05

Aquilo que não posso olhar

Maitê

Domingo sempre teve cheiro de sabão em pó e piso molhado.

Era o único dia em que a mansão ficava mais silenciosa, sem reuniões, sem movimentação de capos, sem olhares pressionando pelas laterais.

Aproveitávamos esse respiro para limpar tudo com mais calma. E por “nós”, entenda minha mãe e eu. Desde que me entendo por gente, ajudo nos serviços da casa — mesmo que, agora, teoricamente, eu estivesse trabalhando nos arquivos do Don.

Mas hoje era domingo. E minha mãe precisava de mim.

— Vai varrendo os corredores de cima. Depois confere os quartos que não estão trancados. Alguns precisam de troca de lençol, — ela pediu, com a voz cansada, amarrando o lenço no cabelo.

Subi com o balde e os panos nas mãos, descalça, como sempre. A mansão era grande demais para lembrar exatamente qual quarto pertencia a quem, especialmente com tanta coisa mudando desde a volta de Hendrick.

O cheiro de madeira encerada e perfume masculino impregnava os corredores. Cada porta fechada parecia esconder segredos e fantasmas antigos.

Quando empurrei uma das maçanetas, ela cedeu. A porta abriu devagar, sem ranger.

Entrei com o pano dobrado no braço, pronta para fazer o básico.

— Só vou tirar o pó… — murmurei para mim mesma.

Foi quando ouvi o barulho da água pingando. E então ele apareceu.

Hendrick.

Saindo do banheiro com a toalha baixa nos quadris, o corpo ainda molhado, o cabelo escuro pingando sobre a testa. As tatuagens nos braços e peito reluziam como sombras vivas. Os músculos do abdômen contraíam a cada passo. A toalha... absurdamente provocante.

— O que está fazendo aqui? — a voz dele soou grave, confusa, mas calma. Dominante como sempre.

— Eu… eu achei que esse quarto… — gaguejei, sentindo o rosto queimar. — Eu não sabia que você… Desculpa!

Virei o rosto, os olhos fixos no chão. Mas a imagem já estava gravada na minha mente. Cada gota de água escorrendo pelo peito. Cada linha da tatuagem. Cada centímetro da pele dele.

Senti meu coração bater na garganta.

— Não sabia que gostava de limpar quartos ocupados. — Ele se aproximou. A voz mais baixa. Irônica. Quase divertida.

— Eu não… não foi de propósito. Estou ajudando minha mãe. Domingo a gente limpa tudo. Eu não—

Ele parou a poucos centímetros.

Senti o calor do corpo dele mesmo sem olhar.

— Está vermelha. — murmurou. — Isso é vergonha ou curiosidade?

Fechei os olhos com força. Respirei fundo.

— Me deixa sair, por favor.

Silêncio.

— Você sempre foi assim? — ele perguntou, e havia algo de mais grave por trás do tom. — Tão… sensível ao que não pode tocar?

— Você está só de toalha, Hendrick. Não é apropriado. — abri os olhos e, enfim, olhei para ele. Mas só até a linha dos ombros.

Ele sorriu. Devagar. Cruel.

— A questão é: não é apropriado pra quem?

Engoli em seco.

— Pra mim.

Os olhos dele estreitaram. Pela primeira vez, vi uma fagulha diferente.

Desejo? Curiosidade? Instinto de caça?

— Então vai. — ele disse, dando um passo para o lado. — A porta está aberta, Maitê. Mas saiba que... se entrar de novo sem bater… posso não ser tão compreensivo.

Passei por ele sem olhar. O coração disparado. As pernas bambas.

Mas a mente… a mente ainda estava presa no corpo dele.

No peito.

Na tatuagem.

No perigo disfarçado de homem.

E foi ali que percebi:

meu maior erro não foi ter entrado.

Foi querer ficar.

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