A manhã chegou arrastada, mas não trouxe alívio algum. Os primeiros raios de sol atravessaram a cortina, e mesmo envolta pela luz, eu não me sentia segura. As horas anteriores haviam sido um tormento — não pela escuridão, mas pela sensação constante de estar sendo observada, mesmo dentro da minha própria casa.
A polícia não acreditou em mim.
Dias atrás, quando os bilhetes começaram a aparecer, fui até a delegacia. Levei os papéis, os relatos, mencionei os ruídos, o perfume estranho no ar, a presença que sinto. E ainda assim, me olharam como se eu estivesse exagerando. “Sem provas concretas, não há o que fazer”, disseram. “Talvez você esteja apenas estressada”, completaram.
Estressada.
Era assim que chamavam o medo que me paralisava nas madrugadas.
Voltei para o apartamento com a sensação de impotência colada à pele. Aquilo que deveria ser meu refúgio agora era um lugar onde ele já havia entrado. Não sabia como. Não sabia quando. Mas sabia que ele esteve ali.
Naquela manhã, ao entrar na sala, tudo parecia igual. Mas a inquietação não mentia. Meus olhos buscaram por qualquer anormalidade e, sobre a mesa de centro, lá estava: outro envelope.
Preto. Simples. Com meu nome escrito à mão, com a mesma caligrafia precisa dos outros bilhetes.
Engoli em seco.
Tranquei a porta atrás de mim e me aproximei. Abri devagar. Dentro, um único bilhete:
"Você me viu. Eu sei quem você é."
A mesma frase que ecoava na minha mente desde a primeira vez que ele me escreveu. Uma ameaça sussurrada. Ele não precisava gritar — sabia exatamente como me desestabilizar.
Sentei no sofá e senti as mãos começarem a suar. Não havia nenhuma evidência de invasão. Nada que a polícia considerasse “útil”. E era isso que ele queria. Que eu me sentisse sozinha. Que eu duvidasse de mim mesma. Que eu desistisse.
Fui até o espelho da sala. Ainda virado contra a parede, como deixei na noite anterior. Não queria me encarar. Não queria ver nos meus olhos o pânico que se tornava constante. Mas virei o espelho mesmo assim.
A imagem refletida era a de uma mulher cansada, com olheiras fundas e os ombros tensos. Uma mulher comum, lutando contra um inimigo invisível, que não deixava rastros — só medo.
A campainha tocou.
O susto me fez gelar.
Fui até o olho mágico. Ninguém.
Esperei um pouco. Abri a porta devagar. No chão, uma pequena caixa de papel pardo. Sem nome, sem remetente. Apenas outra frase escrita à mão:
"É para você."
Fechei a porta rapidamente e travei a fechadura. Levei a caixa até a cozinha, abri com cuidado. Dentro, uma foto antiga. Eu, com seis ou sete anos, parada na frente da escola, vestida com meu primeiro uniforme. A imagem estava um pouco desbotada, mas era nitidamente minha. Uma lembrança da qual eu sequer me lembrava.
Debaixo da foto, um chaveirinho infantil — um ursinho rosa com metade da tinta descascada.
E mais um bilhete:
"Você sempre foi especial pra mim. Você só não lembra."
Senti um nó na garganta. Ele me conhecia. Há quanto tempo? Onde ele estava quando tiraram aquela foto? Como conseguiu aquele chaveiro?
Fui tomada por um desespero silencioso. Eu já tinha buscado ajuda. Já tinha feito boletim de ocorrência. Já tinha mostrado os bilhetes. E mesmo assim, ele seguia ali, intocável, me cercando pouco a pouco, minando minha sanidade.
Encostei na parede da sala e deslizei até o chão. O celular estava perto. Peguei e, pela terceira vez naquela semana, disquei o número da delegacia.
O atendente me reconheceu pela voz. Disse que “iria registrar” e que “iria encaminhar ao setor competente”. Palavras vazias, frias. Como da última vez.
Eu desliguei sem dizer adeus.
Olhei para a caixa de novo. Para a foto. Para o chaveiro.
Aquilo não era um jogo.
Aquilo era real.
A cidade lá fora seguia seu curso — buzinas, passos apressados, risadas em apartamentos vizinhos. Mas aqui dentro, tudo parava. Meu mundo estava encolhendo, comprimido pelas ações de um homem que decidiu que eu era dele.
E ninguém estava disposto a impedir.
***Faça o download do NovelToon para desfrutar de uma experiência de leitura melhor!***
Atualizado até capítulo 42
Comments