A cidade surgiu como um segredo enterrado nas montanhas.
Envolta pela neblina, parecia esconder mais do que mostrava. A chuva caía fina, persistente, lavando a pedra escura das casas, como se tentasse apagar pecados antigos. Mas nada ali soava limpo. O som do mundo havia desaparecido quilômetros atrás, e o único ruído que Alicia escutava agora era o das próprias batidas do coração.
Entrar naquele lugar era como atravessar um limiar — sagrado para uns, amaldiçoado para outros.
Para ela, parecia o último refúgio.
Ou a última prisão.
Quando a caminhonete de Dante parou diante da casa, Alicia encolheu os ombros.
Ali estava.
A casa.
Erguida em madeira escura e pedra, parecia observar quem ousava se aproximar. As janelas, de vidro grosso, refletiam a luz amarelada lá de dentro como olhos atentos. Da chaminé, uma linha de fumaça desenhava no céu a prova silenciosa de que havia vida.
Alicia respirou fundo.
Era aconchegante.
E, ao mesmo tempo, a intimidava.
Afinal… era o lar de outra mulher.
Agora, era o dela. A cidade surgiu como um segredo enterrado nas montanhas.
Envolta pela neblina, parecia esconder mais do que mostrava. A chuva caía fina, persistente, lavando a pedra escura das casas, como se tentasse apagar pecados antigos. Mas nada ali soava limpo. O som do mundo havia desaparecido quilômetros atrás, e o único ruído que Alicia escutava agora era o das próprias batidas do coração.
Entrar naquele lugar era como atravessar um limiar — sagrado para uns, amaldiçoado para outros.
Para ela, parecia o último refúgio.
Ou a última prisão.
Quando a caminhonete de Dante parou diante da casa, Alicia encolheu os ombros.
Ali estava.
A casa.
Erguida em madeira escura e pedra, parecia observar quem ousava se aproximar. As janelas, de vidro grosso, refletiam a luz amarelada lá de dentro como olhos atentos. Da chaminé, uma linha de fumaça desenhava no céu a prova silenciosa de que havia vida.
Alicia respirou fundo.
Era aconchegante.
E, ao mesmo tempo, a intimidava.
Afinal… era o lar de outra mulher.
Agora, era o dela.
A porta rangeu ao ser aberta.
O cheiro a atingiu primeiro: lenha queimada, couro envelhecido, café esquecido no bule. O chão de tábuas estalava sob seus passos inseguros. Cada detalhe carregava histórias. Um tapete felpudo na sala, um sofá de couro marcado pelo tempo, quadros e porta-retratos alinhados com cuidado.
Emily bebê.
Emily com dois, três, quatro anos.
Dante segurando a menina nos braços, sorrindo em algumas fotos.
Apenas uma mostrava Isabel.
Antiga. Distante.
Quase como se nunca tivesse pertencido àquele lugar.
Alicia sentiu o ar pesar nos pulmões.
Ali, tudo carregava a marca de quem já se foi.
E ela… era apenas uma sombra tentando se encaixar.
Um livro na estante chamou sua atenção. A lombada estava gasta, mas havia um marcador de páginas deixado ali, como se alguém tivesse parado a leitura no meio e nunca mais voltado. Um lenço esquecido sobre a poltrona, já sem cheiro, guardava um silêncio próprio. Pequenos vestígios. Pequenas provas de que Isabel ainda existia naquele espaço.
Alicia quis falar.
Quis explicar o inexplicável: como os documentos de Isabel foram parar em seu bolso. Como sobrevivera.
Mas quem acreditaria?
Se fosse embora, seu marido a encontraria.
E da próxima vez, ela sabia, não sairia viva.
E havia Emily.
A menina a prendia ali mais do que qualquer ameaça.
Segurar seu corpinho pequeno, ver aqueles olhos grandes e inocentes… Alicia desejava, com uma força quase desesperada, ser a mãe daquela criança.
Mesmo que não fosse.
Do outro lado da sala, Dante a observava.
Silencioso.
Os olhos azuis fixos nela como lâminas frias.
Ele não dizia nada. Não precisava.
Seu olhar media, pesava, buscava rachaduras na fachada que ela tentava sustentar.
Alicia estremecia, porque sentia: ele lembrava. Ele comparava. Ele estava procurando a mulher que partiu — e talvez tivesse acabado de encontrar uma impostora.
Quando entrou no quarto, parou.
