1Cinzas de promessas partidas

O cemitério começava a esvaziar. Somente o som discreto das pás jogando a terra sobre o caixão ainda ecoava entre os túmulos, abafado pelo vento frio daquela tarde nublada.

Vinícius permanecia parado, tenso, com as mãos enfiadas nos bolsos do sobretudo preto. Ele olhava fixamente para o solo recém-aberto, como se pudesse cavar com os olhos todas as verdades não ditas, todas as dores não vingadas.

Foi quando ouviu passos leves se aproximando.

Sabia quem era, antes mesmo de levantar o olhar.

Lívia.

Livia- Vinícius… — a voz dela saiu baixa, quase trêmula.

Ele ergueu o olhar devagar, frio, como se cada movimento dele fosse cuidadosamente calculado para não demonstrar nada. Mas por dentro, o sangue fervia.

Ela parou a poucos passos, hesitante. Os cabelos loiros estavam presos num coque desfeito, alguns fios escapando com o vento. Os olhos negros, marcados pelo cansaço, buscaram os dele com dor sincera.

Lívia - Eu… — ela engoliu seco — Eu sinto muito pela sua perda. De verdade. Seu pai sempre foi um homem admirável. Eu o considerava…

Vinicus - Não ouse falar sobre ele. — Vinícius cortou, a voz baixa, mas afiada como uma lâmina.

Lívia recuou um passo. Mas permaneceu firme. Ele percebeu isso. Ainda tinha aquela força silenciosa, aquela firmeza que sempre o encantou.

Livia- Eu sei que está com raiva. Mas o que aconteceu na sala de cirurgia…

Vinicius- O que aconteceu — ele interrompeu de novo, dando um passo à frente — foi que o seu pai matou o meu.

Ela arregalou os olhos, e ele continuou, firme, cruel.

Vinicius - Você veio aqui por culpa, ou por covardia? Porque, sinceramente, Livia… nenhum dos dois vai te poupar do que está por vir.

Livia - Eu não tive nada a ver com aquilo. Você sabe disso — ela disse, a voz tremendo de frustração. — Eu não estava na cirurgia. Eu sou só a filha dele, assim como você é do seu.

Vinicius- E mesmo assim, vai pagar como se estivesse segurando o bisturi.

Ela abriu a boca para falar, mas ele se aproximou ainda mais. Seus rostos estavam a centímetros um do outro. O perfume suave dela misturava-se ao cheiro frio do vento.

Vinicius- Você disse que sente muito — ele murmurou, com um sorriso amargo nos lábios. — Mas vai sentir muito mais.

Os olhos negros de Lívia brilharam com lágrimas contidas. Mas ela não chorou. Nem recuou.

Vinícius virou as costas e caminhou sem dizer mais nada, deixando-a ali, cercada por túmulos, promessas mortas e o medo do que ele poderia se tornar.

Porque, naquele momento, Vinícius Vasconcellos não era mais o garoto que a amava.

Ele era o homem que jurou destruí-la.

Livia narrando ..

“O que eu mais temia era exatamente isso: o ódio nos olhos de quem um dia me olhou com amor.”

Eu permaneci ali, parada, sentindo o vento cortar a pele e o coração se despedaçar com cada palavra que ele disse.

Vinícius.

O mesmo garoto que me ofereceu seu casaco em uma tarde chuvosa quando tínhamos dezessete.O mesmo que segurou minha mão por debaixo da mesa no último jantar entre nossas famílias.O mesmo que me olhava como se eu fosse o centro de todo o universo dele.

Agora me olhava como inimiga. Como se eu tivesse apertado o bisturi. Como se minhas mãos tivessem empurrado o pai dele para a morte.

Engoli o nó na garganta, mas ele não desceu. Ficou ali, preso, queimando com o gosto da injustiça.

“Você vai pagar como se estivesse segurando o bisturi.”

Aquela frase martelava na minha cabeça como um castigo cruel.

Ele não fazia ideia do quanto eu também sofri. Do quanto ver meu pai, Dr. Arnaldo Rocha, mergulhado na culpa me destruía por dentro. Ele estava longe de ser um homem perfeito, mas era humano. Ele não matou Augusto por descaso. A cirurgia foi emergencial, arriscada, mas ele tentou. Lutou. Chorei escondida durante dias vendo meu pai se culpar em silêncio.

Mas nada disso importava para Vinícius.

Para ele, eu era só o reflexo do erro.O alvo mais próximo.A filha do culpado.

Respirei fundo, tentando manter a postura enquanto os últimos presentes deixavam o cemitério. Eu não podia desmoronar ali. Não diante dele. Não diante do túmulo do homem que eu respeitava tanto — e que me via quase como filha.

Caminhei em direção ao carro com o coração mais pesado do que nunca. Dentro de mim, algo se partiu. Algo que eu nem sabia que ainda existia depois de tanto tempo longe de Vinícius.

Talvez… uma esperança.

Mas agora eu sabia com clareza: ele não queria explicações. Ele queria vingança.

E mesmo sem ter culpa, eu seria arrastada com ela.

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Comments

Vanildo Campos

Vanildo Campos

se fosse vc, não ligava pra ele não é continuava a vida

2025-05-09

2

Leoneide Alvez

Leoneide Alvez

não tem nem culpa

2025-05-09

2

Vanessa Corrêa🦋🦋

Vanessa Corrêa🦋🦋

Tadinha dela

2025-05-09

2

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