A chegada em Tróia

O carro chegou pontualmente às oito da manhã. Pretamente polido, vidros escurecidos, nenhum símbolo de marca visível. O motorista não disse uma palavra, apenas abriu a porta para Ji entrar. Dentro, o silêncio era absoluto, o ar-condicionado num frio cirúrgico.

Durante o caminho, Ji tentou não pensar demasiado. A estrada serpenteava ao longo da costa até que a paisagem começou a mudar. Areia branca, pinheiros altos, mar ao fundo. Tróia era um lugar de contrastes, paraíso para alguns, prisão dourada para outros. Ao longe, apareceu a propriedade.

Portões de ferro, com câmaras de vigilância em cada canto. Um código foi inserido e a estrutura abriu-se devagar, como se o próprio tempo estivesse a controlar o acesso. O carro avançou por um caminho ladeado de ciprestes, até parar diante de uma casa moderna, de linhas retas e materiais frios, betão, vidro, aço.

Ji saiu do carro com o coração acelerado, mas o rosto neutro. O olhar atento. Um homem esperava por ele à entrada: alto, vestia de preto, olhos escondidos por óculos escuros.

— Doutor? — perguntou, com sotaque indefinido.

Ji assentiu.

— Siga-me.

O interior da casa era ainda mais imponente. Minimalista, silencioso, com móveis que pareciam peças de museu. Câmaras nos cantos. Nenhuma fotografia nas paredes. Nenhuma memória visível.

Caminharam até uma sala ampla, onde uma mulher o esperava.

Cabelo castanho claro, preso num coque apertado. Postura rígida. Rosto sem expressão.

— Bem-vindo. Vai ser avaliado antes de qualquer contato com a paciente. Esta casa é protegida, e o senhor Salvatore exige discrição absoluta.

Ji manteve-se firme.

— O que implica essa avaliação?

— Nada físico. — respondeu ela. — Só queremos saber se consegue manter um segredo e sobreviver ao peso dele.

Ela sorriu de leve. Mas não era um sorriso acolhedor.

— Prepare-se. Estão à sua espera.

E foi levado para uma porta ao fundo do corredor. Por trás dela, tudo ia começar.

Foi levado até uma sala ampla, de paredes em tom de pedra fria, iluminada por luz natural que entrava por uma claraboia alta. O chão de mármore refletia discretamente as figuras ali presentes. Ao chegar, Ji parou por instinto.

Havia outros médicos. Cinco, no total. Todos de pé, lado a lado, como numa fileira militar. Homens e mulheres de várias idades, roupas discretas, rostos fechados. O silêncio entre eles era denso, desconfortável, ninguém ali queria fazer amigos.

Ji posicionou-se no fim da linha. Observou de relance os outros. Um tinha sotaque do Leste, percebia-se pelas feições. Outro, parecia já ter passado dos cinquenta, com postura impecável. A mulher mais à esquerda tinha um olhar clínico e uma pasta apertada ao peito como se contivesse mais que currículos.

Poucos minutos depois, a porta do fundo abriu-se.

Entraram dois homens. Um deles era o mesmo que o recebera, olhos cobertos por óculos escuros. O outro era diferente. Traje mais formal. Voz seca.

— Obrigado por virem. Esta não é uma entrevista tradicional. Aqui, não procuramos apenas competência. Procuramos lealdade. E silêncio.

Pausou, encarando cada um.

— Serão avaliados durante as próximas horas. Observaremos comportamentos, reações, decisões éticas e emocionais. Apenas um será escolhido para assumir a função. Os restantes... regressarão como chegaram.

Ji não disse nada. Apenas fixou o olhar à frente. Sabia que, ali, cada gesto seria interpretado.

O homem voltou-se para os guardas e fez um sinal. As portas abriram-se novamente.

— Sigam-nos.

E assim começou a primeira fase da seleção. Ji sentia o suor frio nas costas, o batimento do coração ritmado como um bisturi prestes a cortar.

Sabia que não podia falhar porque desta vez, o doente era a própria vida da mãe.

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