Era de manhã. Rowan despertava com relutância, ainda afundado nos lençóis da cama. Havia chegado do clube às três da madrugada. A mão, sonolenta e pesada, tateava entre os travesseiros até encontrar o celular, escondido debaixo do maior. Com um gesto automático, o destravou pela digital, revelando os dígitos brancos na tela: 8h50.
Ele teria que abrir a loja ao meio-dia.
— Droga de despertador! — exclamou com frustração, vendo que o alarme não havia tocado no horário.
Com esforço, se levantou e calçou os chinelos. Os cabelos desgrenhados caíam sobre o rosto, ainda borrado com restos de maquiagem mal lavada. Enfiou o celular no bolso da calça de moletom e arrastou-se até o banheiro para escovar os dentes.
O banho morno ajudou pouco. Enquanto se secava, ouviu a campainha tocar. Ainda letárgico, se enrolou na toalha e foi até a porta. Pelo olho mágico, viu Yunna, com duas sacolas em mãos. Aquilo só podia significar café da manhã.
Abriu a porta discretamente, deixando apenas o necessário à mostra, e permitiu que ela entrasse.
— Como você está? Trouxe café forte e dois sandubas enormes. — Yunna entrou com familiaridade, sentando-se na cadeira perto do balcão da cozinha.
Rowan apenas riu, sem responder, e voltou para o quarto. Estava acostumado com aquela intromissão. Yunna era a única pessoa capaz de fazê-lo pausar.
Vestiu-se com uma calça de alfaiataria marrom, de corte largo, e uma blusa creme com o logo discreto sobre o ombro. Caminhou até a cozinha, pegou o café ao lado dela e murmurou:
— Bom dia.
Ligou a TV e deixou o volume baixo, preenchendo o ambiente com um ruído reconfortante.
— Como foi a noite, dançarino? — perguntou Yunna, já desembrulhando um pão de chocolate.
— Como todas as outras. Mas pelo menos recebi uma boa quantia. — Ele mordeu o pão com gosto. — Um alfa rico quis uma dança particular e deixou uma gorjeta gorda.
— Então? Como ele era?
— Não deu pra ver. O cara usava uma máscara.
Na televisão, o noticiário repetia uma manchete perturbadora:
"Na noite de hoje, dois betas, ainda não identificados, foram confrontados após um ômega informar que ambos tentaram o agarrar. Como demonstraram comportamento agressivo e carregavam objetos suspeitos na cintura, a polícia local abriu fogo."
O repórter dava lugar ao jovem Min-suk, de 20 anos, que relatava com voz trêmula:
"Eles chegaram com roupas escuras, rostos cobertos. Queria me mandar fazer coisas, eles foram horripilantes. Se não fosse o policial Zhang..."
Rowan mudou de canal assim que escutou o nome do policial e pousou o controle ao lado. Revirou os olhos, depois encarou Yunna com um sorriso sincero.
— E você, como está? Falta menos de um mês pro seu primeiro cio, demorou, hein?
— Eu sei. Tô bem. Ansiosa, mas bem... — Sua fala era firme, não vulnerável. — Acho que, por morar aqui e não viver cercada de predadores alfas, eu me sinto mais confortável.
— Mesmo assim é perigoso. Betas ainda sentem o cio dos ômegas. Isso atrai louco.
Eles passaram o resto da manhã entre cafés, risos e especulações sobre o futuro — como se o mundo lá fora não existisse.
Na loja, já aberta, Rowan mantinha sua postura habitual: gentil até com o pior dos clientes. Seu sorriso nunca parecia forçado. Não apenas por obrigação — era uma forma de manter a distância segura.
— Senhor Calder? — Um ômega entrou com o nariz empinado e sorriso torto. Rowan já conhecia aquele tipo: educação fingida, mas necessária para uma transação.
— Boa tarde, senhor. Em que posso ajudar?
Saiu de trás do balcão com um frasco que testava. O ômega franziu o rosto, surpreso.
— Que cheiro... é esse? Você não é um beta? Está exalando algo mais... alfa. E com o seu tamanho...
— Uma das minhas novas essências, senhor. — Balançou o frasco — Faço algumas pra alfas que querem se destacar.
O ômega relaxou e deu uma risada baixa, como se fingisse entender o que falava. Rowan se perguntou o que aquele homem realmente pensava.
— Veio buscar algo específico?
— Sim. Uma amiga te recomendou para mim. Queria uma essência personalizada. — Entregou um papel. — Aqui estão os aromas em questão. Quero algo pra... conquistar um alfa. Que agrade o gosto dele, mas ainda seja delicado.
Rowan pega o pequeno bilhete, mas antes que pudesse comentar, a porta se abriu de novo. Um alfa alto entrou, limpando as mãos com uma toalha encharcada de algo escuro — sangue, talvez?
A aura dele era esmagadora.
O ômega travou. Rowan sentiu aquela presença quase como um soco no estômago. O ar parecia ficar mais denso.
— Senhor Vel’Kaun? — murmurou o ômega, com uma reverência nervosa.
— Ginger. — A resposta veio seca, cortante. Um aviso disfarçado de saudação.
— Posso ajudá-lo? — Rowan manteve o tom calmo. Sentia quando um alfa marcava território. Só não sabia o motivo para tal ação em uma loja, ainda.
Vel’Kaun se aproximou sem pressa. Seus olhos cinzentos, impassíveis, o observavam com desprezo claro.
Rowan observou a cicatriz cortando a bochecha. Aquilo parecia extremamente parecido com a noite anterior, mas com tantos alfas em brigas, não seria incomum.
Colocou o pano em seu bolso interno do paletó. Entregou um papel, virou-se e saiu, sem trocar uma palavra a mais.
No papel: ingredientes precisos, instruções rigorosas e, ao final, em letras garrafais: “NÃO ATRASE.”
— Ele é um sonho... — suspirou Ginger, tentando recuperar o fôlego. — Me surpreende ele aqui. Ele odeia... vocês.
O “vocês” soou como um tapa. Rowan apenas assentiu, voltando ao seu posto.
Quando Ginger saiu, ainda deslumbrado, Rowan permaneceu sozinho por alguns minutos. Caminhou até o fundo da loja, onde guardava seus extratos, óleos e ingredientes raros. Tocou a bancada de madeira escura com os dedos e respirou fundo. Havia uma leve nota de sândalo e tangerina no ar, resultado das últimas misturas que fizera.
Tudo ali era cuidadosamente arranjado, mas ele gostava de mudar os ambientes conforme seus próprios ciclos internos e conforme as essências que misturava — uma mania que Yunna dizia combinar com o jeito inquieto que ele disfarçava sob a fala calma.
A mente, no entanto, ainda estava presa no nome escrito no bilhete. Aquela letra firme. A presença sufocante. E o sangue no pano em sua mão.
Kael Vel’Kaun não parecia alguém que visitaria a loja de um beta — e, no entanto, ele estivera ali.
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Atualizado até capítulo 27
Comments
T3rr0r1st
Adorei! ❤️
2025-07-22
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