O Sacrilégio
O convento tem cheiro de passado. Um passado que não é meu, mas que me cerca a cada passo. Como se as paredes murmurassem histórias que ninguém teve coragem de contar. Eu sou só mais uma mentira escondida aqui dentro, tentando parecer parte desse cenário de fé e silêncio.
Mas mesmo o silêncio grita, quando se presta atenção.
Comecei a observar tudo. E todos.
Não demorou para perceber que cada alma neste lugar carrega sua própria oração — ou seu próprio segredo.
Madre Teresa, a superiora, é a primeira.
Uma mulher com mais de sessenta anos, estatura pequena e olhos como navalhas. Anda sempre com um terço entre os dedos e um crucifixo pendurado no peito como armadura. Não fala muito. Mas quando fala, o mundo escuta.
Há algo de severo nela, mas também... compaixão. Uma compaixão que parece ter sido forçada a existir depois de muita dor.
Ela não acredita totalmente em mim. E eu sei disso.
Mas me aceitou aqui dentro.
Talvez por piedade.
Talvez por vigilância.
Na ala jovem do convento, conheci Isabela Ruiz.
Sim, Ruiz. O mesmo sobrenome que o meu.
— Coincidência — ela disse, sorrindo como uma criança que ainda acredita que o mundo é bom.
Tem só 21 anos, olhos verdes, sorriso doce. Ingênua, delicada… mas observadora. Não é tola. Só se protege na doçura.
Fala baixo, mas pensa alto.
E sinto que está mais atenta a mim do que demonstra.
Ela ainda não entendeu quem sou.
Mas logo vai entender.
Luciana Duarte é outra história.
Não usa hábito. Está sempre no convento, mas parece nunca fazer parte dele.
É voluntária, dizem.
Ajuda nas aulas, nos registros, nos projetos sociais.
Mas há um amargor no seu olhar. Uma rigidez contida no jeito que ajeita os cabelos loiros e fala como se estivesse sempre ensaiando uma despedida.
Ela observa Padre Tomás de longe.
Com saudade.
Com raiva.
Com algo entre os dois.
E então há ele.
Padre Tomás Aguilar.
Alto. Postura impecável. Voz firme.
Não tem olhar de padre.
Tem olhar de homem.
E isso me assusta.
Não trocamos palavras ainda, mas o vejo de longe. E sei que ele também me vê.
Com cautela. Com curiosidade.
Carrega fé nos ombros e uma sombra nos olhos.
Como se lutasse contra o que sente.
Mesmo sem ter dito uma única palavra para mim, sei que sua presença não será indiferente.
Na paróquia, ao lado do convento, vive Padre Ernesto.
Velho. Duro. Inflexível.
Olhos pequenos que parecem farejar pecado.
Quando me cumprimentou pela primeira vez, senti o peso de um julgamento não dito.
É o tipo de homem que acredita que a fé precisa do medo para funcionar.
Com ele, tudo é regra.
Tudo é castigo.
E ainda assim… todos aqui parecem obedecer.
Entre as freiras e funcionários, há Camilo.
Ele cuida do almoxarifado, da horta, do que ninguém quer cuidar.
Mas há algo nele que não combina com a simplicidade da função.
Moreno, tatuagens discretas escondidas sob as mangas, olhos de quem já viu demais.
Ele me cumprimentou como se soubesse.
Como se já tivesse visto mulheres fugindo de algo — ou de alguém.
Não fala muito. Mas quando fala, cada palavra pesa.
Nas orações do fim da tarde, conheci Esteban.
Jovem seminarista. Olhos claros, rosto suave.
Gentil demais.
Educado demais.
Devoto demais.
Há algo de puro nele, mas também de contido.
Como se estivesse sempre tentando provar que é santo — até para si mesmo.
E ele admira demais o Padre Tomás.
Admira… ou deseja?
Ainda não sei.
E então há Sofía.
Ela não vive no convento, mas aparece todas as semanas.
Psicóloga. Alta, elegante, negra, dona de um sorriso calmo e uma voz que acolhe até o que não se quer confessar.
Faz parte de um projeto social com mulheres em situação de violência.
Me olhou uma única vez.
E pareceu enxergar tudo.
Ela vê além.
É o tipo de pessoa que não pergunta, mas sabe.
E por último… há ele.
Julián Montenegro.
O homem de quem fugi.
A sombra que paira mesmo à distância.
A voz que ecoa nas minhas noites.
Bonito, inteligente, manipulador.
A pior espécie de predador: aquele que usa o amor como isca.
Ele ainda está lá fora. Procurando por mim.
E eu sei que ele não vai parar.
Nunca para.
O convento é grande. Mas os olhos aqui dentro são maiores.
E todos eles… estão começando a me enxergar.
Mas eu aprendi a disfarçar.
A usar o silêncio como escudo.
A esconder minha história por trás de uma cruz no pescoço.
Só não sei…
Por quanto tempo mais conseguirei mentir.
Valentina
Padre Tomáz
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Atualizado até capítulo 38
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