3. Ainda Tá Tremendo, Anjo?
O cheiro de gasolina, metal velho e pólvora pairava no ar.
Lucian estava encostado numa parede fria, os olhos atentos, os dedos trêmulos no bolso do casaco.
Ryan havia dito: “Só observa. Hoje, você é sombra.”
Mas a cena diante dele fazia tudo parecer pessoal demais.
Três homens estavam ajoelhados, mãos amarradas, olhos vendados.
Um deles tremia. O outro chorava baixinho. O terceiro murmurava alguma oração.
Estava sentado. Perna cruzada. Copo de uísque na mão.
Assistia tudo como se fosse uma peça de teatro entediante.
Lucian queria falar. Perguntar. Correr.
Mas ficou.
Ficou porque algo nele precisava entender até onde aquele mundo ia.
E porque Ryan o encarava de vez em quando — como se estivesse avaliando o quanto ele aguentava antes de quebrar.
Um dos homens de Ryan se aproximou dos ajoelhados com algo nas mãos. Lucian só percebeu o que era quando ouviu o barulho seco da pancada.
Lucian respirou fundo, virou o rosto. Mas Ryan já estava lá, ao seu lado, quase como se tivesse lido a mente dele.
Ryan
Isso assusta? — sussurrou, a voz baixa, mas quente no ouvido.
Ryan
Você ainda não viu nada, anjo. Isso aqui é só... barulho.
A parte mais feia é o silêncio depois.
Lucian virou o rosto para ele. O olhar era duro, mas o coração estava disparado.
Lucian
Por que me trouxe aqui?
Ryan olhou fundo, com calma.
Ryan
Porque quero ver o que te quebra. E o que te excita.
Foi rápido. Um movimento quase invisível. Mas o toque veio — uma mão fria e firme pousou na cintura de Lucian, puxando-o um centímetro para mais perto.
Só um centímetro. Mas foi o bastante.
Talvez por orgulho. Talvez por curiosidade. Ou talvez porque o cheiro de Ryan — aquele misto de fumaça, couro e pecado — já estivesse entranhado demais nele.
Ryan
Tá com medo de mim? — Ryan perguntou, voz rouca, baixa.
Lucian mordeu o lábio, ainda encarando os olhos cinzentos.
Não respondeu. Não precisava.
Ryan se aproximou mais, e a boca dele chegou perto da pele do pescoço de Lucian.
Não beijou. Não tocou. Só pairou. Só ameaçou.
E isso foi pior. Muito pior.
Ryan sorriu, como se sentisse cada reação dele — como se controlasse tudo.
Ryan
O medo fica bonito em você, anjo.
E então ele se afastou. Voltou para o meio da sala como se nada tivesse acontecido.
Lucian ficou parado, respirando como se tivesse corrido quilômetros.
O som de outro grito cortou o ar.
Mas agora, o que mais ecoava dentro dele era a voz de Ryan.
E o pior?
Ele queria ouvir mais.
A aula já tinha começado, mas Lucian não conseguia focar.
A caneta tremia entre os dedos.
As palavras no quadro pareciam sem sentido.
Nada parecia real desde ontem.
Ele lembrava do sangue no chão. Dos olhos vendados.
Mas, mais do que isso, lembrava do jeito como Ryan sussurrou no ouvido dele.
Do quase-toque. Do quase-beijo. Do quase-ataque cardíaco.
A voz dele ainda estava ali, martelando na mente.
Lucian não sabia se odiava ou queria ouvir de novo.
Daniel
Ei, Lucian — chamou Daniel, cutucando seu ombro.
— Você tá aqui ou viajando?
Daniel
Você tá estranho, mano. Nem olhou pro quadro em meia hora. E não me vem com esse papo de “só cansaço”.
Lucian fechou o caderno com força.
Lucian
Depois a gente conversa, beleza?
Daniel ergueu as mãos, rendido, e voltou a rabiscar o próprio caderno.
Lucian pegou o celular e digitou sem pensar.
Lucian
“O que você quer comigo, Ryan?”
A resposta veio em segundos.
Ryan
“Vira à esquerda no final do corredor. Agora.”
O coração de Lucian deu um salto.
Levantou antes de pensar duas vezes.
O corredor estava vazio, como se o tempo tivesse pausado.
Ryan estava encostado na parede, de braços cruzados, com o mesmo sorriso lento de sempre.
Ryan
Que saudade do seu jeitinho obediente.
Lucian parou a alguns passos dele.
Lucian
O que você tá fazendo aqui?
Ryan
Te observando — disse Ryan. — Preciso ver se o trauma passou. Ou se ainda tá transtornado.
Lucian cruzou os braços, defensivo.
