Marcus Hale

Acordo sempre antes do despertador.

Há seis anos isso era irritante. Hoje, é a única hora do dia em que ainda ouço a voz da minha esposa.

Callie morreu no parto. E junto com ela, parte de mim também. Mas ela me deixou Isla. Uma menina com os olhos dela, o cabelo dela, e a risada que me salva todas as manhãs — mesmo quando o mundo insiste em me lembrar o que perdi.

Sou Marcus Hale. Delegado de Redfield. Tenho 38 anos e sou conhecido por não fazer concessões. Não negocio com bandido, não aceito meia verdade e não acredito em coincidências.

Exceto por uma: Isla. Ela é a única coisa improvável em que acredito com fé absoluta.

Quando entrei na cozinha, ela já estava sentada no balcão com os pezinhos balançando, uma colher de cereal na mão e metade do leite no queixo.

— Papai! O Toby dormiu no meu pé essa noite!

Toby é nosso labrador, velho e teimoso como eu.

— É mesmo? Aposto que ele tava fugindo do frio.

— Não! Ele tava me protegendo. Porque eu sou uma princesa e ele é meu cavaleiro.

Sorri, colocando o café na caneca. Tive poucos motivos para sorrir nos últimos anos, mas Isla sempre arruma um.

— Princesa Hale, majestade da cozinha. Termina de comer. A babá chega em cinco minutos.

Ela bufou, mas obedeceu.

Beijei o topo da cabeça dela, deixei Toby no quintal e peguei minha arma, minha placa e meu casaco escuro. O uniforme extraoficial. Quando passo por aquele portão, deixo o pai para trás e viro outra coisa: um cão de caça com faro para sujeira e mentira.

Algumas horas depois, já na delegacia, eu estava mergulhado em papelada atrasada — o pior tipo de punição para alguém que prefere ação.

Meu celular vibrou no bolso. Mensagem do oficial Ortiz:

“Corpo feminino encontrado no rio. Águas turvas, rosto machucado. Vítima jovem. Possível homicídio. Localização enviada.”

Trinquei o maxilar. Terceiro corpo em dois meses. E não tinha nada de coincidência nisso.

Liguei para casa enquanto pegava as chaves.

— Jenna, avisa a Isla que hoje vou me atrasar. Pode dar banho nela às sete, e o jantar tá na geladeira.

— Tudo bem, delegado. Algum problema?

— Ainda não sei. Mas quero descobrir antes que vire um.

Enfiei o distintivo no bolso e saí com Colen e mais dois agentes. O tempo havia fechado, e o céu carregava a mesma tensão que o ar.

No fundo, eu já sabia: aquilo ia me puxar pra dentro de um redemoinho.

Só não sabia ainda que, nesse caso, não era só a lei que ia me guiar. Era algo bem mais perigoso.

Era o instinto.

A cena do crime ficava à beira do rio Marrow, onde as águas escuras engoliam mais do que peixes e galhos — engoliam histórias. Histórias que, mais cedo ou mais tarde, vinham flutuar à tona.

Estava cercado de curiosos. Sempre há. Mesmo em Redfield, onde as pessoas fingem ser discretas, a curiosidade é uma febre silenciosa. Homens de gorro, mulheres com casacos pesados, adolescentes com celulares escondidos. Cochichavam entre si como se estivessem assistindo a um espetáculo mórbido.

E eu observava. Sempre observo.

Porque assassinos às vezes voltam ao palco do próprio crime.

Me abaixei perto do corpo com as mãos nos bolsos do casaco, olhos atentos. Ela era jovem. Rosto marcado, hematomas no maxilar, arranhões nos braços. Havia lama nos cabelos e uma pulseira delicada ainda presa ao pulso esquerdo.

Ortiz se aproximou e falou baixo.

— Corpo feminino. Sem sinais de abuso sexual até agora. Afogamento provável. Mas os hematomas no rosto e pescoço indicam luta. Talvez inconsciente antes de ser jogada.

— Documentos? — perguntei, sem desviar o olhar.

— Sim, senhor. Tinha uma bolsa presa num galho próximo. Dentro: carteira, um cartão de biblioteca, um crachá de agência de modelos com o nome “Amélia Dorne”, e... isso.

Ele me entregou um chaveiro com uma única chave. Um pingente azul com a inscrição: “Bluebird”.

Um café. O único com esse nome por aqui.

Levantei, olhando ao redor.

— Alguém falou com os moradores da área?

Dessa vez foi Colen quem respondeu, acenou com a cabeça mostrando.

— Tem um homem que disse que já viu a garota por aqui. O nome dele é Grant. Mora num dos sobrados perto do Bluebird.

Me aproximei. O tal Grant era baixo, usava óculos tortos e parecia desconfortável por estar ali. Ainda assim, estava atento. Atento demais.

— Você a conhecia?

— Não... não exatamente. Mas via ela quase todo dia. Sempre com uma garçonete do Bluebird. Morena, olhos grandes... meio tímida. Achei que moravam juntas, de tanto que andavam coladas.

— Sabe o nome da garçonete?

— Não. Mas acho que ela fecha o café quase toda noite. Vive saindo por trás, naquela viela ao lado da loja de ferramentas. A outra sempre sumia com ela. Meio escondido. Meio estranho.

Olhei novamente para o chaveiro. Bluebird.

O ponto de partida.

— Ortiz, pega o endereço da agência no crachá e confirma os dados da moça. Jennings, você vem comigo. Vamos visitar o café. Discretamente.

Enquanto nos afastávamos, os olhares continuavam cravados nas costas da vítima.

Eu já tinha visto corpos demais para me deixar abalar. Mas havia algo naquela morte que não batia.

Algo pessoal demais.

E eu sentia — como se o sangue tivesse avisado primeiro — que a garçonete do Bluebird ia ter muito mais a dizer do que imaginava.

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Comments

Maria Joana Cunha Costa

Maria Joana Cunha Costa

Como que o cara fala que a morta só vivia grudada com a outra mentiroso aff

2025-05-03

0

Tania Cassia

Tania Cassia

vai ver foi ele quem matou o mentiroso

2025-05-03

0

Iraci Zay

Iraci Zay

coitada vai pagar o pato por ajudar🤔🤔

2025-05-01

1

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