Amor e Croissants na Sombra e Sabor
Canela do Destino
Luciano retornou à “Sombra e Sabor” três dias seguidos. Sempre no mesmo horário, sempre pedindo o mesmo croissant de chocolate meio amargo com raspas de laranja. O ritual o acalmava. Era a única coisa previsível em uma semana de planilhas erradas, reuniões vazias e jantares solitários.
Mas naquela quarta-feira, Madame Nocturna o surpreendeu com algo diferente: um croissant de canela e cardamomo. O aroma era mais quente que o habitual, e havia uma delicadeza inesperada no polvilhado sobre a massa.
Madame Nocturna
O destino muda de tempero quando a alma sussurra...
Ela disse, com um brilho no olhar que parecia esconder mais do que revelava.
Luciano hesitou. Sentia-se traindo um hábito ao aceitar aquele novo sabor. Mas Madame Nocturna já havia desaparecido atrás do balcão, deixando apenas a fumaça perfumada de seu incenso cítrico.
Foi quando Verônica apareceu...
Ela estava com o cabelo preso de qualquer jeito, óculos de leitura escorregando pelo nariz e um caderno surrado de capa vermelha nas mãos. Vestia preto dos pés à cabeça, como de costume. Havia manchas de tinta azul nos dedos e um pedaço de folha de louro preso ao cabelo.
Sem pedir licença, sentou-se à frente de Luciano.
Luciano
Está escrevendo de novo?
Ele perguntou, reparando em sua expressão concentrada.
Verônica
Tentando. Fantasma roubou minha caneta ontem. Acho que não quer que eu termine minha história.
O gato preto, enrolado sobre uma poltrona distante, abriu um olho como se entendesse a acusação, depois voltou a dormir. A cena era tão absurda e cotidiana ao mesmo tempo que Luciano teve vontade de rir alto. Mas conteve-se.
Luciano
Talvez ele saiba que o final está ruim.
Ela respondeu com naturalidade, aceitando um pedaço do croissant.
A conversa deslizou com uma fluidez estranha. Luciano, acostumado ao mundo concreto dos números, começou a perceber que gostava da forma como Verônica falava de sentimentos como quem descreve o clima — sem medo de exagerar.
Ela contou sobre uma história que estava escrevendo: uma mulher que acorda todos os dias em uma cafeteria diferente, sem saber como chegou lá.
Ele perguntou se era fantasia. Ela disse que não. Era só solidão metafórica.
Entre garfadas e goles de chá de hibisco, o tempo foi desaparecendo. A chuva que ameaçava desde cedo finalmente caiu, pingando lenta nas janelas embaçadas.
Luciano
Você não tem medo de ser esquisita?
Perguntou Luciano, de repente.
Verônica o encarou com aquela mistura de desafio e charme que parecia fazer parte do seu olhar.
Verônica
Tenho medo de não ser. A esquisitice é a única coisa que me impede de ser comum.
Luciano assentiu, guardando aquela frase em algum canto da mente.
Fantasma levantou-se sem aviso, arqueou o corpo preguiçosamente e caminhou até a janela e sem qualquer cerimônia, saltou para fora — sumindo como se fosse feito de fumaça.
Verônica
Ele nunca faz isso...
Luciano
Talvez tenha ido procurar sua caneta.
Ela não riu. Em vez disso, olhou para fora, onde a névoa começava a se formar entre as pedras do calçamento.
Comments
Madie 66
Não consigo largar o livro, só mais um capítulo!
2025-05-08
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