Lucian
Ontem você me levou pra uma cena de tortura e tentou me seduzir no meio do sangue.
Desculpa se isso não some da noite pro dia.
Ryan arqueou uma sobrancelha.
Ryan
Eu não tentei. Você que ficou parado esperando. De olhos fechados, até.
Lucian corou. O sangue subiu até as orelhas.
Lucian
Eu... não... — começou, mas Ryan interrompeu.
Ryan
Você quer uma explicação, Lucian?
Tá bom. Você me atrai. Me irrita. Me intriga. E eu quero você do meu lado, porque nunca vi ninguém se segurar tanto… com os olhos queimando daquele jeito.
Lucian sentia o ar pesar entre eles. A raiva lutava com o desejo, o medo com a curiosidade.
Lucian
Você é doente — murmurou.
Ryan
E você é viciado no meu veneno.
Faz o quê com isso?
Lucian não respondeu.
Mas também não recuou.
Ryan
— Ainda tá tremendo, anjo?
Lucian olhou nos olhos dele.
Lucian
Eu não vou entrar nesse jogo.
Ryan sorriu, sussurrando:
Lucian ficou ali, respirando rápido, tentando entender se aquilo era um flerte, uma ameaça ou um aviso.
Talvez fosse tudo ao mesmo tempo.
Ryan
Vamos logo. Preciso de você
A tensão entre eles ainda não tinha sumido.
Nem se dissolvido.
Ela só mudou de forma — de palavras afiadas para silêncios densos.
Lucian entrou no carro e bateu a porta. Ryan ligou o motor sem dizer nada.
O rádio tocava algo instrumental e sombrio. Lucian ajeitou o cinto sem tirar os olhos da estrada à frente.
Lucian
Vai me contar o que tá acontecendo ou só quer minha companhia como da última vez mesmo?
Ryan deu um sorrisinho, mas não era divertido. Era tenso. Amargo.
Ryan
Os Jäger invadiram um armazém nosso. Estavam atrás de armas, mas… parece que alguém os avisou de algo maior. Eu preciso saber quem.
Lucian virou o rosto pra ele.
Lucian
Tá dizendo que tem um traidor entre vocês?
Ryan não respondeu. Só apertou o volante.
Lucian
Você acha que fui eu? — Lucian perguntou, seco.
Ryan
Se eu achasse, não estaria te levando comigo.
Ryan
Ou já estaria com uma arma apontada pra sua cabeça.
Lucian
E quem disse que você conseguiria puxar o gatilho?
Ryan olhou de relance, e dessa vez o sorriso foi quase... orgulhoso.
Ryan
Gosto quando você responde.
Lucian
Eu sempre fui real. Você que só via o que queria.
Ryan
Fica perto. É território dos Jäger.
Qualquer movimento errado, e a gente vira alvo.
De expectativa, de caos e de saber que estava, mais uma vez, se jogando de cabeça nisso tudo.
Dentro do galpão, o cheiro era de óleo, pólvora e ferrugem.
Ryan andava com confiança. Lucian, com os olhos em tudo.
Logo ouviram vozes abafadas.
Ryan
Ali — Ryan apontou com a cabeça.
Ryan
Dois dos nossos estão cercados.
Ryan
E ali no fundo... os Jäger. Quatro caras, armas em punho. Mas tem um problema.
Ryan
Eu conheço todos. Esse não.
Lucian apertou os olhos e então viu.
Lucian
Esse cara… eu já vi ele antes.
Lucian
Ele tava rondando a faculdade semana passada. Perto da quadra.
Ryan olhou com mais atenção. A tensão aumentou.
Ryan
Filho da put@. Estavam me espionando por sua causa.
Lucian
Por minha causa? — Lucian virou de frente.
Lucian
Eu nem sabia que eles existiam até você me arrastar pro seu mundo, lembra?
Ryan
Eles sabem que você importa.
Ryan
E isso te torna uma fraqueza.
Lucian
Não sou sua fraqueza — Lucian respondeu, firme. — E também não sou sua posse.
Ryan encarou. Sério. O rosto a centímetros do dele.
Lucian
Não é você que manda em mim — Lucian continuou, a voz baixa e cortante. — Então se quer minha ajuda, aprende a lidar com isso.
Ryan
E se eu disser que não quero lidar?
Ryan
Que eu quero controlar tudo, inclusive você?
Lucian
Então pode ir se fod*r.
Lucian
Porque a única coisa que você vai conseguir é me perder.
E então, lá fora, um tiro.
Lucian e Ryan se viraram ao mesmo tempo.
Ryan
Depois a gente termina essa conversa — Ryan murmurou. — Se nenhum de nós morrer.
Eles correram juntos para o som da confusão.
Comments