Quatro.
O corredor do hospital parecia mais longo do que o normal.
Sophia ajeitava o jaleco pela terceira vez enquanto caminhava, tentando ignorar a voz crítica na cabeça que dizia que ela ia fazer papel de boba. Nas mãos, ela segurava alguns papéis - uma desculpa esfarrapada para puxar assunto com Olívia, como Hiroshi tinha sugerido.
“Só entrega os papéis e fala alguma coisa normal. Tipo: ‘oi, boa tarde’. Você consegue, Sophia. Você é neurologista, caramba.” — pensou, mordendo o lábio.
Não sabia o motivo de se sentir tão intimidade pela outra, talvez fosse os rumores dela. O jeito de seu olhar... ou só o fato de Sophia sempre ter sido mais medrosa mesmo, sendo com pessoas ou em outras situações que pedia coragem.
Um longo suspiro escapou dela tentando acalmar um pouco a ansiedade que sentia ao peito enquanto tentava parecer mais natural possível enquanto andava sentindo os joelhos meio trêmulos. Quando virou o corredor, lá estava ela.
Olívia, parada junto à parede de vidro da UTI, observando algum prontuário eletrônico em seu tablet com aquela expressão que parecia cortar qualquer um ao meio. A médica canadense parecia quase uma escultura de mármore: fria, pálida e concentrada.
Sophia engoliu em seco.
Ela se aproximou devagar, como quem se aproximava de um lobo - um lobo muito inteligente e provavelmente de mau humor.
Sophia
E-ei.. doutora. Eu... é... trou- trouxe uns papéis que talvez... talvez a senhora precise... ou não... depende...
Ela tentou sorrir, sentindo o rosto esquentar. Estendeu os papéis na direção de Olívia, mas em um movimento meio desajeitado, deixou escapar dois deles, que voaram direto para o chão.
"Ótimo. Perfeito. Bravo, Sophia."
Sophia se abaixou apressada para pegar os papéis, quase esbarrando no joelho de Olívia no processo. A canadense arqueou uma sobrancelha, assistindo toda a cena sem dizer uma palavra - mas nos olhos cinzentos havia um brilho discreto de divertimento que Sophia, nervosa demais, não percebeu.
Olívia abaixou o tablet devagar, aceitando os papéis que Sophia estendeu agora com as duas mãos.
Olívia
Respira, doutora Sophia. Não estou armada.
Olívia falou com a voz calma e o tom carregado de sarcasmo.
Sophia arregalou um pouco os olhos, depois riu sem graça, olhando para o chão. Foi mais do que ela esperava, uma resposta seca, talvez até ser ignorada... mas aquilo ainda era melhor do que de fato acabar sendo ignorada.
Sophia
Eu... só... é...Quis ajudar... e... bom, eu tô respirando, eu acho...
Olívia
Bem. Se continuar agindo como se fosse desmaiar toda vez que me ver, vou ter que colocar seu nome na lista de pacientes, não de colegas.
Sophia riu mais nervosamente ainda, o rosto já completamente vermelho, enquanto Olívia apenas balançava a cabeça de leve e voltava a se concentrar no tablet.
Mesmo assim, enquanto voltava quase tropeçando para o corredor, Sophia sentiu uma pontinha de orgulho: ela tinha conseguido falar com Olívia.
Quase sem morrer no processo.
Quase.
Olívia ergueu um momento o olhar para a neurologista se afastando. Um breve riso baixo escapou se afastando da parede e se virando para o outro lado.
Por algum motivo, o jeito nervoso e hesitante de Sophia sempre a divertia de algum jeito. Era um contraste até interessante com a profissão dela que pedia um pouco mais de coragem. Mas ainda assim respeitava a outra... mas isso não iria fazer mudar o jeito com ela, um pouco mais também por gostar de ver o jeito nervoso dela.
Mesmo que Hiroshi sempre tentasse acalma ela para ficar mais calma ao seu lado, muitas vezes até conduzia a conversa para que as duas tomasse um momento juntas.
Mas claro... quando ficavam sozinhas rendia situações que a canadense não conseguia apenas ignorar e agir seca como habitualmente.
Assim como..
Um dia quando estava na sala dos médicos. Olívia estava como de costume apenas revisando alguns exames e gráficos, alheia as coisas em volta. Quando Sophia pareceu tomar um pouco mais de coragem ao ve-la ali sozinha e se aproximar. Ela se sentou ao lado de Olívia, fingindo mexer no celular enquanto criava coragem para puxar assunto.
Sophia
Seu jaleco é bonito
Ela comentou de repente, num rompante.
Olívia desviou os olhos lentamente para ela.
Olívia
É padrão do hospital.
Como se tivesse lembrado daquele detalhe que sua mente não tinha lembrado. Sophia se encolheu um pouco no banco, com um risinho sem graça.
