Jimin mal havia apertado a campainha quando a porta se abriu, como se alguém já estivesse ali esperando. E, de certo modo, estava.
— Oppa! — Jieun sorriu, apoiando-se no batente da porta com aquele ar doce e encantado que ela sempre usava com ele.
Ela era linda — isso Jimin não podia negar. Os cabelos escuros caiam lisos pelos ombros, o batom rosa combinava com o brilho nos olhos e a camiseta larga deixava à mostra só o suficiente da clavícula para parecer um descuido proposital. Ele já conhecia esse jogo.
— Oi, Jieun — ele respondeu, com um sorriso educado.
— Jungkook está se vestindo ainda, ele estava tomando banho — disse ela, com a voz leve, quase cantada. — Mas entra! Eu faço companhia até ele descer.
Jimin hesitou por um segundo, mas entrou. Era difícil negar alguma coisa a ela sem parecer grosseiro. Ela conduziu-o até a sala como quem conduz algo valioso, e se sentou ao lado dele no sofá com uma proximidade ensaiada.
— Faz tempo que você não vem aqui — ela comentou, ajeitando o cabelo atrás da orelha. — Estava com saudade.
— Aham… — Jimin respondeu, mantendo os olhos fixos na mesinha de centro.
Ela cruzou as pernas, o joelho roçando “acidentalmente” no dele, e riu baixo.
— Você nunca me responde direito, sabia? Isso é porque eu sou a irmã caçula chata do seu amigo?
Jimin desviou o olhar e tentou sorrir, mas havia um desconforto preso em sua garganta. Ele sabia que Jieun era esperta. Sabia também que o sentimento dela por ele ia além de uma simples admiração adolescente — mas aquilo não o movia em nada.
Porque ela não era o Jungkook.
Jieun era tudo o que seus pais aprovariam: bonita, educada, simpática, com planos de entrar na faculdade. O tipo de garota que sua mãe adoraria como nora. Mas ela não tinha os olhos de Jungkook. Não tinha a risada rouca no meio da madrugada, nem o jeito estabanado de ser gentil. E o principal, não o fazia queimar por dentro só com um olhar.
— Você devia dar uma chance pra mim, Jimin-oppa — disse ela, num tom brincalhão. — A gente podia se dar bem, sabia?
Antes que ele pudesse responder, um pigarro seco cortou o clima.
— Tô interrompendo alguma coisa? — Jungkook apareceu no topo da escada, vestindo uma camiseta preta folgada e cabelos um pouco molhados. O olhar estava cravado na irmã, e havia algo nele que Jimin não conseguiu identificar de imediato — algo entre ciúmes e impaciência.
Jieun deu um sorriso amarelo.
— Nada demais. Só conversando com o Jimin-oppa.
— É mesmo? Pensei que você tinha uma festa do pijama hoje.
Ela piscou, e por um segundo pareceu hesitar.
— Ai, verdade! — disse, se levantando de um salto. — Quase que eu me atraso. Nossa, minhas amigas iam me matar.
Ela se aproximou de Jimin, inclinando-se e deixando um beijo leve na bochecha dele.
— Até mais, oppa — sussurrou, sorrindo.
Depois virou-se para o irmão com um aceno preguiçoso e sumiu pela porta. Jungkook rolou os olhos e desceu os últimos degraus.
— Desculpa por ela — disse, com um suspiro. — Ela vive nesse mundo de fantasia onde você vai se apaixonar perdidamente e casar com ela.
— Eu percebo — Jimin respondeu, seco. Mas o tom não era só de desconforto — havia também... frustração. Como se tudo aquilo fosse um lembrete inconveniente do que ele deveria querer. Do que os outros esperavam que ele quisesse.
Jungkook parou diante dele, com uma expressão que suavizou aos poucos. E então, sem aviso, Jungkook segurou o rosto de Jimin entre as mãos e o beijou.
Foi um beijo com gosto de urgência, de saudade. Jimin respondeu com tudo o que segurava há dias — o aperto no peito, a confusão, o desejo e a lembrança daquele primeiro toque que não conseguia esquecer. Seus lábios se encaixaram com pressa, os corpos se aproximaram num impulso inevitável.
Era como voltar para casa depois de se perder no caminho.
Jungkook murmurou contra sua boca:
— Eu mandei mensagem, mas não tinha certeza se você viria.
Jimin respirou fundo, ainda colado a ele.
— Eu venho. Eu sempre venho, você sabe disso.
— É, eu sei. E eu adoro. — Beijou-o Novamente.
Só aquela simples troca de afeto fez o mundo parar de pesar, mesmo que por breves momentos.
