...PASSADO...
Foi durante o verão, mês das férias. Foi naquele mês de Julho, onde aos sete anos de idade pude sentir felicidade e tristeza, sentimentos que marcaram toda a minha vida...
Eu senti a mão gelada do meu pai sobre a minha, olhei para os seus olhos castanhos escuros que agora pareciam mais fundos do que nunca, as olheiras estavam visíveis, o rosto dele estava cansado, ambos estavam manchados pelas lágrimas que ele já tinha derrubado.
A sua barba grande, que ele raramente deixava crescer, parecia estranha, era como se fosse um sinal de que algo estava muito errado.
Mamãe sempre dizia que não queria um homem das cavernas em casa, então meu pai sempre se preocupou com sua aparência. Ele sempre foi vaidoso, e foi por isso, que agora ele parecia um príncipe vestido de preto, embora a barba fizesse ele parecer um pouco diferente, como se ele estivesse em um pesadelo...e de certa forma, ele estava!
Ele não era o era o príncipe que eu imaginava dos meus livros. Não havia nada de bonito no seu sofrimento. Meu pai estava ali, com a mesma expressão triste de quando ele me olhava e dizia: "Vai passar, querida." Mas agora, eu sabia que nada disso iria passar.
Já fazia dois dias desde que minha mãe tinha partido. O câncer de pâncreas venceu a luta que ela enfrentou por quase um ano. No início, ela parecia tão forte, era minha mamãe, meu escudo contra o mundo, mais depois ela foi ficando mais fraca, eu percebia, eu sabia que algo estava errado, mesmo quando ela tentava fingir que estava tudo bem.
Eu só queria que mamãe acordasse, queria que ela me dissesse que tudo aquilo era uma brincadeira, que ela estava apenas tirando uma soneca, que meu pai dissesse que estava pronto para salvar a princesa do seu descanso eterno, mas eu sabia que não era uma brincadeira, porque meu pai estava tão sério, tão quieto, ele nunca foi assim, sempre foi brincalhão, aquele que me fazia rir até quando o mundo parecia difícil e agora, ele estava parado, com os olhos fixados nela, como se ele esperasse que ela fosse acordar.
— Eu... eu sinto falta da mamãe... — Eu falei baixo, engolindo o choro, tentando ser forte.
Eu sempre fui forte, não é? ou pelo menos eu tentava ser, mas naquele momento, sentia que minha força estava indo embora, como se a cada respiração, a dor ficasse mais difícil de suportar.
— Eu também querida... — Meu pai sussurrou com uma voz tão baixa e tão cheia de dor.
— Renan! — Um homem alto o chamou, se aproximando de nós.
Ele parecia ainda mais alto que o meu pai, tinha cabelos pretos bagunçados, estava com uma camisa estampada por dentro do paletó preto, o mesmo paletó estava bem grande nele. O homem era estranho, era como se ele tivesse se arrumado às pressas para esta ali.
Senhor, por que não se arrumou direito para o funeral da minha mãe?
O meu pai simplesmente o ignorou assim que seus olhos se encontraram com o dele. Era como se ele não tivesse importância naquele momento, então, meu pai se virou, tentando se concentrar apenas em mim, como se eu fosse a única coisa que ainda poderia mantê-lo em pé naquele momento.
— Você quer ir lá fora com a sua tia? — Ele tocou meu ombro e apontou para a entrada do salão e eu balancei a cabeça, negando.
Tudo o que eu queria, era ficar ali, perto dele, não queria sair, não queria ir para outro lugar, eu só queria ficar com o meu pai. Ele era a única coisa que ainda parecia real.
Ele passou a mão pelo cabelo castanho, bagunçando o penteado que eu havia feito nele mais cedo, tentou se recompor, voltando a me olhar.
— Minha Filha... — Ele me pediu de novo mas dessa vez seu olhar estava mais suave, como se ele estivesse tentando me fazer entender que era para o meu bem, no fim eu concordei, balançando a cabeça e fui em direção a minha tia.
Porquê ele bagunçou o penteado que eu fiz nele?...
