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O hospital estava mais calmo do que normalmente, ficava naquele final de tarde. A maioria dos pacientes haviam sido já encaminhados para repouso.
Os corredores frios e estéreis do hospital silenciavam com a simples presença dela. O som ritmado dos passos de Olívia ecoava pelo piso encerado, o salto de seus sapatos batendo com precisão quase cirúrgica. Ela andava com a postura ereta, os ombros alinhados e o queixo erguido num gesto calculado — como se o mundo fosse uma equação que ela já tivesse resolvido. O jaleco branco fluía com o movimento exato do corpo, sem hesitação, sem pressa.
Em meio de seus passos. Perto da sala de descanso, um residente e um enfermeiro murmuravam entre si, a conversa baixa, mas não o suficiente para escapar dos ouvidos certos.
— “...aquela doutora é assustadora. Para alguém que cuida de corações eu achava que tinha que ser mais sensível, sla” – o residente comentou com uma careta
o enfermeiro balançou a mão em um gesto desgostoso.
— “ela não deve nem saber o que a palavra sensível deve sugerir nisso” – zombou maldoso um sorrisinho de canto. — “ parece até mesmo aqueles casos de sociopatas da internet quando se pesquisa por cima"
— “Você acha que ela é?”
— “Ainda acha que deveria pensar se tem?” – bufou — “a falta de empatia dela me faz pensar até que é perigoso um bisturi na mão dela”
Eles não haviam percebido ela se aproximando ainda, mas assim que perceberam travaram tensos. Enquanto tentavam agir como se não tivessem falado nada demais. O que foi mais óbvio para ela que estavam falando exatamente dela. Ao chegar no final do corredor, Olívia virou o olhar por um segundo em direção à dupla. Um gesto sutil. Um lampejo gélido nos olhos, como se tivesse calculado exatamente o que haviam dito — mesmo à distância. O residente prendeu a respiração.
Ela seguiu andando. Sem parar. Sem encarar de verdade. Mas com a mesma frieza que fazia todos os passos ecoarem mais alto do que deveriam. Como se o hospital inteiro prestasse atenção.
A conversa não a abalou em nada, acostumada com aquele tipo de conversa pelos corredores quando chegava a ser o assunto de algo. Não era bem vista por ninguém ali... a não ser a exceção de três pessoas que aprendeu a aturar. E mesmo que outros ainda tentassem ignorar o incômodo e admitir contrariados que ela era boa no trabalho... era complicado.
Foi em um momento assim que estavam falando dela pelos corredores, em tons maldosos, normalmente sendo os novatos estagiários que não aguentavam a maneira fria que agia. Mal perceberam quando a figura alta e normalmente carregando um sorriso calmo nos lábios parou a poucos passos.
Com a voz calma, firme o bastante para o ambiente e surpreender os estagiários que olharam para ele um tanto assustados por serem pegos.
Hiroshi
Engraçado que quando for o seu coração parando no meio da noite, ou algum ente querido precisando de ajuda, vai ser ela que vão pensar querendo que ajudem não é?
Ele deu um passo mais à frente deles, percebendo a forma constrangida que estavam. O olhar protetor não gostando de escutar aquele tipo de coisa da cardiologista, seu corpo maior e musculoso projetando uma sombra mais intimidadora sobre os outros.
Um deles rindo baixinho totalmente envergonhado tentou ainda, com a voz baixa, arrumar um pouco a situação:
— “a gente... só estava brincando”
Hiroshi
Brincadeira é quando todo mundo está rindo por algo que realmente tem um pingo de graça, não quando você tenta diminuir outra pessoa pelo jeito dela apenas por que sabe que ela é melhor que você.
Sem esperar por outra tentativa deles se justificando, continuou o caminho girando sobre os calcanhares e seguindo pelo corredor.
Com o olhar menos duro abaixou até a ficha de atendimento que tinha em mãos por um momento, parando ao virar o corredor e ver a mesma parada apoiada com o ombro a parede enquanto estava parecia focada a mexendo em um bloquinho que ele já conhecia como sendo a que usava para anotar as coisas.
Os olhos cinzas da canadense permaneceu sobre a folha que rabiscava rápido sobre algo, mas Hiroshi sabia que ela tinha conseguido ouvir o que aconteceu.
Sem dizer nada por um momento, ela afastou-se da parede se virou seguindo o mesmo caminho que ele iria no corredor. Ele sorriu sabendo que aquilo era um recado claro para andar ao seu lado. Seguindo tranquilamente um ao lado do outro, até finalmente a voz normalmente em tom seco da cardiologista soar.
Olívia
Você deveria parar de se envolver nessas bobagens, eles não vão parar e é desnecessário.
Ela nem ao menos levantou o olhar enquanto falava com ele. Mas acostumado com o tom dela e sem se abalar, Hiroshi deixou uma risada abafada escapar. Colocando a ficha de atendimento abaixo do braço.
Hiroshi
Proteger a família nunca é desnecessário.
Ela finalmente fechou o bloco de notas com um estalo suave, finalmente o encarando com os olhos cinzentos. O mesmo olhar que carregava frieza e desinteresse de sempre, mas com algo a mais que ele havia conseguido conquistar depois de tempo trabalhando juntos. Reconhecimento.
Cruzou os braços, inclinando a cabeça ligeiramente de lado como quem pondera um diagnóstico.
Olívia
Apenas não precisa dizer nada. Eu já sei o que pensam de mim, é indiferente.