{...}
Os dias passaram simples, encontros no terraço onde se conheceram quando ainda eram garotos, caminhadas até a sorveteria do bairro, risadas jogadas ao vento como se o mundo não existisse além deles dois. Aos poucos, o que até pouco tempo atrás era apenas uma amizade foi ganhando contornos mais suaves, olhares demorados e mãos que se tocavam por segundos a mais do que deveriam.
Ninguém falou nada no começo. Ninguém nomeou aquele algo. Mas estava ali, pulsando entre eles.
🍂
Jimin olhava Jungkook com aquele sorriso pequeno, meio envergonhado, meio apaixonado. Às vezes, quando estavam sozinhos no quarto de Jungkook, ele esquecia do mundo. Esquecia das regras. Esquecia do que a sociedade esperavam dele.
Mas bastava ouvir passos no corredor, uma voz qualquer na rua, para lembrar-se de tudo, do quanto era perigoso se deixar ser visto daquela forma. De quantas vezes, ele já viu olhares carregados de desprezo dirigidos a quem ousava amar diferente.
Mas mesmo assim, não parava de se permitir. Porque Jungkook fazia tudo parecer fácil.
"Me fala que isso não é só coisa que inventei na minha cabeça... E a gente tá aqui, agora, juntos." Jungkook sussurrou uma vez, as mãos segurando as bochechas de Jimin, os olhos tão perto que Jimin conseguia contar cada cílio dele.
"Se for, acho que eu também estou inventando cenários." Jimin falou e o beijou.
🍂
Houve ciúmes também. Especialmente quando Jieun, tão doce e cheia de vida, começou a aparecer mais. Ela sorria demais para Jimin. Se ajeitava no banco da igreja quando ele passava. Trazia marmitas "sobrando" para ele nos dias em que sabia que estava trabalhando demais.
"Acho que sua irmã tá tentando me sequestrar pra ela." Jimin brincou certa vez, mexendo no cabelo enquanto olhava Jungkook.
Por fora, um sorriso. Por dentro, Jungkook apertava os punhos, com o coração disparando. O medo de perder Jimin era algo constante em seu coração, e esperava que seus medos nunca se concretizassem.
🍂
A primeira noite veio numa dessas madrugadas onde o mundo parece estar em silêncio absoluto. Não foi planejado. Não foi combinado. Apenas... aconteceu.
No quarto de Jimin, as luzes estavam apagadas, deixando apenas o brilho da lua atravessar a janela. Eles se olhavam como quem olha um universo inteiro. As mãos trêmulas, beijos mais demorados, carícias que, até então, eram só imaginadas.
"Tem certeza...?" Jimin perguntou, a voz baixa, quase falhando.
"Tenho. Tenho certeza Desde o dia em que te beijar era apenas um pensamento." Jungkook respondeu, segurando o rosto dele com tanta delicadeza que parecia que Jimin poderia se desfazer ali.
E naquela noite, entre lençóis amarrotados, mãos ansiosas e corações batendo descompassados, eles se descobriram por inteiro. Descobriram que o amor talvez pudesse ser mais forte que qualquer medo.
🍂
Os pais de Jimin adoravam Jungkook. Sempre adoraram. Achavam lindo como ele era educado, prestativo, como fazia questão de ajudar a mãe de Jimin a lavar a louça ou de rir das piadas velhas do pai dele.
"Esse menino é uma benção na sua vida, Jimin."
A mãe dele dizia, acariciando seu cabelo enquanto eles cozinhavam juntos.
Eles não sabiam, não ainda, que aquele "amigo tão querido" já era muito mais que isso.
E, por vezes, isso fazia o estômago de Jimin revirar de culpa. Porque parte dele desejava gritar pro mundo inteiro "Eu o amo!", mas outra parte tremia só de pensar no que viriam depois. No que diriam. No que fariam.
🍂
Enquanto isso, Jieun seguia com seu coração ingênuo e cheio de esperança. Ela sonhava acordada. Sonhava com o dia em que Jimin a veria além da irmã do amigo, além da garota do bairro.
Ela não sabia. Não sabia que aquele amor já tinha dono. Ou, talvez, soubesse. Mas quando se ama, a gente se permite sonhar, mesmo que lá no fundo uma parte saiba que não vai acontecer.
E assim passaram os meses. Com piqueniques escondidos, tardes jogando conversa fora no terraço, beijos roubados no escuro, risadas cúmplices e olhares que diziam mais que qualquer palavra.
O verão parecia eterno.
{...}
A igreja estava cheia naquela noite, como sempre. Os bancos de madeira rangiam sob o peso dos fiéis, apertados lado a lado como sardinhas em conserva, dividindo calor e fé. O coral entoava harmonias celestiais, tão perfeitas que pareciam flutuar, como se Deus estivesse mesmo ali, escutando. Os vitrais tingiam o chão com cores suaves, azuis, vermelhos, dourados, criando desenhos que se moviam conforme o sol se despedia do céu.
