Capítulo 2

Alguns dias haviam se arrastado desde o beijo — aquele que mudou tudo e que, agora, fingiam não ter existido. O clima entre eles, nos primeiros momentos, era tenso, desconfortável, como se qualquer olhar mais longo pudesse trazer tudo à tona outra vez.

Mas Jungkook, determinado a não perder Jimin de jeito nenhum, fez o que ele pediu: Agiu como se nada tivesse acontecido.

E Jimin, por mais que dissesse a si mesmo que era melhor assim, não podia evitar uma pontada de decepção por dentro. Parte dele admirava a leveza com que Jungkook lidava com a situação, como se fosse fácil. Mas outra parte... Bem, a outra parte queria que não fosse.

Queria que aquilo tivesse significado algo. Que continuasse a significar.

Por fora, no entanto, tudo parecia ter voltado ao normal.

O ventilador girava com um ruído cansado, soprando ar morno pelo quarto abafado. As folhas do trabalho de história jaziam pelo chão, largadas e espalhadas, como se representassem a bagunça emocional que Jimin sentia.

Jungkook estava sentado de pernas cruzadas na cama, concentrado num picolé de uva com uma dedicação quase absurda. A testa franzida, a língua passando lentamente ao redor da borda, como se limpasse cada traço de doçura do mundo.

Jimin deveria estar prestando atenção nas anotações espalhadas ao seu redor. Deveria.

Mas seus olhos estavam presos no movimento dos lábios de Jungkook — tingidos de roxo, brilhando com umidade, entreabertos para a próxima lambida. Cada vez que a língua dançava pela base do sorvete, Jimin sentia seu corpo reagir. Um calor lento, quase entorpecente, se espalhava do estômago para as extremidades.

— Pare com isso.

— Pare com o quê, hyung?

Jimin quase respondeu. Alto. Mas então percebeu que Jungkook não tinha dito nada. Era só sua cabeça. Sua maldita consciência tentando gritar por cima do desejo.

— ...e aí eu acho que a gente pode colocar isso no slide final. O que você acha, hyung? Hyung?

Jungkook o olhava, com a cabeça inclinada, os olhos grandes e atentos. O picolé agora era só um restinho de roxo derretendo na madeira da palheta.

Jimin piscou, como se acordasse de um transe.

— Sim. Slide. Certo.

Mentira. Não tinha ouvido nada.

Seu olhar seguia a gota de suor que descia pelo pescoço de Jungkook, parando bem na clavícula, que espiava pela gola frouxa da camiseta.

Não faça isso. 

Você não pode. 

É errado.

Mas então Jungkook passou a língua pelos lábios, recolhendo o último vestígio de doce, e alguma coisa dentro de Jimin se partiu ao meio.

Ele não pensou. Só agiu.

Avançou, segurou o rosto do outro com as duas mãos e o beijou.

O gosto de uva explodiu entre os dois.

Jungkook congelou por uma fração de segundo — olhos arregalados, como se o mundo tivesse saído do eixo. E talvez tivesse mesmo. Mas antes que Jimin pudesse se afastar, o corpo do mais novo reagiu.

Com um puxão firme, colou Jimin contra si.

A paleta do picolé caiu no chão com um baque leve, mas ninguém notou.

Jungkook o beijava como vivia: com intensidade. Uma mão na nuca, a outra agarrando sua cintura como se tivesse medo de perdê-lo. Jimin se afundou naquele beijo, deixava-se levar, afogava-se no gosto doce, na urgência, na entrega.

Era diferente do primeiro. Não havia hesitação, nem medo. Só desejo, só eles.

Quando se afastaram, ofegantes, as testas encostadas, Jungkook sorriu — aquele sorriso largo que sempre fazia Jimin querer sorrir também, mesmo contra a própria vontade.

— Eu tava achando que você não ia fazer nada hoje — murmurou, com a voz rouca de desejo contido.

Jimin bufou, tentando manter a pose, mesmo com o rosto quente.

— Eu não ia. Você é insuportável, sabia?

Jungkook riu. Um riso leve, íntimo, que dizia tudo sem precisar de palavras. E então puxou Jimin de volta para outro beijo.

O trabalho da escola? 

Ficaria para depois. 

O verão... estava só começando.

{...}

A mesa de jantar estava farta — arroz recém-cozido soltando vapor, fatias de kimchi vibrando em tons de vermelho vivo, a sopa de doenjang espalhando um cheiro familiar pelo cômodo. Era o tipo de refeição que Jimin normalmente apreciava, cheia de calor, cuidado e tradição. Mas naquela noite, tudo parecia sem gosto. Cada mastigada, era uma tortura lenta, cada grão de arroz virava pedra em sua garganta.

