Foram conduzidos por um corredor estreito e comprido, sem janelas. As luzes fluorescentes piscavam levemente, criando uma atmosfera clínica, mas desconfortável.
Ao fim do corredor, uma sala com paredes espelhadas e uma única mesa no centro. Sobre ela, três dossiês fechados.
— Primeira prova. — falou o homem de voz seca. — Dentro de cada dossiê está o perfil clínico de um paciente. Todos estão sob os cuidados da mesma unidade. Mas só há orçamento para tratar um. Terão cinco minutos para analisar, discutir entre vocês e decidir quem vive.
Os médicos aproximaram. Ji engoliu seco.
O homem acrescentou, antes de sair. — Não há resposta certa. Mas há respostas que custam mais do que outras.
A porta fechou atrás deles com um estalido.
Durante alguns segundos, ninguém se mexeu. Depois, lentamente, a mulher com a pasta abriu o primeiro dossiê.
— Homem, 72 anos. Ex-militar. AVC isquémico. — falou lendo em voz baixa.
— Prognóstico reservado, mas consciente.
O segundo médico abriu o próximo.
— Jovem de 24 anos. Vítima de acidente de viação. Traumatismo craniano grave. Prognóstico incerto. Família sem condições para suporte em casa.
O terceiro pegou no último.
— Menina de oito anos. Imunodeficiência. Sem acesso a tratamento desde o mês passado. Prognóstico péssimo sem intervenção urgente.
O silêncio que se seguiu foi brutal.
Um deles quebrou isso. — A criança. Tem mais expectativa de vida.
— Mas é a mais frágil. — respondeu outro. — Pode não resistir mesmo com tratamento.
— O jovem pode contribuir para a sociedade, ainda tem um futuro.
— O idoso serviu o país. Não o podemos descartar só porque é velho.
Enquanto os outros discutiam, Ji observava. Olhava os rostos, as expressões. Quem falava demais. Quem se escondia. Quem manipulava.
— Este teste não é sobre salvar vidas. É sobre observar quem somos quando somos forçados a escolher. — pensou.
Faltava um minuto. Todos se viraram para ele.
— E tu? — perguntou a mulher da pasta.
— Qual a tua escolha?
Ji respirou fundo.
— Nenhuma. — respondeu. — Este cenário não testa apenas lógica médica, mas moralidade em tempo real. Se tiverem que escolher alguém com base nisto, não procuram um médico. Procuram um cúmplice.
O silêncio foi cortado pelo som de uma campainha. A porta abriu.
Do outro lado, os avaliadores esperavam, impassíveis.
Ji deu o primeiro passo para fora da sala. Quando Ji saiu da sala, os avaliadores estavam imóveis, como estátuas. O homem de óculos escuros inclinou ligeiramente a cabeça.
— Corajoso. Ou ingénuo. — murmurou, quase para si. Depois, apontou para Ji.
— Fica.
Os outros candidatos foram orientados para uma saída lateral. Nenhuma explicação, nenhuma despedida.
Ji ficou sozinho no corredor, o coração a bater forte, mas o rosto impassível.
A mulher que o receberá no primeiro dia aproximou.
— A segunda fase começa agora. Mas, ao contrário da primeira, não vai estar sob luz branca. — Fez sinal para que o seguisse.
— Desta vez, é ela quem vai decidir se fica.
Ji não perguntou quem era "ela". Já sabia.
Foram conduzidos a uma ala isolada da casa. As paredes tornavam-se mais quentes, a decoração mais cuidada. Plantas, livros, pequenos quadros, tudo contrastava com a frieza do resto da propriedade.
Pararam diante de uma porta de madeira clara.
— Vai entrar sozinho. Ela está sentada junto à janela. Fala pouco. Observa muito. — A mulher hesitou por um instante. — E não gosta de perguntas.
Ji assentiu. A maçaneta estava fria. Abriu a porta.
A luz da manhã entrava obliquamente pelas grandes janelas de vidro. Cortinas finas dançavam com a brisa. O ambiente era inesperadamente calmo.
Sentada num cadeirão, de costas, cabelos muito escuros olhava para o jardim. Vestia roupa confortável, mas elegante. Tinha algo de intocável, como uma pintura viva.