Hiroshi
Eu sei que sabe. Mas pra mim não é indiferente. Também sei que você vai continuar não dizendo nada, então pode deixar que eu digo por você.
Ele piscou para ela em um gesto mais divertido.
Olívia permaneceu o olhar observando-o por alguns instantes, avaliando como se estivesse à frente de um paciente difícil. Mas Hiroshi sabia que aquilo era só ela saindo um pouco da postura rígida de sempre.
Demorando um pouco até que novamente a fala seca, quase forçada, saisse de forma murmurada quase igual a alguém confessando uma informação confidencial:
Olívia
Obrigado, Hiroshi...
Hiroshi olhou um pouco surpreso, tendo um sorriso largo se abrindo em seus lábios, sincero, bagunçando os próprios cabelos em um gesto meio infantil, um costume que mal percebia quando fazia.
Hiroshi
Uau, um agradecimento real da lenda gelada do hospital. Acho que deve marcar esse acontecimento na minha agenda como um ato histórico
Ela bufou rolando os olhos cinzas, começando a se distanciar para o outro lado do corredor deixando Hiroshi para trás.
Hiroshi
Também te amo irmãzinha!
Ele acrescentou em um tom claro brincalhão para a outra que ergueu a mão para trás, mostrando o dedo do meio sem nem olhar para trás.
O jeito costumeiro que arrumou a responder as brincadeiras afetuosas que Hiroshi fazia para a provocar de leve de propósito. Conseguindo escutar a risada dele ecoar pelo corredor, longe de se afetar com a maneira dela. O que fez um pequeno sorriso se formar em seus lábios.
Enquanto cada um seguia caminho diferentes agora, não perceberam o olhar que tinham sobre si. Os olhos castanhos escuros acompanhando a cena um pouco surpresa.
Helena estava saindo de uma das salas segurando uma prancheta cheia de anotações. Estava concentrada em arrumando os papéis quando as vozes conhecidas soou pelo corredor atraindo sua atenção.
Foi praticamente instintivo seus olhos procurarem por Olívia, a vendo ali.
Acompanhando como a postura da cardiologista ficava mais despreocupada, menos reservada ao lado do psicólogo, de uma coisa tão rara de se ver. Vendo a forma que a mesma respondeu ao "te amo irmãzinha" do outro, de forma que poderia parecer até muito rude, mas que ainda era tão ela e quem já tinha percebido como um era com o outro... sabia que não tinha nada de rude ali.
Helena acharia graça, talvez o riso escadaria se não tivesse visto o sorriso pequeno se curvar nos lábios de Olívia...
Já havia meses que estava trabalhando ao lado de Olívia, depois que foi posta como uma tentativa para ver se aguentava trabalhar com a canadense. Os outros enfermeiros e técnicas de enfermeira eram todos céticos e negavam logo em ter que trabalhar com a mesma... e a pálida não insistia, as vezes ela mesma negava com alguma desculpa, mas não tinha como trabalhar sempre sozinha.
E desde a primeira vez que trabalhou ao lado de Olívia entendeu... era pesado. A forma de Olívia era intensa, intimidadora, qualquer movimento trêmulo de mão parecia ser imperdoável. Tensão. Mas era apenas por isso... tensão, ficavam tensos ao estar do lado dela... e como médica em algo tão delicado.. ela tinha que corrigir.
Mas o jeito frio dela com as palavras não eram para todos. Entretando Helena não desistia fácil até acabar sendo posta praticamente como a enfermeira oficial que acompanharia a cardiologista em todas as coisas que precisasse de acompanhamento de perto.
E por isso, em todas as situações que ficaram perto, trabalhando juntas, ajudando em cada detalhe que ela precisava... nunca tinha a visto sorrir. Nem aquele pequeno curvar no canto dos lábios dela a não ser o olhar firme e cortante na expressão neutra...
Murmúrio para si mesma praticamente sem perceber. Sentindo um pequeno sentimento agridoce nascendo ao peito naquele instante. Não saberia explicar o motivo daquilo, mas ainda assim... sentiu.
Sua mente raciocinou enquanto voltava a seus passos. Lembrou que quando conheceu Olívia e Hiroshi um tempo depois, eles já estavam naquele progresso de amizade. Lembrava de quando escutou as primeiras vezes que o mesmo chamou a cardiologista de irmãzinha... mesmo ela sendo mais velha que ele.
O olhar cinzento travando em nenhum ponto específico, piscando rapidamente antes de encara-lo como se desagradasse escutar aquilo. Mas entendeu depois que aquilo era ela ficando sem reação àquele carinho de Hiroshi. Era algo que ficou claro conforme viu acontecer mais de quatro vezes até ela se acostumar. Ainda mais pelo fato dela nunca ter corrigido.
Por um momento até estranhou, mas ao conhecer Hiroshi melhor percebeu. Todo mundo gostava dele por ali, era poucos os que parecia ainda não ser muito próximos, mas ainda não tinha nenhuma coisa contra ao japonês. Nem mesmo Helena durou muito até gostar do mesmo.
Mas um pensamento ficou agora como uma conquista pessoal dela naquele hospital. Mais uma. Que já havia pensado antes, como uma ideia boba que agora ficou decidida.
Ela chegaria naquele ponto também. O ponto onde poderia arrancar um sorriso genuíno da cardiologista também.
Comments
tal.d.jay
cuidado então, vai cortar vcs aí de picuinha
2025-05-04
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tal.d.jay
é isso crlh, mandei o papo
2025-05-04
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tal.d.jay
papo reto, aí geral vem chorando atrás
2025-05-04
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