Era um lugar feito para trazer paz.
Mas Jimin só sentia opressão.
Sentado entre os pais, sua postura era impecável. O cabelo arrumado com gel, a camisa abotoada até o colarinho, as mãos repousando sobre os joelhos como um bom filho. Mas por dentro, ele se desfazia em fragmentos.
Tudo vinha atona nele, o gosto de Jungkook, o peso de seus toques, a forma como seu nome escapava em meio a beijos. Era como um segredo tatuado na pele, que não podia mostrar, mas também não conseguia esquecer.
A voz do pastor ecoava no microfone, pregando sobre salvação, pureza, e o caminho estreito do justo. Jimin ouviu sem ouvir. Cada palavra era uma lembrança da culpa que carregava no peito, como uma pedra afundando mais a cada dia.
Então, algo quebrou o ritmo solene da noite.
Uma movimentação brusca. Murmúrios desconfortáveis.
Jimin piscou, voltando do transe, e virou o rosto para a lateral. Um homem grande, imponente, avançava pelo corredor segurando o braço de um garoto — seu filho, talvez. O garoto era franzino, parecia mais novo que Jimin, com o rosto vermelho de vergonha e os olhos marejados de quem já havia chorado demais.
O homem parecia furioso. O filho, resignado.
— Pastor! — vociferou, a voz preenchendo cada canto do templo como um trovão. — Esse menino... esse pecador... é meu filho. Ele está se envolvendo com outro homem! Está perdido! Precisa de libertação!
O silêncio que se seguiu foi tão denso que parecia absorver o ar.
Jimin prendeu a respiração.
O pastor desceu do altar com passos largos, decidido, como um herói prestes a vencer o vilão de uma história já contada.
— Vamos libertar seu filho da escuridão — disse com convicção, colocando a mão sobre a cabeça do garoto. — Em nome de Jesus, vamos arrancar esse demônio pela raiz!
E então começaram os cânticos. Fortes. Urgentes. As vozes da congregação se ergueram como um muro de som. Mãos foram levantadas. Línguas estranhas se espalharam pelo ambiente como labaredas invisíveis.
Mas para Jimin... aquilo era um pesadelo.
O coração batia rápido demais. Alto demais. Como se quisesse escapar do peito. Ele olhava para aquele garoto — os olhos assustados, a boca tremendo, o corpo exposto como um troféu de vergonha — e era como olhar para si mesmo. Como se estivesse vendo um espelho de tudo o que temia.
Poderia ser eu.
Poderia ser agora.
O estômago virou. A garganta fechou. Quis levantar e gritar. Quis arrancar aquele garoto dali, esconder os dois debaixo de algum lugar seguro, longe do ódio disfarçado de fé. Mas não se moveu. Não conseguiu.
Ficou ali. Imóvel.
Como uma estátua feita de medo.
Sentiu o toque da mãe em seu ombro, leve, como se tivesse medo de quebrá-lo.
— Jimin? — ela sussurrou, com os olhos preocupados.
Ele não respondeu. Os dedos apertavam com força os joelhos, os lábios estavam pálidos.
O pai o observava por cima dos óculos. Não disse nada. Mas Jimin viu algo em seus olhos. Algo difícil de decifrar — talvez confusão, talvez suspeita. Ou talvez só o reflexo de si mesmo: um filho que já não cabia na moldura que a família esperava.
— Vamos pra casa — a mãe disse, baixinho.
Ele se deixou guiar como quem anda por dentro de um sonho ruim.
{...}
O silêncio dentro de casa era ensurdecedor. O barulho da porta fechando soou como um ponto final. O pai foi tirar os sapatos, a mãe sumiu na cozinha, tentando encontrar conforto em hábitos automáticos.
— Vou fazer um chá — anunciou, a voz doce e contida, como se falasse com um bichinho assustado.
Jimin permaneceu no mesmo lugar. O coração ainda batia forte. A respiração ainda era curta.
Quando ela voltou com a xícara, ele só conseguiu balançar a cabeça.
— Não quero — murmurou. E foi tudo que conseguiu dizer.
Subiu as escadas como quem sobe uma montanha. Cada degrau era um peso. Um julgamento. Um “e se”.
Trancou a porta do quarto.
E desabou.
Se jogou na cama e encarou o teto como se houvesse alguma resposta ali. Mas só encontrou o silêncio. E a dor.
Tudo parecia mais real agora. Mais feio. Mais cruel.
E Jimin entendeu, pela primeira vez com clareza, que se amar Jungkook era pecado para o mundo em que nasceu... então o mundo estava quebrado. E não ele.
Mas isso não tornava tudo mais fácil.
Só tornava mais solitário.
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Atualizado até capítulo 24
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