FLOR DE MARACUJÁ

Durante a semana, Aurora e Teresa continuaram trocando mensagens, pequenos áudios e figurinhas engraçadas. As aulas de dança se tornaram ainda mais agradáveis com a presença uma da outra. Entre risos e passos de forró, a amizade se fortalecia como uma planta que finalmente encontrava luz. Compartilhavam livros, histórias, e pouco a pouco, segredos.

Na quinta-feira, Aurora, em meio ao silêncio habitual da casa, decidiu convidar Teresa para um café. Estava acostumada a passar os dias sozinha, com os filhos já crescidos, a ausência definitiva de Francisco e uma rotina sem sobressaltos. Receber uma visita lhe parecia uma pequena alegria, quase infantil.

Teresa aceitou com um sorriso na voz. Disse que saía do trabalho às quatro e passaria na casa dela às cinco, e assim foi. Chegou com um livro de capa simples nas mãos — “Um amor feliz”, de Wislawa Szymborska — e um brilho leve no olhar.

Aurora abriu a porta sorrindo. A mesa da varanda já estava posta com café recém-passado e um bolo de laranja perfumando o ar.

— Trouxe um presente. — Teresa estendeu o livro.

— Gosto desse nome... — Aurora respondeu, folheando as páginas como quem manuseia um relicário. — Já ouvi falar da autora, mas nunca li.

— Esse poema aqui... — Teresa apontou. — Me fez pensar em algumas coisas.

Aurora sentou-se ao lado dela, ajeitou os óculos e, em voz pausada, começou a ler:

“Um amor feliz. Isso é normal,

isso é sério, isso é útil?

O que o mundo ganha com dois seres

que não veem o mundo?

Enaltecidos um para o outro sem nenhum mérito,

os primeiros quaisquer de milhões, mas convencidos

que assim devia ser – como prêmio de quê? De nada;

a luz cai de lugar nenhum –

por que justo nesses e não noutros?

Isso ofende a justiça? Sim.

Isso infringe os princípios cuidadosamente acumulados?

Derruba do cume a moral? Infringe e derruba, sim.

Observem estes felizardos:

se ao menos disfarçassem um pouco,

fingissem depressão, confortando assim os amigos!

Escutem como riem – é um insulto.

Em que língua falam – só entendi na aparência.

E esses seus rituais, cerimônias,

elaborados deveres recíprocos –

parece um complô contra a humanidade!

É difícil até imaginar onde se iria parar,

se seu exemplo fosse imitado.

Com que poderiam contar a religião, a poesia,

o que seria lembrado, o que, abandonado,

quem quereria ficar dentro do círculo?

Um amor feliz. Isso é necessário?

O tato e a razão nos mandam silenciar sobre ele

como sobre um escândalo das altas esferas da Vida.

Crianças perfeitas nascem sem sua ajuda.

Nunca conseguiria povoar a terra,

pois raramente acontece.

Os que não conhecem o amor feliz que afirmem

não existir em lugar nenhum um amor feliz.

Com essa crença lhes será mais fácil viver e morrer.”

Ao terminar, Aurora respirou fundo, como se aquele poema tivesse mexido em gavetas fechadas há muito tempo.

— É assim que me sinto quando vejo esses casais perfeitos nas redes sociais — murmurou. — Como se estivessem vivendo uma coisa que não é real... ou que não é pra mim.

Teresa encostou a xícara de café no pires devagar. Observava Aurora com a atenção de quem vê um espelho rachado refletir, finalmente, a própria imagem.

— Eu também já pensei isso — confessou. — Mas talvez... talvez o amor feliz não seja só aquele dos filmes. Talvez ele possa ser outra coisa. Algo que começa com uma conversa como essa.

Aurora sorriu, com os olhos marejados.

— Você acha mesmo que dá tempo? Que pode acontecer com a gente... depois de tudo?

Teresa pensou um pouco antes de responder. Não queria parecer ingênua, mas também não queria mentir.

— Eu acho que enquanto a gente continuar sentindo — disse, com a voz firme —, ainda existe uma possibilidade. Mesmo que pequena. A vida... ainda guarda coisas pra gente.

Aurora segurou o livro contra o peito e sorriu mais uma vez. Era estranho sentir aquilo. Uma ternura inesperada, um pequeno broto nascendo depois de um longo inverno.