Ji aproximou devagar.
— Bom dia. — disse com suavidade. — Meu nome é Kim, vim cuidar de você.
Ela não se virou. Mas falou.
A voz era baixa, quase um sussurro, com um sotaque vago, difícil de situar.
— Já ouvi o que disse na outra sala.
Ji ficou em silêncio.
Ela virou-se então, lentamente. Os olhos eram grandes, intensos, mas sem brilho. Como se olhassem tudo e ao mesmo tempo nada.
— Tu não escolheu ninguém. Isso foi bonito. Mas perigoso.
— Às vezes, não escolher é a única escolha possível.
Ela observou por longos segundos.
— O meu pai vai gostar de você. — falou, finalmente.
E voltou-se para a janela.
Ji não sabia se aquilo era um aviso ou uma sentença.
— Fico satisfeita por ter sido você. Já tinha olhado a sua foto antes. Você é coreano? É difícil de acreditar que você é um médico, parece um famoso cantor.
— Sim, sou coreano. — respondeu. — E as pessoas falam bastante isso. Não sei se é elogio ou se estão a duvidar da minha formação.
Ela voltou o rosto para ele, desta vez com um brilho nos olhos que não vinha da luz, mas de algo que parecia curiosidade.
— Talvez os dois. — falou, com leveza. — Mas pelo menos, agora, tenho algo interessante para olhar além dos pinheiros e do mar.
Ji sentiu o gelo da situação inicial começar a derreter. Ainda era tudo frágil, tenso, mas havia ali um espaço onde poderia começar a construir confiança. Lentamente. Com cuidado.
— Qual é o teu nome? — perguntou, com suavidade.
Ela hesitou, mas depois respondeu.
— Bianca.
— Então, Bianca estou aqui para cuidar de você. Mas só o farei se você permitir.
Ela assentiu lentamente.
— Isso… ainda estou a decidir.
Voltou o olhar para o jardim.
— Você tem quantos anos? — perguntou, com um tom casual que escondia curiosidade genuína. — É muito bonito.
Ji ergueu ligeiramente as sobrancelhas, surpreendido. Não estava habituado a esse tipo de comentário nos corredores de hospital muito menos vindo da filha de um mafioso.
— Vinte e oito. — respondeu com um pequeno sorriso. — E obrigado… acho.
Ela virou por completo, agora de frente para ele, as mãos cruzadas sobre o colo.
— Não precisa agradecer. Eu não faço muitos elogios. Só quando é verdade.
Ji manteve a postura serena, mas o coração batia mais rápido. Não era o elogio em si, era o contexto, o local, a aura perigosa por trás de cada frase aparentemente inocente.
— Espero que a minha aparência ajude mais do que atrapalhe por aqui. — falou, tentando aliviar o peso do momento com um toque de humor.
Bianca inclinou ligeiramente a cabeça, avaliando.
— Ainda não decidi se vai ser mais problema… ou solução. Mas estou curiosa para descobrir. Você tem namorada?
A questão caiu como uma pedra num lago calmo. Não havia timidez na voz dela, nem ironia. Só curiosidade genuína ou algo mais.
Ji sorriu com leve desconforto, mantendo o tom leve mas firme.
— Não. A minha profissão não ajuda muito a manter relações duradouras. — pausou. — E para ser sincero, nos últimos tempos, não tive espaço para mais ninguém.
Bianca assentiu lentamente, sem parecer desapontada nem surpresa.
— Bom. Assim não precisa partir corações à distância.
— Não era esse o plano. — falou Ji, devolvendo o olhar, desta vez mais sério. — O meu plano era só cuidar de você. Nada mais.
Ela sorriu, mas os olhos disseram algo mais fundo. Algo que talvez nem ela soubesse nomear.
— Cuidar pode ser um verbo perigoso nesta casa.
E voltou a olhar para a janela.
Ji entendeu o recado. E saiu em silêncio, levando consigo a certeza de que Bianca não era apenas uma paciente.
A menina começou a tossir. Fraca ao início. Depois, mais intensa. Sequências curtas, mas seguidas. Bianca começou a tossir um ataque atrás do outro, o corpo curvando-se ligeiramente na cadeira.
