Na sala de estar da mansão Delgado, repórteres se acumulavam do lado de fora dos portões, câmeras apontadas, vozes elevadas. A mídia havia cercado a propriedade desde o dia anterior, exigindo declarações, respostas, qualquer sinal de drama ou esperança.
Clara, vestida de preto e com um véu fino sobre os olhos, encenava com perfeição o papel da madrasta inconsolável. Cada movimento era calculado: a forma como segurava um lenço de linho branco, como limpava discretamente as lágrimas que nunca caíam, como baixava os olhos quando diziam o nome de Aurora.
— Agradecemos a preocupação de todos — disse, em tom comovido, diante dos microfones. — a minha enteada é uma jovem forte. Temos fé que ela será encontrada em segurança.
Alexandre estava ao lado dela, mas visivelmente abatido. Os olhos vermelhos, a barba malfeita e o aperto constante das mãos denunciavam sua verdadeira dor. Ao contrário de Clara, ele não sabia representar.
— Estão fazendo de tudo na busca? — perguntou um jornalista, quase implorando. — Por favor, divulguem a imagem dela... alguém pode ter visto minha filha. Ela pode estar machucada, confusa... Ela precisa de ajuda.
A imprensa se alimentava da comoção. Flashes, perguntas e especulações se misturavam. Nenhuma notícia concreta. Nenhuma pista nova.
Vinícius chegou momentos depois, em um carro luxuoso. Saiu com expressão sóbria, usando óculos escuros, e caminhou até os repórteres com passos firmes.
— Aurora é minha noiva — disse, pausadamente. — E estou ao lado da família neste momento difícil. Mas também peço respeito. Há uma investigação em andamento, e vamos cooperar com todas as autoridades.
Depois, ao entrar na mansão, seu rosto mudou. A máscara caiu por um instante.
Clara o esperava no hall.
— A imprensa está comendo na palma da nossa mão — disse ela, em tom baixo. — Mas Alexandre está começando a desconfiar. Ele não aceitou a versão do motorista desaparecido. Precisamos manter tudo sob controle.
Vinícius sorriu, frio.
— Que bom que ela desapareceu. Aurora era o último obstáculo real. Agora só precisamos de tempo.
— E se ela voltar? — sussurrou Clara, os olhos apertados.
Ele riu, seco.
— Ela não vai.
A centenas de quilômetros dali, Aurora acordava novamente, agora com mais lucidez.
A cabana era simples, feita de madeira antiga, com janelas pequenas e cheiro de pinho. Ao seu lado, um fogo baixo crepitava numa lareira. Uma manta pesada cobria seu corpo. Sentia dores em todo lugar, mas nada tão grave quanto o vazio na mente.
Gael entrou carregando uma tigela com sopa fumegante. Estava de camisa cinza e calça de moletom. Parecia deslocado ali, como um homem de cidade escondido na floresta — e havia uma dureza em seu olhar, como se tivesse desaprendido a confiar.
— Consegui que você tomasse alguns goles de água antes. Agora tente comer — disse, estendendo a tigela.
Aurora aceitou com as mãos trêmulas. Observou o rosto dele discretamente. Era jovem, talvez uns trinta e poucos. Alto, cabelos escuros um pouco bagunçados, e uma cicatriz discreta na base do pescoço.
— Eu... não lembro de nada — murmurou, a colher parada no ar. — Nem quem eu sou.
— Eu imaginei — respondeu Gael. — Você estava inconsciente quando te encontrei. Machucada, caída numa trilha. Parecia que alguém te jogou ali.
Aurora franziu a testa, tentando puxar qualquer memória. Nada vinha. Apenas flashes de luz, o som de vidro quebrando, e um grito abafado.
— Obrigada... por me salvar.
Gael deu de ombros.
— Eu só não queria deixar alguém morrer ali fora. A floresta não é gentil. Ainda mais com estranhos.
— Você vive aqui? Sozinho?
Ele hesitou por um segundo.
— Sim. Desde que meus pais morreram. Não gosto de cidades.
Ela notou que ele evitava contato visual por muito tempo. Havia algo nele... ferido também. Como se ambos tivessem cicatrizes invisíveis.
— Meu nome... eu não sei meu nome. É horrível.
— Vai lembrar. Às vezes o corpo esquece pra se proteger. Mas a mente... ela encontra o caminho de volta.
Aurora abaixou os olhos. Pela primeira vez, percebeu o quanto estava frágil. E o quanto dependia daquele estranho misterioso.
— Por quanto tempo posso ficar aqui?
Gael a encarou por um instante, depois se virou para a janela. A floresta se estendia além do vidro, imensa, úmida, perigosa.
— Até lembrar quem é. Ou até alguém vir te buscar.
Mas, no fundo, em algum lugar dentro dele. Gael sabia: ninguém viria tão cedo. E parte dele, por mais que não quisesse admitir, não queria que ela fosse embora.
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Atualizado até capítulo 37
Comments
Salete Michels de Gracia
Estou amandooooo... narrativa perfeita, parabéns.👏👏👏👏👏
2025-07-09
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