04

Meu silêncio tem dono

Hendrick

Eu disse a ela para manter-se discreta.

Mesmo sabendo que ela podia usar um saco de estopa e ainda assim roubar olhares por onde passasse.

Maitê não tenta chamar atenção. Ela simplesmente chama. Pela naturalidade. Pela calma no meio do caos. Pela luz silenciosa que se recusa a morrer — mesmo cercada de escuridão.

E naquela manhã, vi isso de novo.

Do meu escritório, as janelas dão visão total da biblioteca. Foi proposital. Gosto de vigiar o que me pertence. O que está sob meu domínio.

E lá estava ela: sentada à mesa, concentrada nos registros. Cabelos cacheados presos num coque frouxo, a nuca exposta. Uma caneta entre os dedos. O maxilar tenso. Linda, vulnerável.

Minha. Mesmo que ela não saiba. Mesmo que eu negue.

Foi quando ele apareceu.

Domenico. Soldado novo. Confiante demais para alguém que ainda respira por misericórdia alheia. Ele se aproximou da mesa dela sorrindo como um moleque.

— Bom dia, mocinha. Trabalhando sozinha nesse mausoléu?

Maitê ergueu os olhos, polida.

— Sim. Posso ajudar?

— Pode sim. Me dizendo por que uma mulher tão bonita tá enterrada em papel e poeira...

A mão dele quase tocou a dela.

E meu sangue ferveu.

Não foi ciúme.

Foi territorialidade crua. Instinto de animal dominante.

Um lembrete ancestral gritando dentro de mim:

Ela é minha. Minha sombra, minha distração, minha maldição.

Levantei da cadeira e fui até lá.

Quando entrei na biblioteca, o silêncio caiu como uma sentença.

Domenico virou, mas não recuou. Ainda sorria. Idiota.

— Don Valentini, eu só estava...

— Fora. — minha voz foi uma ordem.

— Mas senhor, eu só...

— Fora. Antes que precise sair carregado.

O sorriso desapareceu. Ele engoliu em seco, recuou e saiu.

Fiquei ali, encarando-a. Ela me olhou de volta. Forte. Mas não ilesa.

— Eu não pedi sua interferência, — disse com firmeza.

— Eu não interfiro. Eu protejo o que é meu.

Ela arqueou a sobrancelha.

— E desde quando eu sou "sua", Hendrick?

Me aproximei devagar. Parei perto o bastante para que ela sentisse meu perfume, meu calor. Sem tocar.

— Desde que cresceu sob o mesmo teto que eu. Desde que aprendeu a me olhar daquele jeito — como se eu ainda fosse humano. Você não faz ideia do perigo que carrega, Maitê. Nem de quem está ao seu redor.

— Então me diga.

Sorri de lado. Sem humor.

— Se eu começar, você não vai mais dormir à noite.

Virei as costas. Ela não precisava ver mais.

Mas naquela noite, Domenico foi enviado para cuidar de uma base da máfia... na fronteira com a Ucrânia. Congelando até os ossos. Risco de morte a cada esquina. Isolado. Silenciado.

Foi uma ordem minha. Indireta, mas clara.

Quem toca o que é meu… não vive perto de mim.

Mais tarde, ela me procurou.

Bateu à porta do escritório. Entrou com a cabeça erguida, mas os olhos em alerta. Gosto de ver esse brilho nela — essa mistura de raiva, medo e impulso de me enfrentar.

— Vai mandar embora todo homem que falar comigo?

Cruzei os braços.

— Só os que ultrapassarem limites.

— E você decide quais são?

— Sempre.

Ela respirou fundo. Se aproximou. Estava tremendo levemente. Não sei se de coragem ou de raiva. Talvez os dois.

— Eu não sou sua, Hendrick. Nunca fui. Nunca serei.

Me aproximei com calma. Um passo. Dois. Três.

Ela encostou na parede, o corpo tenso. Mas não recuou.

— Talvez. — murmurei. — Mas você também nunca foi de ninguém. Sabe por quê?

Ela me encarou, desafiadora.

— Porque, mesmo sem perceber, você aprendeu a se moldar à minha ausência. E agora que voltei… seu corpo inteiro está em guerra com isso.