Sophia
Ah... é... verdade...
Olívia manteve o olhar sobre ela por mais uns instantes, virando a cabeça de volta a os papéis aos dedos, falando num tom mais baixo, quase brincando com a situação da outra.
Olívia
Vou mandar te fazer um também. "Jaleco social para abordagens desastradas."
Sophia quase engasgou rindo baixo envergonhada enquanto tentava fugir da situação se encolhendo mais ao banco.
Outra situação foi quando Olívia havia se dado um minuto de calma, sentindo a falta de sono começar a deixar o corpo pesado.
Quando Sophia apareceu para trazer um café para ela toda sorridente, tentando parecer casual.
Sophia
Achei que poderia querer um café... já que... você vive nessa cara de poucos amigos... e parece... estar tão cansada.
Olívia piscou encarando o copo estendido por um momento. O cheiro do café invadiu seu olfato por um momento, normalmente ela negaria logo que sentisse o cheiro do líquido amargo quente se aproximando de si. Mas sem muito ânimo, aceitou o copo dela.
Seu agradecimento pareceu animar a garota. Mas Olívia não podia deixar de soltar algum comentário para a mexer com ela. Questionou num tom tão neutro que Sophia nem sabia se era brincadeira:
Olívia
Está tentando me envenenar?
Ela gaguejou com os olhos mais abertos em um nervosismo, Olívia soltou um som baixo, quase imperceptível: uma risada curta.
Olívia
Relaxa.. estou apenas te provocando.
Ela levou o café aos lábios com uma expressão irônica. Virando a cabeça para outro lado. Disfarçando a vontade de fazer uma careta com o gosto do café que não gostava.
Sophia sorriu tão largo que parecia uma criança que ganhou um prêmio.
Dias depois, Sophia estava determinada: iria convidar Olívia para fazer algo fora do hospital.
Algo simples, inofensivo. "Como amigas". Sem expectativas absurdas, até porque Hiroshi em meio as suas conversas ainda insistia ata que ela tentasse uma amizade com sua “irmãzinha”.
Pegou Olívia no corredor no final do expediente, o coração batendo feito louco.
Começou, já tropeçando na própria voz.
Olívia virou o rosto para ela, erguendo uma sobrancelha, como quem diz "fale antes que eu perca o interesse".
Sophia engoliu em seco, estava quase suando frio.
Sophia
E-eu pensei... a gente trabalha tanto, né? E, tipo... às vezes... pessoas normais saem para fazer coisas normais... E eu pensei que... talvez... se você não achar horrível... a gente poderia ir... sei lá, tomar um café? Ou um sorvete? Ou... ou um café com sorvete?
Olívia manteve a expressão imóvel por alguns segundos. Tão imóvel que Sophia já queria cavar um buraco no chão. Então, Olívia inclinou levemente a cabeça, como se estivesse analisando uma equação complicada.
Olívia
Café com sorvete é uma combinação estúpida. Mas... aceito o convite. Desde que você pare de parecer que vai vomitar a qualquer momento.
A voz dela pareceu tão seca como de costume. Mas tinha uma suavidade a mais que Sophia mesmo em meio ao nervosismo percebeu.
Ela soltou uma risada nervosa, completamente sem chão.
Sophia
P-pareço tanto assim?
Mesmo envergonhada, aquilo pareceu não importar muito.
Olívia tinha aceito sua oferta.
Realmente tinha conseguido fazer o convite... mesmo meio atrapalhada.
Não percebendo quando um olhar as observava.
Helena terminava de organizar alguns papéis que precisavam ser entregues diretamente para Olívia.
Enquanto separava os documentos, seus olhos foram parar - mais uma vez - na cena do corredor: Sophia conversava com Olívia.
A neurologista sorria, tímida e meio sem jeito, enquanto Olívia, no seu habitual modo estoico, apenas ouvia, com uma expressão entre o tédio e a paciência.
Helena mordeu o lábio inferior, tentando ignorar o incômodo que borbulhava no peito.
Não era ciúmes.
Era preocupação.
Claro.
Soltou deixando aquela cena para trás, decidindo deixar para entregar aqueles papéis depois.
O plantão da tarde estava calmo para os padrões do hospital, o que era uma raridade. Foi quando decidiu ir até a sala da cardiologista, tentando ser o mais casual possível. Bateu na porta aberta com as costas da mão já entrando sem esperar por uma resposta para entrar.
Helena
Bati porque educação é importante, tá?
Olívia estava sentada atrás da mesa, o computador ligado a frente enquanto ela estava concentrada parecendo analisar algo. Os óculos estava em seu rosto, o que por um momento travou Helena a admirando, já que era tão difícil a ver com eles. Tinha que ser em momentos específicos... e com aquele detalhe ela sabia, Olívia estava ali lendo e relendo, analisando coisas a mais de uma hora. Provavelmente, ficaria mais tempo.
