Ela estava ali.
De pé na varanda, passando a mão no balanço que ela sempre odiou.
Os mesmos olhos cor de mel.
A mesma boca.
Mas havia algo diferente.
Ela andava como quem carrega um peso invisível.
Dante apertou a mandíbula. Sentiu as plaquinhas militares pesarem contra o peito — a dele e a de Ricardo, o amigo que tombou num ataque anos atrás.
Quando o mundo desmoronou, foram elas que ele segurou para não afundar.
A barba o deixava mais velho. Talvez mais amargo.
Mas os olhos...
Os olhos ainda procuravam respostas.
"Isabel?"
Ele não disse em voz alta. Apenas pensou.
Porque a mulher diante dele era idêntica.
Mas… algo estava errado.
Isabel nunca olhava para Emily daquele jeito.
Nunca se abaixava, como ela fez agora, para escutar a filha em silêncio.
Nunca deixava os olhos se encherem d’água por vê-la brincar com a boneca.
Emily estava diferente também.
Dormiu melhor. Comeu direito.
E quando ele perguntou o motivo, ela respondeu com um sorriso pequeno:
— A mamãe voltou diferente. Agora ela gosta de mim.
Dante fechou os punhos.
Aquilo doeu mais do que qualquer ferimento de guerra.
Ele a observou pela janela da cozinha, sem dizer uma palavra.
Ela tocava os móveis com a ponta dos dedos, como se fosse a primeira vez.
Passou os dedos pela moldura da foto de Emily recém-nascida.
E chorou.
"Isabel nunca chorava." — ele pensou.
A mulher que voltou não era feita de vento.
Era feita de poeira, medo e alguma coisa parecida com... arrependimento.
Dante não era burro.
Era treinado para notar detalhes.
Cada movimento. Cada hesitação. Cada sombra no olhar.
Mas havia uma parte dele — a parte quebrada que ainda amava — que queria acreditar.
Queria tanto.
E foi por isso que ele não disse nada.
Apenas encostou no batente da porta e murmurou:
— O café tá pronto. Quando quiser… pode entrar.
Ela se virou.
E, pela primeira vez, o olhou nos olhos.
Havia algo ali.
Uma verdade ainda não dita.
Mas também outra coisa.
Algo que Dante nunca viu em Isabel.
Medo.
E ternura.
Mais tarde, quando Dante subiu para o quarto, ela estava tentando vestir a camisola.
Seu semblante era de dor.
— Posso ajudar? — ele perguntou.
Ela o olhou, assustada.
Dante não insistiu.
Apenas pegou uma camisa dele.
Se aproximou com calma.
Tirou a toalha dela lentamente.
E partiu seu coração vê-la se encolher.
Seus olhos se fixaram nos ombros dela.
Por um tempo.
Como se buscasse algo.
Ou como se tivesse deixado de encontrar.
Nos roxos. Nas cicatrizes.
Nas histórias que ainda não tinham sido contadas.
Sem dizer nada, deslizou a camisa sobre o corpo dela.
Abotoou os botões com cuidado.
Depois pegou a escova.
E penteou seus cabelos com gestos leves, quase reverentes.
Ela chorou.
Ele a trouxe para seu abraço.
E por um segundo...
Ele quis que fosse verdade.
Mesmo que
não fosse Isabel.
Mesmo que tudo fosse mentira.
Ele só queria que ela ficasse.
Por Emily.
Por ele.
***
Cena Extra – Emily
Eu sou Emily.
Tenho quatro anos. Meu pai diz que sou corajosa.A Luna, minha boneca, diz que sou mágica.Mas eu acho que sou só... eu.
A casa é grande, mas faz barulho de tristeza quando fica silenciosa.A cozinha tem cheiro de biscoito queimado e saudade.E o meu pai...Ele sorri, mas não sorri de verdade. Acho que nem eu.
Esses dias, eu pedi ao Papai do Céu uma mamãe.Uma que enchesse a casa de alegria.Que fosse o coração daqui.Que cuidasse de mim, do papai, do Thor (nosso cachorro) e da Luna.
Minha mãe foi embora.Eu lembro do dia que ela não voltou.O papai disse que ela precisava de um tempo.Mas o tempo passou... e ela nunca voltou.
Até que um dia, ela apareceu. Diferente.
Ela me olhou como se estivesse me vendo pela primeira vez.Me abraçou apertado, como se tivesse medo que eu sumisse.E quando me chamou de “meu amor”, eu soube:alguma coisa estava errada.
Porque a minha mãe...ela nunca me chamou assim antes.
Mas eu não contei pra ninguém.Porque o abraço dela era quentinho.E, pela primeira vez, eu dormi sem medo.
Meu pai também percebeu.Ele olha pra ela como quem tenta montar um quebra-cabeça.
Às vezes, ele sorri.Às vezes, ele fecha os olhos como se lembrasse de alguma coisa feia.
Eu não sei se ela é mesmo minha mãe. Mas...
Se for um sonho,eu quero que dure.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 31
Comments