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...O Inverno Mais Longo de Aurora...
Aurora não sabia que o Natal de 2019 seria o último com a família reunida ao redor da mesa.
A casa cheia de risos.
Os netos correndo pelos cômodos.
Francisco rindo alto, o olhar brilhando com cada travessura das crianças.
Ela não imaginava que, poucos meses depois, tudo viraria silêncio.
Veio o vírus.
Veio o medo.
E Francisco, que nunca fumou, nunca foi frágil, adoeceu.
A última vez que o viu foi por uma tela.
A voz fraca dele dizendo “eu te amo”.
E ela respondendo: “eu também te amo” — porque era verdade.
Aurora o amava, do seu jeito.
Um amor sereno, de alma.
Quarenta anos de vida dividida.
Mas não houve toque, nem adeus no hospital.
Só um velório sem corpo, um luto engolido em casa, só ela e os filhos.
Ela chorou baixinho.
A perda do seu melhor amigo esmagou algo dentro dela.
O filho, agora casado, aparecia pouco — os dois netos continuavam sendo sua alegria, mesmo de longe.
A filha, Suzana, adiou os planos de sair de casa.
Viu a mãe tão mergulhada em solidão que resolveu ficar.
Aurora dizia que estava bem, mas os olhos contavam outra história.
Suzana era seu orgulho: veterinária, dona de uma pequena clínica.
Tinha vida própria, sonhos próprios.
Mas continuava ali, por amor.
E Aurora...
Bem, Aurora agora tinha tempo demais.
Tempo que antes era preenchido com filhos, comida no fogo, roupa no varal, amor à sua maneira.
Agora, só restava o vazio.
Lia livros.
Assistia novelas.
Dormia mal.
Até que, numa noite de quarta-feira, Suzana falou com firmeza:
— Mãe, entra no grupo de dança. Você precisa sair, fazer amigas. Por favor.
Aurora riu, envergonhada.
— Eu? Dançar? Imagina...
Mas Suzana insistiu.
— A senhora precisa viver, mãe. A casa não precisa mais de tanto cuidado. E seus filhos cresceram. O que resta agora... é viver por você.
Aurora foi.
Na primeira vez foi com a filha, ficou quieta num canto, olhando os sorrisos ao redor.
Mulheres de todas as idades, corpos diferentes, histórias estampadas nos olhos.
Mas havia leveza.
Havia alegria.
Ela sorriu. Pela primeira vez em muito tempo.
Na semana seguinte, foi sozinha.
E naquela pequena sala, entre passos tímidos e músicas alegres, algo dentro dela começou a florescer.
Uma nova vida — que nem ela sabia que ainda podia viver.
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... Quando o Passo Encontra o Ritmo...
Aurora já não se sentia sozinha.
A dança, que entrou em sua vida como um empurrão da filha, havia se tornado sua nova razão de sorrir.
O grupo de mulheres dançantes era mais do que uma distração — era alegria, era amizade, era vida.
Em 2025, numa tarde qualquer, Teresa entrou naquele salão pela primeira vez.
As amigas do trabalho — todas professoras como ela — haviam insistido muito para que fosse.
— Vai, Teresa! Você só trabalha e estuda. Vem viver um pouco.
Ela foi.
Mais por insistência do que por vontade.
Mas logo no primeiro dia, riu mais do que dançou.
O ambiente era acolhedor, divertido.
Mulheres de todas as idades, tamanhos, histórias.
Ninguém ligava se você sabia ou não dançar — o que importava era estar ali, inteira, presente.
Aurora, que havia se tornado uma das responsáveis por acolher as novatas, foi apresentada a ela.
Teresa — 60 anos, cabelos curtos e brancos em destaque, sorriso largo e olhar atento.
Tinha uma postura firme, segura, que chamou a atenção de Aurora de imediato.
Havia algo nela… algo que não se dizia com palavras.
— Vem, vou te ensinar uns passinhos de forró — disse Aurora, estendendo a mão.
Teresa riu, envergonhada, mas aceitou.
As mãos se encontraram, e a outra segurou sua cintura com gentileza.
— Assim? — perguntou Teresa, com as bochechas coradas.
— Assim tá perfeito — respondeu Aurora, sorrindo.
Na semana seguinte, Teresa voltou.
E na outra também.
O corpo ainda meio travado, mas a alma já dançando.
Foram se aproximando, uma conversa aqui, um passo ali.
Trocas discretas, mas significativas.
Quando o carnaval chegou, decidiram ir juntas com o grupo para uma confraternização.
Risos, glitter, fantasia.
Era só amizade.
Era só dança.
Mas havia algo novo no ar.
Um compasso silencioso começava a nascer entre elas — como uma música que só duas pessoas conseguem ouvir.
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... Uma Noite que o Corpo Guardou em Silêncio...
O salão de dança vibrava em luzes suaves e música alegre.
Entre passos descompassados e gargalhadas, Teresa e Aurora foram se aproximando — sem pressa, sem promessas, apenas com a verdade de duas mulheres que já tinham vivido muito, mas que começavam, ali, a viver algo novo.
Teresa comentou, rindo entre uma música e outra, como estava gostando de participar do grupo.
— Faz tempo que eu não me sentia parte de algo assim. Me faz bem... muito bem.
