Filha,
Tem gente que acha que o que mata é o caos.
O inesperado. O susto.
Mas às vezes… o que mais machuca é a rotina.
A mesma sequência de passos.
O mesmo choro.
O mesmo silêncio.
O mesmo peso.
Acordar, amamentar, trocar fralda, balançar, fazer arrotar, tentar dormir.
E tudo de novo.
De novo.
De novo.
Até eu esquecer que dia é hoje.
Até eu esquecer se comi.
Até eu me perder de mim.
Hoje, no fim da tarde, sentei na varanda com você dormindo no colo e o céu começando a escurecer.
Vovó Domingas lavava roupa.
Vovô Josimar limpava o quintal.
José Eduardo lia um livro encostado na parede.
E eu ali… tentando não chorar só porque era terça-feira.
Só porque tudo se repetia.
Mas você respirava no meu peito.
E isso me lembrava que, por mais que os dias pareçam iguais…
Você não é igual a ontem.
Nem eu.
Cada vez que seus olhos me encontram, alguma coisa muda.
A rotina me machuca.
Mas seu amor me costura.
Diário – Capítulo 17
"Todo mundo dorme. Menos eu."
É de madrugada.
Todo mundo na casa dorme.
Você também, graças a Deus.
E eu… não.
O cansaço me cola na cama, mas a mente não desliga.
Fico imaginando se amanhã vai ser igual.
Se vou aguentar.
Se um dia vou olhar pra trás e me perdoar por ter duvidado de mim.
Ouço a respiração da vovó no quarto ao lado.
O ronco leve do vovô.
Os passos pesados de José Eduardo quando levanta pra beber água.
Eles ajudam.
Muito.
Mas nenhum deles entende o que é carregar um amor tão frágil nos braços com medo de errar o tempo todo.
Só quem é mãe entende.
Só quem passou noites em claro por amor puro, entende.
Eu olho você dormir e tento imaginar seu futuro.
Quero te ver forte.
Com autoestima.
Com coragem.
Quero que você se ame tanto, filha, que nenhum homem consiga te fazer sentir pequena.
Nem ausente.
Nem descartável.
Como seu pai me fez.
E por isso eu continuo.
Mesmo sem dormir.
Mesmo sem paz.
Porque você merece o melhor de mim — até quando eu não tenho.
Diário – Capítulo 18
"Sou muitas em uma só."
Filha,
Hoje me peguei pensando em quantas mulheres vivem dentro de mim.
Sou a menina assustada que chorou quando descobriu que estava grávida.
Sou a adolescente julgada por todos, como se minha barriga fosse uma sentença.
Sou a mulher que aprende na marra a cuidar de outro ser humano.
Sou a mãe que ama você com uma força que não tem nome.
E ainda sou a filha.
A filha que, às vezes, só queria deitar no colo da própria mãe e pedir socorro.
A vovó Domingas me diz que sou valente.
Mas eu sei que coragem não é não ter medo.
Coragem é continuar mesmo com o medo gritando dentro da gente.
Hoje, quando trocava sua fralda, me olhei no espelho do guarda-roupa e me vi.
Olhos fundos, cabelo preso de qualquer jeito, camiseta manchada de leite.
E mesmo assim…
Senti orgulho.
Orgulho de não ter fugido.
De ter ficado.
De estar aqui.
Com você.
Por você.
Sou muitas.
E todas essas que me habitam estão criando você.
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Atualizado até capítulo 23
Comments
Vera Lúcia Vieira
não é fácil não mais cada dia é mais uma história com você e ela assim que olhar pra ela você vai ver que ela está maior mais esperta mais bonita cada dia e você vai se sentir muito mais Muito orgulhosa de você por poder estar ali vivendo cada etapa e aprendendo com ela todo dia algo novo
2025-07-26
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