( Valentina )
Acordo com gosto de terra e medo na boca. Tô num carro, cercada pelos capangas das sombras, esses filhos do capeta com filme de ação de domingo à noite.
— “Pra onde cês tão me levando agora, hein? Pro inferno ou pra fila do SUS?”
Ninguém responde. Só o silêncio e o motor resmungando.
Depois de umas curvas que quase me fazem vomitar meu passado, o carro para. Descem me puxando que nem saco de batata e me largam no meio da calçada de uma cidade chique que só vi na novela. Gente de salto alto, café com nome inglês e cachorro usando roupa melhor que a minha.
Aí um dos capanga fala com a voz fina de quem tá engasgando ódio:
— “Ali, número 107. Casa do juiz Pierre Scott Moreau. Teu alvo. Vai se aproximar dele e fazer o que mandamos. Estamos de olho.”
— “Mas vocês nem me disseram como é que vou...”
— “Improvisa.”
E vão embora. Me deixam ali feito marmita esquecida no portão.
Respiro fundo. Olho pro céu. Peço força. E aí...
BUZINAAAA!
— “SAAAAI DA FRENTE, LOUCA!”
Olho pro lado e vejo um carro vindo igual alma penada com pressa. Tento correr, mas minhas pernas tão mais lentas que internet de zona rural.
PAH.
Escurece.
Acordo com o cheiro de álcool, luz branca na cara e um negócio espetando meu braço.
— “Tô viva? Ou é aqui que fazem o purgatório?”
Uma enfermeira me olha, rindo com pena.
— “Você desmaiou. Foi quase atropelada. Um rapaz te trouxe. Pagou tudo e deixou você sob observação.” — Ela me responde.
— “Um anjo?”
— “Se for, é um anjo de terno caro e cara de bravo. Disse que volta daqui a pouco.”
Eu já tô pensando que pode ser um vereador, um doido, ou quem sabe um desses sugar daddy que anda salvando moça perdida (mentira, mas sonhar é de graça).
Até que...
A porta do quarto se abre.
E quem entra?
Ele.
Alto. Moreno. Bem vestido. Queixo empinado. Olhos verdes brilhantes. E um olhar que atravessa a gente feito raio-x.
— “Tá se sentindo melhor? Quase foi esmagada por um Corolla, parabéns pela façanha.” — Ele começa.
Fico uns segundos olhando, tentando juntar as peças.
É ele.
Pierre Scott. O juiz que eu devia dar cabo.
Mas ao vivo ele é mais bonito do que imaginei. Pena que tem cara de quem nunca riu de uma piada de caipira na vida.
— “Obrigada por ter me salvo, viu? Mas também, do jeito que você me olha parece que fui eu quem jogou o carro em mim mesma.” — Retruco.
Ele franze a testa.
— “Você estava parada no meio da rua. Poderia ter se matado. Mora aqui?”
— “Mais ou menos. Tô... em fase de transição. Tipo cebola: cheia de camada e dando vontade de chorar.”
— “Que ótimo. Uma andarilha filosófica.”
— “E você é o quê? Juiz, né? Deve julgar até quem respira errado.”
Ele fecha os olhos, respira fundo.
— “Você precisa de um lugar pra ficar. Vou chamar assistência social.”
— “Nem precisa, excelência. Tô ótima. Capaz de sair dançando frevo daqui uns minutos. Só quero tomar um banho e comer um pão com mortadela.”
Ele já tá se virando pra sair quando eu solto:
— “Aliás, você é Pierre, né?”
Ele para. Me olha com mais desconfiança que beata olhando vidente.
— “Por quê?”
— “Sei lá... nome bonito. Nome de quem toma vinho com o dedinho levantado.”
— “Você é estranha.”
— “E você é chato. Olha que a gente tá quites.”
Ele sai. Bate a porta. E eu caio de volta na cama.
Pronto. Conheci o tal Pierre.
O homem que eu devia matar... me salvou.
E agora tô aqui, deitada, com dor nas costas, coração doido e a consciência gritando.
Porque o plano é matar o homem…
Mas no fundo, alguma coisa me diz que a história vai dar uma volta tão grande, que vai me deixar mais tonta do que esse carro que quase me levou pro além.
Continua...
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Atualizado até capítulo 32
Comments
Maria Isabel
Recomendo essa história divertida leve sem enrolação amando tudo
2025-05-20
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