O amanhecer veio com um brilho pálido, tingindo o céu de azul-acinzentado quando Ricardo e Lucca deixaram a Villa Calloni. O jantar da noite anterior havia sido repleto de calor e união familiar, mas agora pai e filho seguiam com um propósito muito mais denso: encarar o passado, organizar o presente e preparar o futuro.
O carro os levou até a sede da máfia Calloni, um casarão de fachada antiga e janelas arqueadas, encravado entre colinas e vinhedos. Por fora, parecia uma vinícola qualquer, abandonada pelo tempo. Mas por dentro, era o coração da história da família Calloni — um centro de comando, arquivos secretos e salas de reuniões escondidas atrás de paredes reforçadas.
Ao entrarem na sala principal de arquivos, uma onda de poeira subiu no ar. Pilhas de pastas amareladas, caixas repletas de contratos, mapas antigos, registros de aliança, listas de nomes e dossiês confidenciais cobriam prateleiras enferrujadas, mesas, e até o chão. O odor de papel velho misturava-se ao aroma de couro antigo.
— Aqui está o nosso campo de batalha, filho — murmurou Ricardo, puxando uma cadeira. — Vinte e sete anos sem uma boa limpeza. Tudo precisa ser revisado. Não só por organização... mas para saber em quem ainda podemos confiar.
Lucca já estava com as mangas arregaçadas. Ele se sentou diante de uma pilha de pastas datadas de 1998 a 2005 — a era anterior à aproximação com a LME, quando Ricardo ainda era um jovem Dom, agindo sob a sombra do próprio pai.
— Muitos desses contratos são da época do nonno? — perguntou Lucca.
— Sim. Ele comandava com mão de ferro, sem alianças verdadeiras. Apenas trocas de favores por conveniência. Isso mudou quando conheci sua mãe. A LME nos ensinou outro tipo de lealdade.
Lucca começou a separar os contratos vencidos. Alguns estavam rasgados, outros intactos. Ele montou uma pilha para análise futura, uma para descarte e outra para renegociação.
— Temos alianças com os Giordano da Sicília, com os Battaglia em Marselha... e até com mafiosos canadenses — observou Lucca. — Muitos expiraram há mais de dez anos.
— Essas são as que devemos estudar com atenção. Ver o que foi rompido por traição e o que apenas se perdeu no tempo. Pode haver oportunidades.
Ao longo da manhã, pai e filho trabalharam sem pausa. Organizaram datas, datas de vencimento, nomes de Dom antigos e atuais, anotações de incidentes. A pasta que mais chamou a atenção de Lucca foi uma com selo vermelho — uma aliança firmada com os Dupré, uma família mafiosa francesa que, segundo Ricardo, desapareceu após um massacre em Lyon.
— Nunca mais ouvimos deles. — Ricardo suspirou. — Mas saber que temos registros, contatos e acordos ainda arquivados... talvez alguém tenha sobrevivido.
Por volta do meio-dia, Ricardo sinalizou uma pausa. Levantou-se e tirou o pó das mãos, servindo café forte preparado na pequena cozinha lateral.
— Vamos deixar esta seção ordenada hoje. Não adianta tentar organizar tudo de uma vez. Esse arquivo tem mais de trinta anos de história. Vamos setor por setor. Amanhã começamos a parte de contratos comerciais.
— E sobre as reuniões? — perguntou Lucca.
— Já convoquei alguns antigos aliados. Vamos fazer reuniões discretas, uma de cada vez. Nada de grandes encontros. Nosso nome ainda tem peso, mas precisamos mostrar que somos confiáveis, mesmo com a mudança de liderança.
A tarde começou com a chegada do primeiro visitante: Don Felice Mancini, chefe de uma família menor em Nápoles, mas com ligações estratégicas em portos e transportes.
Felice era um homem baixo, barrigudo, de bigode aparado e voz rouca. Apertou a mão de Ricardo com força e olhou Lucca de cima a baixo antes de sorrir.