Aurora olhou para ela com os olhos úmidos, mas firmes:
— O grupo me salvou, Teresa. Quando eu perdi o Francisco... eu achei que tinha perdido o chão também. Mas aqui... eu voltei a sentir que estou viva.
Houve um silêncio breve, confortável.
O tipo de silêncio que só acontece entre pessoas que não precisam preencher o tempo com palavras.
— Você gosta de teatro? — perguntou Teresa, como quem joga uma corda delicada para atravessar um abismo.
— Nunca fui — Aurora respondeu, com um sorriso curioso. — Sempre quis… mas nunca sobrou tempo. Nem coragem.
Teresa sorriu de lado, os olhos brilhando:
— Tem uma peça em cartaz com um nome impossível de esquecer: As Lágrimas Quentes de Amor Que Só Meu Secador Sabe Enxugar. É uma comédia melodramática, meio exagerada, mas sensível. Fala sobre uma mulher se reconstruindo depois de uma decepção amorosa.
Aurora arregalou os olhos e riu.
— Esse nome! Agora quero ir só pra saber o que um secador tem a ver com tudo isso.
— Então vamos. Sábado à noite. Eu te busco — disse Teresa, e seus olhos se demoraram um pouco demais nos de Aurora.
Elas trocaram telefones. Um toque de dedos, um sorriso tímido, e a semana começou a correr.
No sábado, já era fim de tarde quando Teresa enviou a mensagem.
“A promessa do teatro ainda vale?”
A resposta veio em segundos:
“Passei a semana inteira esperando por isso.”
Às 18h30, Teresa estacionou em frente à casa de Aurora.
E quando ela apareceu na porta, o tempo pareceu desacelerar.
Vestido preto simples, mas elegante.
Cabelos pintados, disfarçando os fios brancos.
Maquiagem leve, sorriso contido.
Uma beleza que não pedia licença — apenas acontecia.
Teresa sentiu algo apertar no peito.
Não era desejo, nem ansiedade.
Era espanto.
Era perceber, de repente, o quanto Aurora era bonita.
O quanto ela tinha deixado de enxergar isso antes.
— Você está linda.
Aurora corou.
— Minha filha me ajudou… ela disse que hoje era uma noite especial.
— E é — respondeu Teresa, com uma sinceridade que tocou mais fundo do que o esperado.
O caminho até o teatro foi leve. Riram como garotas adolescentes.
Contaram causos, trocaram músicas antigas no rádio.
Havia uma alegria sutil, discreta, como se o mundo tivesse se ajeitado por alguns instantes.
O teatro era pequeno, acolhedor.
Sentaram-se na segunda fileira, próximas o bastante para ouvir a respiração uma da outra.
A peça começou.
Aurora se emocionou com a história.
Riu com as cenas absurdas, mas chorou baixinho quando a personagem falou de solidão, de recomeços tardios, de amor que chega depois que a vida já te derrubou uma ou duas vezes.
Teresa não assistia mais à peça — assistia Aurora.
E a cada sorriso dela, algo dentro de Teresa se iluminava.
Como se, pela primeira vez em muito tempo, alguém estivesse abrindo janelas no escuro do seu peito.
Quando a peça acabou, Teresa sugeriu:
— Vamos jantar?
Aurora aceitou, rindo.
— Mas da próxima vez, eu cozinho pra você.
No restaurante, a conversa fluiu.
Comeram devagar.
Não tinham pressa.
Trocaram lembranças, sonhos velhos e risos novos.
Foi uma noite leve, íntima sem ser invasiva.
Teresa deixou Aurora em casa.
Não houve toque, nem gesto fora de lugar.
Mas o olhar que trocaram antes do "boa noite" dizia mais do que qualquer palavra.
E quando Teresa chegou em casa, sozinha como sempre, acendeu a luz e parou no meio da sala.
Sorria.
O corpo ainda trazia o cheiro do teatro.
A memória recente guardava cada riso, cada olhar.
Algo havia mudado.
Ela não sabia dar nome ainda.
Mas sabia sentir.
E isso já era o começo de uma nova história.
...🌸💃 Alô, leitores apaixonados por recomeços e encontros improváveis!...
...Nesses últimos capítulos, tivemos de tudo:...
...✨ Aurora redescobrindo a alegria na dança (e a beleza de um vestido preto)...
...✨ Teresa percebendo que o coração também pode sair do armário depois dos 60...
...✨ Um convite inusitado pro teatro com um título que já vale o ingresso...
...✨ Uma noite de risos, lágrimas... e algo que ninguém sabe nomear ainda (mas o corpo sente!)...
...Se você acredita que nunca é tarde demais pra florescer, então essa história é sua também....
...Se o seu secador já enxugou umas lágrimas por aí... vem com a gente! 😂...
...📝 Curta, comente, compartilhe, presenteie essa história com um vídeo, uma flor ou um carinho....
...Sua leitura é o que mantém esse coração de autora dançando! 💕...
...📲 @poemasaficos...
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Atualizado até capítulo 31
Comments
Maria Andrade
autora vc é admirável, está conduzindo a história com toda delicadeza que ela pede como sempre vc se superou parabéns
2025-07-10
1
Daiane
Você fez o luto de Aurora poesia.
2025-06-23
3
💜🦋 Fuyuki 🐺💛
🥹
2025-06-23
1