PRÓLOGO
O ronco do motor era a única coisa capaz de silenciar a porra da minha cabeça.
Enquanto a cidade dormia sob um manto sujo de neon e decadência, eu corria. Sem rumo. Sem paz. Sem freio.
Cortar a madrugada com um carro envenenado era como gritar sem abrir a boca. E eu gritava. Sempre. Toda maldita noite.
As ruas molhadas refletiam as luzes vermelhas da Zona Leste — onde o asfalto era tão podre quanto as almas que rastejavam por ali. Eu conhecia cada buraco, cada atalho, cada esquina onde a morte espreitava vestida de adrenalina e farra.
Era meu território.
Minha selva.
Minha prisão.
Acelerando por entre becos e pontes rachadas, eu me sentia vivo. E isso era um problema.
Porque, tecnicamente, eu já estava morto há muito tempo.
Meu nome é Kael.
E essa história não tem heróis.
Só sobreviventes.
Tudo começou antes dela. Antes daquele olhar.
Antes do caos de seus olhos e da porra do gosto que ficou na minha boca desde o primeiro beijo.
Mas, se eu fosse honesto — e raramente sou —, teria que admitir que ela só acendeu o pavio que já ardia dentro de mim.
Ela não me quebrou.
Só fez questão de me mostrar o quanto eu já estava em ruínas.
Era uma sexta-feira maldita quando nossos mundos colidiram.
O tipo de noite que começa com sangue e termina em desejo — ou o contrário, nunca sei dizer.
Havia cheiro de gasolina no ar. Som metálico de portas de ferro batendo, sirenes distantes, garrafas quebradas. A selva viva respirando.
No submundo das corridas ilegais, as pessoas apostavam tudo. Dinheiro, carros, respeito. Às vezes, até a alma.
Mas eu... eu apostava apenas porque perder já era parte de mim.
Eu não corria para vencer.
Corria para bater.
E então ela apareceu.
Cabelo preso com raiva, olhos que diziam “não me toque” e uma postura de quem desafiava o próprio diabo.
A primeira vez que ela cruzou a pista, meu mundo saiu do eixo. E não por causa da beleza — embora fosse linda de um jeito agressivo —, mas pela forma como me ignorou.
Como se eu não fosse nada.
E aquilo... foi tudo.
“Você tem cara de problema”, ela disse, num sussurro que me atravessou como uma navalha.
“E você tem cara de solução errada”, eu respondi, antes mesmo de pensar.
Ela sorriu com desprezo. E eu soube que estava fodido.
Ela tinha um nome que queimava na boca.
E uma história que ninguém contava em voz alta.
Dizem que perdeu a mãe para um traficante. Que fugiu de casa aos 15. Que batia em homem como quem respira.
Dizem que fez coisa pior.
Mas eu nunca acreditei em boatos.
Eu preferia ver com os próprios olhos.
E eu vi.
Tudo.
O pior e o melhor.
A dor crua e o prazer maldito.
A mulher e o monstro.
Com ela, eu fui ao inferno — e quase gostei.
Você quer saber o que é Velocidade Sombria?
Não é só sobre rachas em ruas sem lei.
Não é sobre adrenalina ou carros turbinados.
É sobre correr mesmo quando não se tem mais para onde ir.
É sobre ser empurrado até o limite.
Sobre querer alguém tão profundamente que isso vira vício.
Sobre ver sua alma refletida em outra quebrada, e ainda assim querer tocá-la, mesmo que isso signifique destruir os dois.
Esse livro é sobre nós dois.
E tudo que deixamos pelo caminho.
O sangue, os segredos, os cigarros mal apagados, os gritos abafados nos motéis baratos, os olhos vermelhos depois de noites sem dormir, as marcas que ficaram — na pele e no coração.
Você vai me odiar, eu sei.
Vai dizer que sou o tipo de homem que deve ser evitado.
Que a relação era doentia. Que eu a arrastei para o abismo.
Mas você só vai saber metade da história.
E vai descobrir que, às vezes, o abismo te chama pelo nome.
Este não é um conto de fadas.
É uma confissão.
A primeira de muitas.
Eu sou Kael.
E esta é a nossa história.
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Atualizado até capítulo 38
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