Enquanto eu caminhava até as cadeiras na entrada do salão, onde minha tia Kathy estava, vi várias pessoas entrando e saindo, chorando e falando baixinho, todos estavam tristes, algumas tinham o rosto molhado de tanto chorar e quando me olhavam passando, choravam mais ainda.
Fiquei parada um momento, olhando para as pessoas. Eu reconhecia algumas, mas nunca imaginei que tantas pessoas iam vir ao funeral da minha mãe, sempre pensei que ela fosse só minha, mas eu percebia agora o quanto ela era querida, nunca imaginei que tanta gente amava a minha bela adormecida.
Eu olhei de novo para o meu pai. Ele estava falando com aquele homem alto de antes, o que parecia triste também.
Eu abracei bem forte a minha boneca de pano, aquela que minha mãe sempre dizia que era minha "Companheira" pra tudo. Mesmo que ela fosse só uma boneca sempre conseguia me fazer sentir mais segura, me dava um pouco de força.
Continuo andando em direção à minha tia Kathy, ela se parecia muito com a mamãe. Ela tinha o mesmo sorriso, o mesmo jeito calmo, só que o cabelo dela era mais curto e a pele mais bronzeada, ela também era mais velha, mas, mesmo assim, quando eu a olhava, parecia que era a mamãe que estava me abraçando e eu sentia um calor no peito, como se minha mãe estivesse ali, só que um pouquinho diferente.
— Você é tão forte, pequenina... — minha tia disse me abraçando assim que nós aproximamos, sua voz era baixinha e suave.
Eu queria dizer alguma coisa, mas não conseguia, não sabia o que falar, queria chorar, mas sentia que não podia, não ainda. Eu tinha que ser forte, como todos eles estavam sendo.
Já sentada ao seu lado, minha tia pergunta se eu queria comer ou beber algo, simplesmente balancei a cabeça, negando. Não estava com fome nem com sede.
[...]
Eu acabei me lembrando da última vez que mamãe me perguntou o que eu queria de presente de aniversário, lembro que estávamos no hospital em um quarto todo branco, era silencioso e estranho ali.
— Quero algo que me lembre da senhora quando for pro céu... — Eu tinha dito.
Os olhos da mamãe se encherem de lágrimas, eu não queria ter feito ela chorar, naquele momento, eu soube que talvez tivesse pedido algo que não deveria, queria um presente, mas não queria que ela ficasse triste por isso.
Eu lembro que fiquei muito feliz no meu aniversário, havíamos passado a tarde inteira juntas comendo bolo de chocolate e quando ela me deu a boneca de presente eu soube que nunca mais estaria sozinha. Mamãe tinha feito a boneca para mim com suas próprias mãos, mesmo agora, eu ainda podia sentir o seu cheiro na boneca.
Enquanto pensava em tudo isso, fui trazida de volta para a realidade com um barulho alto. Me assustei e olhei na direção do caixão, vi meu pai discutindo com o homem que ele estava conversando antes.
Meu pai estava tão bravo, nunca o vi assim antes, ele sempre foi tão calmo, mas agora ele estava gritando. Eu sentia que algo estava errado, vi várias pessoas correndo para separar os dois, seus rostos estavam cheios de preocupação e surpresa.
— Saia daqui! Agora! — meu pai gritou, sua voz estava alta e cheia de raiva, enquanto tentava se soltar dos braços das pessoas que o seguravam.
— Você não tem esse direito, Renan! Me soltem! — o homem gritou de volta, tentando se soltar das pessoas, elas o arrastaram para a entrada do salão, que ficava na minha direção.
Não sabia o que fazer, nem para onde olhar, só sabia que o meu pai estava tão triste, queria correr até ele e dizer que estava tudo bem, mas não conseguia me mover.
Eu fiquei paralisada quando os olhos do homem encontraram os meus, vi as lágrimas se formando no rosto dele. Ele começou a chorar, e eu não consegui evitar, meu rosto também começou a se molhar com as minhas lágrimas.
Por que eu tô chorando?
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Atualizado até capítulo 21
Comments
Yue Sid
Não podia deixar de elogiar sua escrita, parabéns pelo talento, autora!
2025-06-29
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