O Despertar da Orquídea Escarlate
O ônibus de Nova Friburgo, velho e barulhento, chacoalhava pela estrada sinuosa enquanto Isabela Fontes observava a paisagem que se desenrolava pela janela. As montanhas verdes, salpicadas de casas coloridas, pareciam abraçar a cidade com um carinho que ela sentia falta há anos. Isabela, com seus 28 anos, tinha os cabelos castanhos claros presos em uma trança displicente, mas alguns fios rebeldes emolduravam seu rosto oval. Seus olhos, de um tom castanho mel, eram expressivos e carregavam a mistura de cansaço da viagem e uma determinação férrea. A mochila em seu colo parecia conter não apenas suas poucas posses, mas também o peso de uma missão: salvar a floricultura da família.
"Floricultura Fontes", pensou ela, um nó apertando-lhe a garganta. O nome remetia a cheiro de terra molhada, a rosas recém-colhidas e ao sorriso bondoso de sua avó, Lúcia. Foi Lúcia quem a ensinou a amar cada pétala, cada broto, quem incutiu nela a paixão pela botânica que a levou a se formar em uma das melhores universidades do país. Agora, a floricultura, que por gerações foi o coração da família Fontes, estava à beira da falência. Cartas de cobrança, dívidas acumuladas e o peso da responsabilidade eram as boas-vindas que a aguardavam.
Ao descer no ponto final, o ar fresco da serra a envolveu. Nova Friburgo era uma cidade charmosa, conhecida por seu clima ameno e pela beleza natural. As ruas eram inclinadas, com calçadas de pedras portuguesas e edifícios que misturavam arquitetura colonial com toques europeus, resquícios da imigração suíça. O centro, onde a floricultura estava localizada, era um burburinho de vida, com lojas pequenas, cafés aconchegantes e o cheiro de café fresco misturado ao aroma das flores que vinha de algum lugar.
Isabela puxou sua mala de rodinhas, sentindo o desconforto familiar dos calos nos pés, um lembrete constante de sua jornada. Ao virar a esquina da Rua das Hortênsias, a fachada da Floricultura Fontes apareceu. Seus grandes portões de ferro forjado, antes pintados de um verde vibrante, agora exibiam sinais de ferrugem. As paredes, antes de um amarelo suave, estavam desbotadas e com algumas rachaduras. Mesmo assim, ela via a beleza adormecida ali. As grandes janelas, em estilo colonial, mostravam o interior meio empoeirado, mas ainda revelavam a estrutura que um dia foi um santuário de cores e perfumes. No telhado, telhas de barro escurecidas pelo tempo. O jardim frontal, antes exuberante, agora parecia um emaranhado de galhos secos e ervas daninhas.
Enquanto Isabela observava, uma picape preta, imponente e brilhante, parou em frente à floricultura. De dentro, saiu um homem que parecia ter saído de uma revista. Alto, com cerca de 1,85m, ele tinha ombros largos e uma postura elegante. Seus cabelos escuros, quase negros, estavam levemente desalinhados, dando-lhe um ar charmoso e descontraído, apesar da seriedade em seu rosto. Os olhos, de um azul profundo e penetrante, varreram a fachada da floricultura com uma intensidade que fez Isabela se sentir subitamente invadida.
Era Daniel Albuquerque, o homem que representava tudo o que ela temia no momento. Aos 32 anos, Daniel era o CEO da poderosa Incorporadora Albuquerque, uma empresa que estava comprando terrenos e erguendo prédios modernos por toda Nova Friburgo. Boatos corriam de que ele tinha interesse nas terras da Floricultura Fontes. Ele vestia um terno cinza-chumbo impecável, que contrastava com sua pele bronzeada, e seus sapatos de couro pareciam brilhar sob o sol da tarde. Sua presença irradiava poder e uma ambição quase palpável.
