2. O Favor
Faziam duas semanas desde o beco.
Duas semanas desde o olhar cinza e a ameaça disfarçada de flerte.
Duas semanas desde que Lucian perdeu o controle — mesmo fingindo que não.
Mas o mais irritante era como o nome dele ainda tinha gosto.
O nome pairava na mente de Lucian como fumaça de cigarro que não ia embora. Entrava pelos pulmões, queimava devagar.
Daniel
Você não tá ouvindo nada do que eu tô dizendo, né? — disse Daniel, largado no sofá do pequeno apartamento que dividiam. — Tô falando da Rayza! A mina me deu um fora com classe, mano. Classe e raiva. Você tinha que ver.
Lucian piscou, voltando à realidade.
Lucian
Foi mal, tô cansado.
Daniel
Cansado ou assombrado?
Lucian lançou um olhar rápido. Daniel levantou as mãos.
Daniel
Tô brincando. Quer dizer… mais ou menos. Desde aquela noite, você anda estranho. E nem fala mais do Ryan. O que aconteceu entre vocês dois?
Lucian se levantou, indo direto para a pia da cozinha.
O nome dele de novo. O sabor de perigo na boca.
Lucian
Nada aconteceu, Daniel. Eu só impedi que você levasse uma surra. Só isso.
Mas a verdade é que algo sim aconteceu. Algo que ele não conseguia esquecer.
O toque firme no queixo. O calor do corpo próximo. Os olhos que enxergavam mais do que deviam.
E a pior parte: Lucian tinha sentido alguma coisa ali. Um desejo envenenado. Uma fome que ele passou a vida inteira tentando sufocar.
Ele ligou a torneira e deixou a água correr nas mãos, como se pudesse apagar o calor que ainda sentia.
Foi quando o celular vibrou.
Mensagem recebida:
> "Dívidas se cobram, anjo. Tá na hora do seu favor."
O coração de Lucian deu um salto. Não precisava de assinatura. Sabia quem era.
E talvez, no fundo, ele quisesse essa mensagem desde o primeiro segundo que saiu daquele beco.
A mensagem ficou na tela por tempo demais.
Lucian encarava aquelas palavras como se fossem dinamite.
"Tá na hora do seu favor."
Podia apagar. Fingir que não viu. Jogar o celular na parede.
Mas, no fundo, já sabia que ia responder.
Porque parte dele queria ir.
A rua onde Ryan marcara o encontro parecia saída de um pesadelo úmido e escuro.
Fábrica abandonada. Silêncio quebrado só pelo zumbido de lâmpadas quebradas piscando no alto.
Lucian desceu da moto com o coração batendo forte — e não só de medo.
Era raiva. Era ansiedade. Era desejo escondido sob mil camadas de autopreservação.
Encostado na parede, cigarro entre os dedos, expressão preguiçosa demais pra quem comandava gangues e ameaçava vidas.
Quando viu Lucian, ele sorriu. Devagar. Como se estivesse esperando por ele há dias — ou pior, como se soubesse que Lucian viria.
Ryan
Você veio — disse Ryan, como quem ganha uma aposta.
Lucian
Você disse que era o favor.
Ryan
É — respondeu o outro, apagando o cigarro no chão. — E antes que seu cérebro decente vá longe demais... não vou te pedir pra matar ninguém. Ainda não.
Lucian
Que reconfortante. — revirou os olhos
Ryan deu dois passos. Parou bem perto. Os olhos o examinavam como se pudessem abrir sua pele.
Ryan
Eu preciso de alguém inteligente. Que saiba calar a boca. E que eu possa controlar com um dedo. Você serve.
Lucian
Controlar? — Lucian cerrou os olhos. — Eu não sou um dos seus cães.
Ryan encostou um dedo no peito dele, firme.
Ryan
Não. Você é muito mais divertido que eles. Por isso eu quero você do meu lado. Só por um tempo. Em silêncio. Sem perguntas.
Lucian
E se eu disser não?
Ryan sorriu, inclinando-se até que suas bocas quase se tocassem.
Lucian odiava como o corpo reagia ao tom dele. Ao cheiro dele. Àquela aura que dizia “você tá ferrado” e ainda assim fazia parecer convite.
Lucian
O que eu tenho que fazer? — ele perguntou, enfim.
Ryan deu um passo pra trás, satisfeito.
Ryan
Só assistir hoje. Observar. Ficar no canto.
Se for esperto, vai aprender rápido.
Se for burro... bom, a gente vai se divertir também.
Ele estava entrando num mundo onde não pertencia. Mas parte dele... queria pertencer.
Vem, anjo. Hoje é só o começo.
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