Ji voltou-se de imediato, aproximando sem hesitar.
— Bianca? Consegues respirar? — perguntou, já em modo clínico, a voz firme, mas calma.
Ela tentou acenar, mas outra tosse violenta interrompeu qualquer resposta. O som estava húmido, preso. Ji reconheceu o timbre: havia secreções nos pulmões. Talvez infeção. Talvez algo mais.
Nesse instante, a porta abriu bruscamente.
Dois homens armados entraram, seguidos da mulher de coque apertado.
— Afaste! — disse um deles, colocando-se entre Ji e a menina.
Ji ergueu as mãos, sem se mexer.
— Ela está a entrar numa crise respiratória. Se não agir agora, pode perder a consciência. — falou com firmeza.
A mulher olhou para Bianca, que se agarrava ao peito, os olhos húmidos a implorar ajuda mas ainda sem pânico.
— Deixem-no. — falou ela, depois de um segundo tenso.
— Se algo acontecer é ele o responsável.
Os homens recuaram com relutância, mantendo-se atentos.
Ji ajoelhou junto a Bianca, sacando rapidamente o estetoscópio da mochila e iniciando a auscultação. Crepitações nos pulmões inferiores. Respiração reduzida.
— Bianca, preciso que tente respirar devagar. Vou administrar algo para abrir as vias aéreas. — falou, preparando uma pequena ampola que trazia no kit de emergência.
Ela apenas assentiu, o rosto já pálido.
Ji agiu com precisão. Injetou o broncodilatador, posicionou melhor na cadeira e controlou a respiração com uma técnica de ventilação assistida manual. Minutos passaram.
A tosse diminuiu. Bianca, ofegante, olhou para ele com olhos cansados mas vivos.
— Obrigada… doutor cantor… — sussurrou, com um sorriso fraco.
Ji ficou aliviado. Depois olhou para os homens, ainda imóveis.
— Isto pode acontecer de novo. Quero acesso aos exames dela. E saber o histórico completo.
A mulher de coque apertado cruzou os braços. — Você ainda não tem permissão.
— Dar para ele. — falou Bianca. — Ele é o escolhido.
O silêncio que se seguiu foi quase cerimonial.
A mulher hesitou. Depois, desviou o olhar, como se obedecer fosse pior do que perder. Fez sinal a um dos homens.
— Tragam o dossiê. Tudo o que temos.— falou com voz baixa.
Ji não se mexeu, mas sentiu o ar mudar. Um reconhecimento silencioso passava a habitar aquele espaço.
— Descansa um pouco. — falou ele, voltando-se para ela. — Depois falamos com mais calma.
Ela assentiu, os olhos fixos nele.
Enquanto Ji saía do quarto, com o som das botas dos seguranças atrás, a mulher de coque aproximou dele.
— Já que temos a resposta que será o escolhido, a próxima fase será a permissão do pai dela durante um jantar. Porém, dar para perceber que ela gostou mesmo de você e isso é raro, normalmente é muito difícil acontecer esse tipo de coisa. Há muitos meses, estamos tentando encontrar alguém. Na hora do jantar, independentemente do que acontecer olhe nos olhos do pai dela.
Ji ouviu, absorvendo tudo.
— Ela vê tudo. E o pai dela ainda mais.
— acrescentou, com um sussurro carregado de peso.
— Normalmente não dou conselhos para novatos, porém estamos muito cansados com tantas seleções. Como agora surgiu uma esperança, estamos apostando em você.
Ji engoliu em seco, mas manteve-se firme. O tom da mulher não era de encorajamento, era de pressão. Aquilo não era um voto de confiança. Era um aviso.
— Por isso, escute bem. — prosseguiu. — No jantar, o senhor Salvatore vai testá-lo. Não pelas perguntas que fizer mas pela forma como você responde. Ele vai medir a sua alma.
— E se ele não gostar do que vir? — perguntou Ji, direto.
— Então, amanhã a esta hora, a cama da paciente estará vazia. E você também.
Ji suspirou. Já estava acostumado com pressão, porém tinha que pensar em uma estratégia. Não sabia nem ao menos como era esse homem que muitos falavam
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Atualizado até capítulo 31
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