Daniel parecia estar avaliando o imóvel, talvez calculando o valor daquela propriedade antiga. Isabela sentiu uma onda de irritação. Para ele, era apenas um terreno. Para ela, era um legado, uma vida.
Ele notou a presença dela. Seus olhos azuis se fixaram nos dela, e um meio sorriso, quase imperceptível, curvou um canto de seus lábios bem desenhados. Era um sorriso que parecia zombeteiro, como se ele já soubesse o motivo da presença dela ali.
"Posso ajudar?", Daniel perguntou, sua voz era grave e segura, com um tom de autoridade que Isabela odiou instantaneamente.
Isabela ergueu o queixo, desafiadora. "Você não pode. Mas eu posso. Esta é a minha casa. Minha floricultura."
O sorriso dele se alargou ligeiramente, mas não de forma calorosa. "Isabela Fontes, imagino. Ouvi dizer que você estava voltando. Sabe, este lugar tem um potencial enorme. Imagine um empreendimento moderno aqui. Lojas, apartamentos de luxo... Um novo fôlego para a cidade."
Isabela apertou os punhos. "Este lugar já tem um fôlego, Senhor Albuquerque. Ele respira história, vida, flores. E não está à venda." Sua voz era firme, embora seu coração batesse mais rápido do que gostaria. Ele parecia imponente, mas ela não se intimidaria.
Daniel deu um passo em direção a ela, diminuindo a distância entre eles. "Tudo tem um preço, senhorita Fontes. E minha empresa está disposta a fazer uma oferta muito generosa." Havia uma intensidade em seu olhar que a desestabilizou por um breve momento. Era uma mistura de confiança e, talvez, um toque de curiosidade.
"Não esta. Este lugar é mais do que um imóvel. É a memória da minha avó. É o futuro da minha família", Isabela respondeu, sua voz embargada pela emoção, mas mantendo a postura. "Sugiro que procure outro local para suas construções."
Ele a observou por um instante, como se estivesse avaliando cada palavra, cada fibra de sua resistência. Seus olhos percorreram o rosto dela, demorando-se em seus lábios antes de voltar para seus olhos desafiadores. Havia algo nela que o intrigava, algo além da teimosia óbvia.
"Entendo seu apego emocional", Daniel disse, a voz agora um pouco mais suave, mas ainda com o tom de quem está acostumado a conseguir o que quer. "Mas Nova Friburgo está em constante evolução. Precisamos acompanhar. E o que você tem aqui... é antigo. Não acompanha o ritmo."
Isabela riu, um riso curto e amargo. "Antigo não significa ultrapassado, Senhor Albuquerque. Significa que tem raízes. Algo que, talvez, sua empresa não entenda."
Um silêncio tenso pairou entre eles. O sol começava a se pôr, tingindo o céu de tons alaranjados e roxos, e as luzes da rua começavam a acender, projetando sombras longas e distorcidas. Daniel Albuquerque era um desafio, mas Isabela sentiu uma energia renovada, uma chama que reacendeu dentro dela. Se ele achava que seria fácil, estava muito enganado. Ela protegeria aquele lugar com unhas e dentes.
Daniel deu um leve aceno de cabeça, um gesto quase imperceptível de respeito, ou talvez de reconhecimento do desafio que ela representava. "Veremos, senhorita Fontes. Veremos." Com essas palavras, ele se virou, entrou em sua picape e partiu, deixando Isabela sozinha na frente da sua floricultura, que agora parecia um campo de batalha.
Isabela pegou as chaves, antigas e pesadas, e abriu o portão enferrujado. O cheiro de mofo e terra seca a recebeu. Ela sabia que a luta seria árdua, mas a determinação em seus olhos castanhos mel era inabalável. Ela não deixaria Daniel Albuquerque, nem ninguém, destruir o legado de sua avó. A Floricultura Fontes não seria apenas um prédio, seria o renascimento de sua própria força. E Daniel Albuquerque, ela sabia, seria um obstáculo, talvez o maior de todos.
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Atualizado até capítulo 36
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