiar?
— Deixaremos o nome Belmont adormecido, por ora — disse Alfredo. — Mas cuidado, Bianca. Com grandes encenações, vêm grandes consequências.
Bianca sorriu, mesmo que ninguém pudesse ver.
— Eu sou advogada de divórcios, Alfredo. Sei exatamente o que as mentiras custam. Mas também sei o que elas compram.
Quando desligou, o celular ainda vibrava com o peso do acordo.
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Atualizado até capítulo 51
Comments
Jane Silva
caramba, pelo jeito não valia nada
2025-08-12
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