O Dono das Palavras

📖 Capítulo 4

A livraria ficava no coração da vila de Monteverdi, numa ruazinha de pedra onde o sol beijava as fachadas com delicadeza. Era uma daquelas livrarias que pareciam ter alma: estantes de madeira escura, escadas que deslizavam pelos corredores altos, poltronas antigas, e um sino na porta que tilintava suavemente toda vez que alguém entrava.

Lorenzo Bellini era o dono. Um homem de 61 anos, cabelos grisalhos bem cuidados, barba rente e olhar sereno. Vestia-se sempre com elegância sutil — camisas de linho, calças de corte reto, sapatos limpos. Tinha o charme natural de quem não tenta agradar ninguém, mas ainda assim encanta a todos.

— Bom dia, signor Bellini! — saudou dona Elisa, entrando com seu neto.

— Bom dia, minha querida! Trouxe seu pequeno aventureiro? Já separei um livro com dragões para ele! — respondeu ele, sorrindo com brilho nos olhos.

Lorenzo era assim: atencioso, gentil, caloroso. Fazia cada cliente se sentir especial. Sabia indicar livros como quem lê a alma de cada pessoa. Era querido por todos na vila — não apenas como livreiro, mas como homem de coração bonito.

Mas o que poucos sabiam... era que por trás daquele sorriso largo, havia uma tristeza antiga.

Dois filhos. Ambos adultos. E ambos afastados.

Desde que sua esposa, Antonella, fora embora — muitos anos antes — os filhos nunca mais olharam para ele da mesma forma. Acreditavam que ele a havia afastado, que era frio, controlador, que a tinha feito sofrer.

Mas Lorenzo jamais contou a verdade.

Antonella havia se apaixonado por outro homem. Um estrangeiro, mais jovem, que passara um verão na Toscana. Um amor impulsivo, egoísta, que a levou a abandonar tudo. E ele… ele escolheu proteger a imagem dela diante dos filhos.

Preferiu ser visto como o culpado a permitir que os meninos crescessem com raiva da própria mãe.

— Eu fui fraco — disse uma vez para um amigo.

— Não. Você foi homem — respondeu o outro. — Um homem que soube amar até no fim.

Hoje, os filhos viviam longe. Não se falavam com frequência. Ligavam em datas especiais, às vezes mandavam mensagens rápidas. Lorenzo aceitava. Amava-os ainda assim. E esperava — talvez um dia — vê-los voltarem com o coração limpo.

Enquanto isso, a livraria era seu refúgio.

Ali, ele era feliz. Acolhia os turistas, conhecia os moradores pelo nome, servia café nos finais de tarde, colocava música francesa de fundo e enchia o ambiente de flores frescas — porque, segundo ele, "livros merecem perfume e poesia."

Naquele dia, Lorenzo arrumava os livros de uma nova remessa. Tocava Edith Piaf no vinil antigo, e o sino da porta soava vez ou outra. Sentia-se bem. Quase completo.

Olhou para a vitrine, que dava para a praça. As flores estavam em pleno verão. As crianças corriam. Um casal idoso passava de mãos dadas. E, por um breve instante, Lorenzo sentiu o coração apertar.

— Ainda existe amor por aí… — murmurou, com um meio sorriso.

Ele acreditava no amor. Apesar de tudo. Apesar da dor, da ausência dos filhos, do abandono silencioso. Ele acreditava que o amor verdadeiro não vinha para fazer barulho — ele vinha pra curar, pra somar, pra transformar.

Sentou-se na poltrona vermelha ao lado da estante de romances. Pegou um exemplar de O amor nos tempos do cólera, e folheou distraído. Os dedos tocaram uma frase sublinhada em lápis:

> “Era inevitável: o cheiro das amêndoas amargas lhe lembrava sempre o destino dos amores contrariados.”

Ele fechou os olhos por um instante.

Não queria mais amores contrariados.

Não queria mais se explicar.

Queria apenas… sentir de novo.

Sentir a presença de alguém. Um olhar que acolhe. Uma conversa com alma. Um silêncio compartilhado.

Não sabia que, naquele mesmo dia, uma mulher havia chegado à vila.

Uma mulher de olhos tristes e alma cansada, hospedada algumas ruas dali. Uma mulher com o coração estilhaçado, mas disposta a recomeçar.

Eles ainda não se conheciam.

Mas o destino — silencioso, gentil e exato — já começava a traçar os caminhos.

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Comments

Marillac Prado

Marillac Prado

A história está se apresentando de forma suave e acolhedora. Estou gostando muito.

2025-07-07

4

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