As paredes de pedra davam ao ambiente uma solidez eterna. A cama, de madeira maciça, parecia indestrutível. A lareira ainda guardava brasas vivas. E sobre a cômoda, uma única foto: Dante com Emily nos ombros, rindo, leves, felizes.
Nada ali era dela.
Ela era uma mentira respirando dentro de uma memória.
Mas, com a mesma certeza que a fazia continuar de pé, Alicia sabia:
Mais cedo ou mais tarde, Dante pediria respostas.
E talvez, quando esse dia chegasse, já não houvesse mais mentiras suficientes para contar.
Ela estava ali.
De pé na varanda, passando a mão pelo balanço que sempre odiou.
Os mesmos olhos cor de mel.
A mesma boca.
Mas algo havia mudado.
Ela andava como se carregasse um peso invisível, uma bagagem de dias que Dante não podia tocar, mas que sentia vibrando no ar.
Ele apertou a mandíbula. Sentiu o peso das plaquinhas militares contra o peito — não só as suas, mas também as de Ricardo, amigo que tombara em um ataque anos atrás. Quando o mundo desmoronou, foram elas que o seguraram. Foram elas que impediram que afundasse.
A barba dava-lhe aparência de mais velho. Mais amargo.
Mas os olhos… os olhos ainda procuravam respostas.
“Isabel?”
Não falou em voz alta. Apenas pensou.
Porque a mulher diante dele era idêntica.
Mas algo estava errado.
Isabel nunca olhara para Emily daquele jeito. Nunca se abaixara, como agora, para escutar a filha brincar silenciosa com a boneca. Nunca deixara os olhos se encherem d’água por pequenas coisas.
Emily também estava diferente. Dormia melhor. Comia direito.
Quando Dante perguntou o motivo, ela apenas sorriu, discreta:
— A mamãe voltou diferente. Agora ela gosta de mim.
Dante fechou os punhos. O golpe veio mais fundo que qualquer ferimento de guerra.
Ele a observava pela janela da cozinha, silencioso, sem um ruído. Cada gesto dela era medido, contido, quase sagrado. Passava os dedos pela moldura da foto de Emily recém-nascida, e chorava.
“Isabel nunca chorava”, pensou.
A mulher que estava diante dele não era feita de vento. Era feita de poeira, de medo… e de algo que se parecia muito com arrependimento.
Dante não era burro. Treinado para notar detalhes, via cada hesitação, cada sombra no olhar, cada pausa pequena demais para ser casual.
Mas havia uma parte dele — a parte quebrada que ainda amava — que queria acreditar. Queria tanto.
Por isso, não disse nada.
Encostou-se no batente da porta e murmurou:
— O café está pronto. Quando quiser… pode entrar.
Ela se virou. Pela primeira vez, olhou-o nos olhos.
Havia algo ali. Uma verdade ainda não dita.
E outra coisa também. Algo que Dante nunca tinha visto em Isabel: medo. Ternura. Fragilidade.
Mais tarde, quando Dante subiu ao quarto, encontrou-a tentando vestir a camisola. Seu semblante era de dor.
— Posso ajudar? — perguntou, a voz baixa, cuidadosa.
Ela o fitou, assustada. Ele não insistiu. Apenas pegou uma camisa dele, aproximou-se devagar. Tirou a toalha dela com cuidado, quase reverência, e viu seu corpo encolher.
Seus olhos se fixaram nos ombros dela. Nos roxos, nas cicatrizes, nas histórias que ainda não tinham sido contadas.
Ele deslizou a camisa sobre ela, abotoou cada botão com calma. Depois pegou a escova e penteou seus cabelos com gestos lentos, precisos, quase sagrados.
Ela chorou.
Ele a trouxe para o abraço. E, por um segundo, quis acreditar.
Quis que fosse verdade.
Mesmo que não fosse Isabel.
Mesmo que tudo fosse mentira.
Ele só queria que ela ficasse. Por Emily. Por ele.
Naquele abraço, naquelas respirações compartilhadas, um fio tênue de desejo, de dor, de amor e arrependimento, entrelaçados tão profundamente que nem ele sabia se conseguia distinguir onde terminava Isabel e começava ela.
Ele apenas segurou. Protegeu. Desejou. E esperou.
Porque no fundo, Dante sabia: algumas verdades só seriam reveladas quando fosse tarde demais.
Até às próximas linhas
G.sandles😉
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