— Então este é o novo Calloni.
— Lucca Calloni — respondeu ele, firme. — Honrado em recebê-lo.
Sentaram-se em torno da mesa grande na sala de reuniões. Ricardo ficou em silêncio, deixando que Lucca conduzisse o encontro.
— Acreditamos que nossas alianças precisam ser renovadas — começou Lucca. — E queremos recomeçar com base em confiança mútua. Precisamos de rotas. Vocês têm acesso a portos e transporte. Nós temos segurança e estrutura.
— E proteção? — perguntou Felice, sem rodeios.
— Em troca da lealdade, terá nossa proteção. — Lucca respondeu, olhando diretamente nos olhos dele.
Felice sorriu, quase com orgulho.
— Ele tem o sangue Calloni, com certeza. Vamos conversar mais sobre isso. Acredito que podemos retomar o que tínhamos com o velho Dom... mas com novos termos.
Após sua saída, Ricardo tocou no ombro do filho.
— Foi uma boa primeira reunião. Direto, firme e diplomático. Continue assim.
Na manhã seguinte, outras reuniões ocorreram. Lucca recebeu os irmãos Vasquez, antigos aliados da Espanha, e uma delegação dos Grimaldi, que controlavam armas no norte da Itália.
Alguns vieram com desconfiança. Outros com alívio. Ver Ricardo ainda presente deu segurança aos mais antigos. Ver Lucca no comando deu esperança aos que buscavam renovação.
O ciclo de trabalho se repetiu por dias: organizar parte dos arquivos, selecionar os nomes para reunião, revisar contratos vencidos e propor novas alianças com termos mais modernos, justos e eficazes.
Entre cada pasta que abriam, havia uma história. Uma traição. Um pacto. Um favor antigo que agora poderia ser cobrado. Lucca aprendia a cada documento, a cada fala de Ricardo, a cada reunião onde escutava mais do que falava. Ele compreendia que o título de Dom não vinha com glória — vinha com peso, com decisões que moldavam não apenas destinos da máfia, mas de famílias inteiras.
Em uma noite chuvosa, após a última reunião do dia, Ricardo fechou os cadernos e respirou fundo.
— Amanhã vamos iniciar o setor de acordos financeiros. Haverá números, bancos, propriedades. É o coração da máfia. Mas antes disso... quero que você leia essa pasta. — Ele entregou a Lucca um envelope selado, antigo, com o brasão dos Calloni em alto relevo.
— O que é isso?
— A última carta escrita por meu pai. Ele deixou para o Dom que assumisse após mim. Eu nunca abri. Porque sabia que não era para mim.
Lucca ficou em silêncio. O envelope parecia pesar mais que qualquer arma. Ele o colocou com cuidado na mochila.
— Vai ler?
— Amanhã. Antes de começarmos o próximo setor.
Ricardo assentiu e colocou a mão no ombro do filho.
— Você está indo bem, Lucca. Muito bem. Está honrando nosso nome.
Lucca sorriu.
— Eu só quero fazer o certo. Por você. Pela mãe. Pela Ari. Pela nossa história.
— E fará. Porque você não é só um Calloni. Você é o futuro dessa família.
A chuva continuava a cair do lado de fora. Mas dentro da sede, a chama da continuidade queimava forte. Os arquivos estavam apenas começando a ser desbravados, mas já revelavam o que Lucca mais precisava: raízes. E asas.
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Atualizado até capítulo 27
Comments
Abreu Ana
aí aí aí, aposto q nessa pasta tem como aliança um casamento com sei lá quem
2025-07-07
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Raimunda Serra
capítulo maravilhoso 😍😍😍😍 parabéns autora 💕💕💗
2025-07-03
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Di Rocha
maravilhoso demais parabéns 👏🏻👏🏻👏🏻👏🏻
2025-07-03
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