Capítulo 4: Asas Partidas, Corações em Conflito

A manhã seguinte chegou como um soco silencioso na rotina de Luna. Os primeiros raios de sol filtravam-se pelas frestas da cortina, iluminando em tons dourados o pequeno sofá da sala, onde ele ainda permanecia adormecido, ou ao menos imóvel o suficiente para parecer. Por um momento, Luna pensou que tudo da noite anterior tinha sido apenas um delírio, um sonho estranho causado pela exaustão emocional de tantos dias iguais. Mas quando ela desceu as escadas de mansinho e viu o corpo dele ali, deitado, com o peito subindo e descendo num ritmo irregular, a realidade bateu com força. Ela se aproximou devagar, como quem teme acordar um animal selvagem, e observou mais de perto os detalhes que a noite encobria. As marcas nas costas eram profundas, como cortes que jamais cicatrizariam direito. Eram como cicatrizes vivas, abertas, e ainda manchadas de sangue seco misturado com terra. Onde antes havia asas, agora só restavam os destroços de um ser despedaçado.

Ele começou a se mover, os olhos abrindo devagar, como se a claridade o agredisse. Luna recuou instintivamente, mas permaneceu ali, observando cada movimento com atenção. O olhar dele estava carregado de desconfiança, como se estivesse pronto para lutar ou fugir a qualquer segundo. Quando os olhos dourados finalmente focaram nela, houve um instante de silêncio que pareceu se estender por minutos. Nenhuma palavra foi dita. Apenas aquele olhar penetrante, como se ele pudesse atravessar todas as camadas da alma dela e enxergar os medos, os segredos, as verdades que nem ela mesma tinha coragem de admitir. Luna respirou fundo, reunindo uma coragem que ela nem sabia que existia, e perguntou com a voz baixa: "Você... está com dor?" A resposta veio de forma seca, quase um sussurro rouco: "Sempre."

Mesmo ferido, enfraquecido e visivelmente debilitado, havia uma postura nele que transbordava força e arrogância. Ele tentou se levantar, mas as pernas cederam no mesmo instante, obrigando-o a apoiar-se no braço do sofá. Luna correu para ajudá-lo, mas o olhar que recebeu de volta foi o suficiente para congelá-la no lugar. Era um olhar de aviso, de quem já sofreu demais para aceitar ajuda com facilidade. Ainda assim, ela permaneceu próxima, pronta para segurar se ele desabasse de novo. Durante aqueles minutos tensos, o silêncio da casa parecia pesar ainda mais. A mãe dela ainda dormia no andar de cima, alheia a tudo o que acontecia na sala. Luna sabia que aquele era um segredo que não poderia durar muito tempo, mas por enquanto, cada segundo contava.

A conversa entre os dois foi curta, quase telegráfica. Ela fazia perguntas simples, tentando descobrir quem ele era, de onde vinha, o que tinha acontecido. Mas ele, evasivo, respondia apenas com palavras cortantes e frases que mais pareciam enigmas. Disse apenas que tinha caído, que estava machucado e que precisava de tempo para se recuperar. Não havia um nome... ou se havia, ele se recusava a dizer. Luna começou a criar um em sua mente, chamando-o apenas de "Ele", como se qualquer outro nome fosse insuficiente para definir o que aquele ser representava. Enquanto isso, cuidava das feridas dele com o que tinha à mão: água morna, gaze e pomadas que pareciam inúteis diante de machucados que claramente não eram de origem humana.

Mas o que mais a assustava não eram os ferimentos físicos. Era o que acontecia toda vez que ela se aproximava demais. A temperatura do ar mudava, como se a sala inteira respirasse junto com ele. Pequenas interferências elétricas faziam a lâmpada piscar e o rádio antigo da cozinha emitir ruídos estáticos sempre que ela tocava nele. Havia um campo invisível ao redor daquele corpo, como se uma força desconhecida estivesse prestes a explodir a qualquer instante. Mesmo assim, ela não conseguia se afastar. Algo nela gritava que precisava estar ali, perto, cuidando dele, protegendo-o... mesmo que a razão dissesse o contrário.

Enquanto terminava de limpar os últimos cortes, Luna percebeu que a respiração dele tinha se acalmado um pouco. O rosto, antes tenso, agora exibia uma expressão de exaustão profunda, como alguém que não dormia há dias… ou séculos. Ela se permitiu observá-lo por alguns segundos, reparando nos traços marcantes, na mandíbula bem definida, nos fios escuros de cabelo bagunçado que caíam sobre a testa suada. Era bonito, mas de um jeito quase perigoso. Como uma escultura feita por mãos divinas e, ao mesmo tempo, castigada por séculos de sofrimento. Quando ela se afastou para guardar os materiais de primeiros socorros, ouviu a voz dele ecoando, baixa, mas firme: "Por que você está fazendo isso?" Ela parou no meio do caminho, virou-se lentamente e respondeu, com uma sinceridade que até a surpreendeu: "Porque você parecia estar precisando... e eu também."

Aquelas palavras ficaram suspensas no ar, como uma promessa silenciosa. Ele não respondeu. Apenas fechou os olhos, como se quisesse guardar aquilo dentro de si. Naquele instante, Luna não fazia ideia do quanto essa conexão recém-criada mudaria o rumo de suas vidas. Ela apenas sabia que, a partir dali, nada mais seria como antes.

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