Ele fingia mastigar, fingia escutar, fingia respirar.

— Ela vai ter um casamento lindo, na igreja. Você vai gostar, Jimin. Acho que você até arruma uma namoradinha por lá — Sua mãe disse, com aquele tom doce e animado que cortava como faca.

Jimin não levantou os olhos. Sentiu os hashis escorregarem um pouco entre os dedos úmidos de suor, mas segurou firme. Com força. Os nós dos dedos empalideceram.

Ele não precisava olhar para saber que o pai o observava por cima do jornal. Sempre fazia isso. Fingia estar absorto nas colunas esportivas, mas sua vigilância era constante, sutil como uma sentença silenciosa.

— Eu não tô procurando namorada, mãe — disse, tentando soar casual. Mas sua voz saiu dura, quase áspera, como se ele estivesse cuspindo cacos de vidro.

A mãe riu baixinho, e o som foi quase cruel, mesmo sem intenção.

— Ah, mas devia! Um rapaz bonito como você… — Ela deu um leve empurrão no ombro do marido, que resmungou uma concordância automática sem tirar os olhos das manchetes.

Jimin encarou o kimchi no prato. As cores eram tão intensas, tão vivas, que doíam. Vermelho como o sangue correndo em suas veias, como a culpa que queimava seu peito, como os lábios de Jungkook depois de um beijo.

E, por um momento, ele imaginou. Imaginou as palavras escapando sem controle, caindo como uma bomba no meio do arroz e da sopa.

"Na verdade, eu beijei o Jungkook. E quero fazer de novo. E se eu fosse namorar alguém, seria ele."

O pensamento foi tão claro, tão absurdo e real ao mesmo tempo, que ele sentiu o estômago revirar.

O ar pareceu sumir dos pulmões. 

É errado. Você sabe que é errado.

Dois homens não se beijam. Não se amam.

Não nesse mundo. Não nessa casa.

Ele engoliu seco. O suor nas costas escorria preguiçoso, traçando uma linha incômoda por baixo da camiseta.

— Você está quieto hoje — a mãe disse, erguendo os olhos para ele com atenção demais.

Ela sabe?

Não. Claro que não. Mas...

E se soubesse?

Jimin deu de ombros, forçando um meio sorriso que nem chegou aos olhos.

— Só estou cansado — murmurou, girando o tofu na sopa sem intenção de levá-lo à boca.

O celular vibrou no bolso, fazendo seu coração dar um salto desajeitado. Esperou a mãe se levantar para começar a limpar a mesa, seus passos ecoando levemente na cozinha, antes de pegar o aparelho com dedos trêmulos.

[JK] Vem aqui. Meus pais saíram.

Simples. Direto. E devastador.

Por um instante, ele ficou imóvel. Como se aquelas palavras pudessem explodir em suas mãos. Como se o mundo estivesse prestes a desabar outra vez.

Mas então ele lembrou.

Lembrou do beijo — não só do sabor doce-azedo do picolé de uva, mas da textura dos lábios de Jungkook, da leveza com que ele tocava, como se pedisse permissão com o corpo. Lembrou da força com que foi puxado de volta, dos dedos cravados em sua cintura, do calor e da urgência. Lembrou da forma como seus próprios joelhos cederam, como sua alma pareceu sair do corpo e flutuar por alguns segundos.

E acima de tudo, lembrou da sensação.

Ser visto. Ser querido. Ser tocado como se fosse único.

O conflito voltava com força, rasgando por dentro. A culpa martelava na cabeça, repetindo tudo o que ouviu desde criança. Que era pecado. Que era nojento. Que ele decepcionaria todo mundo. Que nunca seria amado por Deus, pela família, pelo mundo, se fosse... isso.

Mas a lembrança de Jungkook sorrindo depois do beijo ainda estava ali, gravada como tatuagem em sua memória.

Mesmo que seja errado.

Mesmo que doa depois.

Mesmo que me quebre.

Ele levantou-se da mesa com um "vou dar uma volta" quase inaudível, e a mãe assentiu sem olhar, distraída com a louça. O pai nem reagiu.

E Jimin foi.

Cada passo um tropeço no próprio medo. Mas também no desejo. No que poderia ser.

Alguns erros, ele pensava, valiam a pena.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!