Blackmoor nunca dormia. As luzes dos estabelecimentos locais se acendiam gradualmente, uma a uma, enquanto passos apressados desapareciam pelas vielas úmidas da cidade decadente.
Rowan fechava a loja com um estalo seco da porta, seguido pelo som metálico do molho de chaves ecoando pela rua agora quase vazia. Sua mão marcava o vidro frio com digitais quentes enquanto girava a chave na porta desajeitada pela última vez naquela noite.
O cheiro de essência ainda pairava no ar — amadeirado, adocicado, misturado ao leve toque cítrico da nova composição que testara naquela tarde, quando não aparecia cliente. Era seu consolo.
Yunna, sua melhor amiga, o acompanhava carregando uma caixa com pequenos frascos contendo misturas variadas. Frascos de vidro grosso, tampas bem vedadas, rótulos escritos à mão com todo o cuidado de quem ainda acreditava em beleza, apesar do mundo sujo e decadente que vivia.
— Não entendo por que levá-las. Você nunca tem tempo. — Ela jogou o cabelo trançado para o lado enquanto olhava para cima, observando o letreiro neon vermelho e cinza que, em vez de iluminar, quase queimava as retinas antes de se apagar por completo.
— Eu sei, mas sinto que ficam mais seguras em casa. — Ele pausou por um momento, girando o molho de chaves entre os dedos. Ambos começaram a caminhar. Ele carregava algumas sacolas pesadas, contendo essências novas, enquanto Yunna levava apenas a caixa com os frascos. — Estou indo para o clube hoje.
— Por que você ainda faz isso? Sua loja é famosa…
— É. — Ele respondeu com um sorriso gentil, quase resignado. — Mas fama não enche o estômago, Yu. A loja não lucra o suficiente pra sustentar as coisas… nem pra manter a loja aberta por muito tempo. Infelizmente.
Os olhos escarlates dele se voltaram para os olhos esmeraldas em um olhar silencioso de consolo — uma trégua num campo de batalha diário.
— Não se preocupe. Eu não corro perigo. Eu sempre volto pra vocês, não é?
Yunna não respondeu. Sabia que não adiantava argumentar. Não naquela noite. Caminharam em silêncio, cada um afundado em seus próprios pensamentos. Quando chegaram à esquina, Rowan sorriu e acenou com a cabeça antes de desaparecer nas sombras da rua lateral.
O caminho até o clube era sempre o mesmo. E, à noite, parecia ainda mais sufocante. Cada quarteirão virado parecia pesar sobre o corpo, e até o ar queimava como se carregasse fuligem invisível.
A chegada foi silenciosa.
Mostrou a identificação. Entrou. Passou por corredores apertados, paredes pintadas com tons escuros, o cheiro de desejo com uma pequena pitada de suor impregnando o ambiente.
No camarim, sentou-se sozinho. O espelho estava levemente embaçado, mas ainda assim refletia cansaço. Tudo parecia... vazio. Até mesmo os olhares dos outros betas no local. Vazios. Ocupados apenas pelo cansaço e pela desesperança que os assolava.
Alguns só conseguiam dinheiro suficiente se topassem se arriscar de ir até o fim com algum alfa. Rowan teve sorte — ou força — o bastante para juntar o suficiente e abrir sua loja sem precisar desta opção. Mas nem sempre era o bastante. Ainda não era o bastante.
As luzes começaram a mudar de cor, os tons ficando mais baixos, diversos, envolventes. Era o sinal do início da noite.
Rowan já estava pronto. A maquiagem ao redor dos olhos era leve quase imperceptível, apenas o suficiente para esconder os traços de exaustão de um longo dia. Seus cabelos, soltos sobre os ombros, ondulavam de forma natural, captando a luz com o tom avermelhado que lhe dava o apelido do clube.
Vermelho. Sangue. Fogo. Ele era tudo isso quando entrava no palco e até muito mais que isso.
— Carmesim! — A voz firme de Lyandra ecoou pelo camarim. Seus olhos buscaram e encontraram o alvo. — Sua vez no palco, grandão. Faça eles pirarem.
Rowan respirou fundo. O personagem estava pronto.
Carmesim subiu ao palco com passos marcados, envoltos em silhuetas de luz vermelha. Sua roupa era justa, pensada para valorizar os músculos com discrição. Um tipo de fantasia — a de “marido de aluguel” — montada especialmente para permitir liberdade de movimentos e provocar sem jamais prometer demais.
As primeiras notas de "6 Inch" – Beyoncé (feat. The Weeknd) começaram a tocar, vibrando sob o piso. O salão silenciou, como se prendesse a respiração.
— Com vocês, o meu, o seu, o nosso… Carmesim!
Nenhum grito. Nenhum aplauso.
Apenas olhos.
Olhos duros, predatórios. Como se estivessem em um leilão silencioso, analisando, calculando, disputando o que era oferecido ali em carne viva.
Carmesim sabia disso.
Por isso, cada movimento seu era lento, calculado. Seu corpo se movia como fumaça em ambiente fechado — perigosa, irresistível. Ele brincava com a barra da sua regata, puxando-a levemente, revelando o abdômen marcado com suor e luz.
Girava no palco com elegância, braços erguendo-se até formar linhas fortes e fluidas. A luz vermelha cortava sua figura como uma navalha, criando uma aura entre o divino e o lascivo.
E ele nunca sorria.
Carmesim não precisava sorrir. O seu olhar, entre o desdém e o desafio, falava tudo o que os outros desejavam ouvir — e até muito mais.
A dança se aproximava do fim. Ele parou no centro do palco, a luz vermelha intensa atrás de si. Silhueta firme. Provocante.
Deslizou as mãos pelo próprio corpo, do pescoço ao peito, num gesto sutil e perigoso. Um aviso. Um alerta.
Carmesim não era de ninguém ali. Mas, se quisesse, poderia ser de todos.
A música alcançou o seu fim. E ele permaneceu imóvel por mais alguns segundos. Seu peitoral subia e descia pelos movimentos fluidos feitos. Os olhos ainda fixos em todos os alfas daquele local, devolvendo cada olhar calculado com frieza estudada. De um jeito sexual, que atiçava ainda mais os alfas.
Então, apenas então, deixou escapar um meio sorriso de canto. Uma sombra de expressão alémda frieza. Um fantasma.
E desceu do palco como quem sabe que já ganhou muitos olhares naquela noite — sem precisar se entregar por completo.
A sua apresentação havia terminado. Ele havia conseguido exatamente o que buscou.
A grande caçada, para aqueles predadores... Estava só começando.
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Atualizado até capítulo 27
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Carla Santos
hum
2025-08-18
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