Olívia nem ao menos levantou o olhar para si, ao falar fazendo com que ela acordasse da pequena admiração que havia entrado.
Olívia
Que evolução impressionante, Helena. Deveria colocar isso no currículo.
Helena revirou os olhos, aproximando-se da mesa e depositando a papelada ali com um pouco mais de força do que o necessário.
Olívia ergueu uma sobrancelha, notando a agressividade sutil.
Olívia
Problemas existenciais, enfermeira?
Helena
Nah... só... curiosa.
Ela balançou os ombros mechendo em uma mecha dos cabelos, enrolando o cachos no dedo indicador.
Olívia estreitou os olhos, ainda concentrada no que fazia pegando a caneta de lado começando a escrever.
Olívia
Curiosa é sempre a palavra que antecede uma besteira monumental.
Helena apoiou as mãos na beirada da mesa, inclinando-se um pouco para frente, tentando parecer casual — mas a voz saiu mais aguda do que deveria:
Helena
Você... gosta da Sophia?
O som da caneta contra o papel parou de soar.
Veio o silêncio.
A cardiologista ergueu o olhar lentamente para encarar Helena, seus olhos cinzentos afiados como navalhas. Falando então com aquele tom analítico irritante que a fazia parecer uma detetive de novela policial:
Olívia
"Gosto" é um conceito... amplo demais para a complexidade da questão
Helena ruzou os braços, emburrada.
Helena
Eu perguntei se tem... interesse.
Olívia então analisou-a por um segundo longo demais.
Piscando rapidamente a expressão ainda neutra.
Olívia
Que curioso. Jurava que quem passava metade do plantão pendurada no meu jaleco feito uma sombra era você, não a Sophia.
Helena sentiu o rosto ferver
Helena
E-eu só tava ajudando! Você precisa de ajuda, você não sabe lidar com paciente direito!
Olívia inclinou a cabeça para o lado, divertindo-se nitidamente com a reação. Soltou a caneta, se recostando na cadeira com um ar de falsa inocência. E como para torturar a morena, apenas puxou os papéis que ela havia trazido para perto, percebendo muito bem quando Helena começou a ficar inquieta no lugar que estava.
Olívia
Não, Helena. Não tenho interesse romântico na Sophia. Não me interessa nesse sentido
Helena piscou desviando o olhar, tentando disfarçar o pequeno alívio óbvio que sentia. Mesmo que ainda negasse para si mesma aquilo ainda.
Olívia
Isso era para ser óbvio.
Olívia
Ela gosta do Hiroshi, você perceberia se não tivesse preocupações bobas
Helena abriu e fechou a boca sentindo o corpo se contrair nervosa, o rosto queimando, imaginando que suas bochechas estariam ganhando uma cor mais forte. Isso na frente de alguém que via cada detalhe como se fosse algo claro explícito..
Helena
E-eu não... não estava p-preocupada.. só...
Olívia
Fico lisonjeada que tenha.. criado algum tipo de interesse, mas eu não estou interessada em romance e suponho que já tenha deixado claro que meu foco maior é o trabalho.
Olívia
Espero que isso não atrapalhe com o fato de você precisar me acompanhar a maior parte dos trabalhos aqui
Helena
Não! Claro que não! Eu não... estava... tentando.. não estou.. eu só.. estava curiosa mesmo. Vi como a-a Sophia se comporta.. perto de você.. e você.. bem..
Olívia
Eu tento... não assusta-la mais do que já é comigo, por Hiroshi. Ele insiste em uma aproximação entre nós duas já que me chama de irmã e tal... talvez para ver se aprovo o interesse romântico dele.
Helena
Ele também gosta dela?
Olívia
Você realmente não percebeu ainda?
Helena
Eu.. tinha notado, mas as vezes pode apenas.. ser engano
Olívia
Eles só não assumiram, mas é óbvio.
A expressão calma, olhos cinzentos analisando cada tremor, cada movimento desastrado da enfermeira.
Depois, muito lentamente, apoiou a caneta sobre a mesa e entrelaçou os dedos.
Enquanto agora a enfermeira parecia estar atrás de algum ponto de fuga...
Helena
Eu vou.. voltar então.. você parece ocupada.
Ela praticamente correu para fora da sala, deixando Olívia para trás apenas vendo a porta se fechar após sua saída até o som do click soar ruidosamente e o silêncio voltar ao ambiente.
Olívia afastou o óculos do rosto com um suspiro cansado, torcendo para aquilo não acabar trazendo problemas..
Comments
tal.d.jay
é lerda é
2025-07-04
1
tal.d.jay
corte rápido
2025-07-04
1