O Pedido de Ajuda
Narrado por Clara
Quando meu celular vibrou, eu estava terminando uma ligação com o Beto da oficina. A suspensão da moto tava pedindo socorro fazia dias, e eu tinha prometido resolver isso ainda hoje. O dia tinha sido puxado, daqueles que começam antes do sol nascer e só terminam quando a cidade dorme. E eu já tava contando os minutos pra enfiar a cara no travesseiro e esquecer do mundo.
A vibração foi curta. Uma notificação no WhatsApp.
Duda: “Quero sumir daqui. Posso contar com você?”
Fiquei olhando pra tela por uns bons cinco segundos. A Duda nunca mandava mensagem assim. Nunca. Ela era toda certinha, metódica, organizada. Do tipo que coloca cor em post-it pra cada matéria e planeja até o dia de lavar o cabelo. Sempre com roupa impecável, postura firme e aquele sorrisinho irônico que só quem domina o ambiente consegue ter.
Mas essa mensagem... era outra coisa.
"Sumir", ela escreveu. Aquilo não era um pedido casual. E mesmo sem saber o que exatamente tava rolando, eu entendi que ela precisava de mim, e precisava logo.
Respirei fundo, joguei a mochila no sofá da sala e fui direto para casa do meu irmão. Ele tava sentado no chão, encostado na cama, fumando seu cigarro.
— Toro — chamei.
Ele levantou os olhos devagar, com a cara de quem já sabia que vinha bomba. Meu irmão era sempre assim, ele não era de muitas palavras. Mas quando falava, resolvia.
— Fala.
— Preciso da sua ajuda. É sério.
Ele largou o cigarro e se virou de vez. Quando Toro me olha daquele jeito, com o maxilar travado e sem desviar o olhar, eu lembro porque até polícia sussurra o nome dele. Mas eu não. Ele é meu irmão. E por trás de toda aquela fama de durão, eu sei exatamente quem ele é.
Estendi o celular com a mensagem da Duda. Ele leu, franziu a testa. Silêncio.
— A mina que é sua parceira da facul?
— É. Ela mesma, a melhor amiga que eu tenho.
— Fugindo de quê?
— Não sei. Mas é de casa ou de alguém de lá, eu sei lá, eu não perguntei. E nem vou perguntar agora.
Ele passou a mão no rosto, olhou pela janela. O céu lá fora já tava cinza escuro, fim de tarde virando noite. As luzes dos postes começando a se acender como um sinal de que o dia tinha virado. E então ele disse:
— Cê confia nessa Mina mesmo?
— Com os olhos fechados — respondi sem hesitar.
— E a mina confia em você?
— A ponto de mandar essa mensagem. A ponto de pedir socorro sem explicar nada.
Ele assentiu devagar. Com Toro, um aceno de cabeça já é quase um contrato assinado.
— Demorô. Manda o pin pra ela, fala que tu tá colando. Mas antes… quero escutar a voz dela, nem que seja num zap de áudio. Só pra sacar qual é a dela no tom.
Assenti. Voltei pro meu quarto e mandei a mensagem pra Duda:
"Tô contigo. Meu irmão vai ajudar. Manda tua localização. E ele pediu só um áudio. Nada demais, só quer ouvir tua voz."
Ela respondeu rápido. Localização: um beco atrás de uma padaria gourmet no Morumbi. O lugar era discreto, quase escondido entre prédios altos e carros de luxo. Irônico. Era justamente por isso que ela devia estar lá.
E então veio o áudio.
— “Clara... eu tô com medo mas eu não tava aguentando maus ficar ali.. Ela queria me mandar embora, acredita? E meu pai sempre finge que não vê. Eu tô no limite. Sei que pode parecer exagero, mas eu precisava sair dali. Tô sozinha.”
Aquilo me fez ficar cinco segundos em choque.
Duda sempre foi a mais forte, a que tem resposta pra tudo, ela tava ali toda vunerável. A voz dela tremia. Mas ainda assim, dava pra sentir a coragem escondida nas entrelinhas. Ela tinha feito o que ninguém esperava: tinha saído de casa, de uma vida de luxo, sozinha.
Levei o áudio até Toro. Ele escutou calado. Sem piscar. Mas eu conheço ele. Vi o músculo do queixo mexer. Vi os dedos apertarem o joelho. Ele sentiu.
— Demorô.Vou mandar o Mudinho com você — ele disse. Jogou a chave do carro. — E vê se eva uma blusa para você que já esfriou lá fora. -- Meu irmão sempre com o jeito protetor dele comigo. Isso nunca muda.
Peguei uma blusa, joguei na mochila e fui com Mudinho. O carro cortou a cidade em silêncio, as luzes dos prédios passando rápido demais pela janela.
— Cê nunca levou ninguém la pra quebrada — ele comentou, enquanto virava numa rua apertada.
— Nunca precisei.
— E agora?
— Agora ela precisa. E lá é o único lugar onde eu confio.
Quando chegamos, ela tava sentada numa escada de serviço. Mochila no colo. Fone de ouvido pendurado no pescoço. Mesmo no escuro, dava pra ver que ela tinha chorado. Mas quando me viu, tentou sorrir. Um sorriso fraco, quase um pedido de desculpa por ter me pedido ajuda.
Desci do carro antes mesmo dele frear por completo. Corri até ela.
— Vem. Você não tá mais sozinha.
Ela me abraçou forte como se estivesse segurando a alma pra não desmanchar e levei ela para dentro do carro. Para o meu mundo que agora também será dela, porque quando alguém entra no nosso mundo... a gente cuida. A gente protege.
Mesmo que o preço seja a guerra.
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Atualizado até capítulo 83
Comments
carina silva
começando a ler,parabéns autora autora excelente escrita.
2025-07-09
2
renata Renata Sá
começando a leitura em 28/06/2025
as 22:06 em Fortaleza Ceará
2025-06-29
1
jeovana❤
𝙢𝙪𝙙𝙤 𝙦𝙪𝙚 𝙛𝙖𝙡𝙖𝙧🤣🤣🤣🤣🤣🤣🤣
2025-06-20
0