E naquela tarde de café, poema e bolo de laranja, algo mudou. Discretamente. Silenciosamente. Como tudo que realmente importa.

...🌸...

Aurora devorou o livro em dois dias. A cada página virada, enviava um áudio empolgado para Teresa — sua voz sempre carregava aquela mistura de encantamento e surpresa, como quem descobre algo dentro de si mesma que nem sabia que existia. Comentava sobre os versos, as entrelinhas, as emoções que os poemas despertavam. Teresa ouvia cada gravação com atenção, sorrindo sozinha enquanto caminhava pela casa ou preparava o jantar. E, ao responder, sua voz era sempre tranquila, terna, como quem reconhece uma cumplicidade rara e crescente.

Estavam se conhecendo de forma inesperada — não como duas mulheres maduras trocando confidências tardias, mas como duas jovens descobrindo uma nova primavera. Uma amizade que brotava com força, firmeza e um calor estranho que, às vezes, escapava pelas bordas.

Numa noite calma, após mais um jantar simples na casa de Aurora — sopa quente e vinho suave —, Teresa se abriu. Estavam sentadas no sofá, cada uma com uma taça na mão, os pés quase se tocando no tapete.

— Eu fui casada — começou Teresa, com os olhos fixos no vidro da janela. — Mas não foi o tipo de casamento que se sonha... ele era mais velho. Era amigo do meu pai. E era o que chamavam de "boa escolha" na época.

Aurora permaneceu em silêncio, deixando apenas o som do vento preencher os espaços. Sabia que aquela confissão exigia coragem e merecia escuta.

— Ele me batia — continuou Teresa, a voz firme, mas embargada. — No começo, eu chorava todas as noites. Depois parei. Acho que... quando a gente para de chorar é quando a alma endurece. Fiquei viúva com vinte e cinco anos. E juro por Deus, Aurora... no dia do enterro, eu senti alívio.

Aurora apertou com suavidade o braço da amiga. O gesto foi leve, mas cheio de significado. Seus olhos marejaram, e por instantes pensou em dizer algo, mas preferiu apenas sentir. Teresa não precisava de conselhos ou frases feitas. Precisava ser vista, compreendida.

Naquela noite, ambas dormiram com os pensamentos embaralhados. Havia algo no ar entre elas, mas nenhuma ousava nomear.

Nas aulas de dança, a energia entre as duas só crescia. Quando a professora anunciava forró, Teresa sentia um frio na barriga. Não era apenas a música, nem os passos ensaiados. Era saber que dançaria com Aurora. O jeito como ela colocava a mão em sua cintura, a forma como guiava sem invadir, como sorria ao errar um passo. Teresa se pegava esperando por aquele contato, ansiando pelas terças e quintas como quem espera algo sagrado.

Justificava a si mesma: era amizade. Era afeto. Era conexão. E só.

Mas seu corpo, esse traidor silencioso, dizia outra coisa. E ela ignorava.

Aurora, por sua vez, notava os arrepios estranhos que surgiam com o toque de Teresa. Algo que nunca sentira nem nos anos de casamento com Francisco. Nem mesmo nas noites mais quentes, entre os lençóis. Teresa a tocava com delicadeza, mas era como se aquele toque falasse com uma parte do seu corpo adormecida há décadas. Uma parte que ela mesma julgava inexistente.

Ela afastava o pensamento com força. Dizia a si mesma que era só sensibilidade. Só a falta de contato. Só... carência.

Mas, no fundo, ambas sabiam que aquela amizade estava começando a ultrapassar a fronteira do que podiam fingir não ver.

...💌 ...

...Quem diria que um livro de poesia e um forrozinho inocente iam causar tanto arrepio, hein? 👀...

...Aurora e Teresa estão trocando livros, passos de dança e... olhares que dizem mais do que mil palavras. Será só amizade ou algo está prestes a florescer? 🌸...

...Se você também sentiu esse clima no ar, não esquece de:...

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...Segue no Insta também: @poemasaficos 💕...

...Até o próximo capítulo — e cuidado com o forró, ele pode fazer o coração bater diferente! 💃🏽❤️...

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Comments

Daiane

Daiane

estou amado!

2025-06-23

2

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