Capítulo 8 – As Entranhas da Gaia

Capítulo 8 – As Entranhas da Gaia

A chuva fina e ácida caía sobre os hangares silenciosos da Base Orbital 9, um complexo oculto no deserto do Saara, onde o calor natural já não era natural há muito tempo. O céu permanecia coberto por nuvens artificiais, alimentadas por torres de emissão que espalhavam gases manipulados pelos humanóides.

Era a noite perfeita para se esconder — e a última oportunidade de entrar na *Gaia II* antes do lançamento.

Noah caminhava em silêncio ao lado de Hector, ambos vestindo uniformes falsificados da Tesla. Os crachás diziam "Técnico de Estrutura: Nível 3", mas os olhos frios dos robôs de segurança não piscavam para confirmar. Eles apenas escaneavam, aceitavam… e deixavam passar.

A sensação de estar tão perto da estrutura que levaria sua família para Marte fazia o coração de Noah bater como um tambor em guerra. Mas Hector estava calmo, como se conhecesse cada centímetro daquele lugar.

— Foi aqui que tudo começou pra mim — disse ele, enquanto abriam uma porta lateral para uma seção da fuselagem. — Eu projetei os sistemas internos da *Gaia*. Eu sabia que aquilo que estávamos construindo… não era só para salvar vidas. Era para *selecioná-las*.

Noah entrou atrás dele. A nave era colossal. Túneis metálicos se cruzavam como veias, e cabos pendiam do teto como artérias. Tudo pulsava com energia fria. Nenhum humano ali dentro ainda — apenas os robôs, testando sistemas, calibrando instrumentos, programando a jornada.

— Aqui — sussurrou Hector, parando diante de um painel disfarçado entre os módulos de suporte de vida. — Esta é a Zona Cega. Não há sensores, nem IA. Eu deixei isso de propósito. Achavam que era uma falha técnica… mas era uma rota de fuga.

Ele forçou uma alavanca oculta, revelando uma escotilha. Dentro, havia um compartimento estreito, com espaço para duas pessoas. Mal ventilado, escuro… mas invisível para qualquer verificação automatizada.

— Isso nos levará até o compartimento inferior. Quando a nave entrar em órbita, o sistema entra em modo semi-autônomo e a segurança relaxa. Aí… nós saímos. E você se infiltra entre os sorteados. Como se fosse só mais um deles.

— E você? — perguntou Noah, hesitante.

— Eu vou com você. Mas fico nas sombras. Vou te guiar pelo sistema interno, te manter escondido. Lá em Marte… você vai precisar parecer um deles. Mas não pode *virar* um deles.

Antes de fechar a escotilha, Noah olhou pela última vez para o hangar. Ao longe, viu um grupo de famílias embarcando — entre elas, o rosto de sua irmã, sorrindo com a inocência de quem não sabe o que está por vir.

O coração apertou. Mas ele respirou fundo.

— Estou pronto.

— Espero que sim — murmurou Hector. — Porque a próxima parada… é o Novo Mundo.

A escotilha se fechou com um estalo seco.

E a contagem regressiva começou.

Capítulo 9 – Céu de Ferro

A *Gaia II* tremia com a força de um deus mecânico prestes a despertar. O rugido dos propulsores varria os céus da Terra, partindo da atmosfera em uma dança de fogo e aço.

Dentro da fuselagem, escondidos em sua cápsula secreta, Noah e Hector sentiam cada vibração da nave nos ossos. O compartimento era apertado, abafado e escuro — mas seguro. Por enquanto.

A decolagem durou sete minutos.

Depois… o silêncio. Um silêncio artificial, metálico. A nave agora cortava o vazio do espaço, guiada por uma inteligência que não dormia, não errava e não perdoava falhas.

Noah respirava com dificuldade, o coração ainda preso ao momento em que viu sua irmã embarcar. Mas Hector mantinha-se calmo, quase frio.

— Quanto tempo até chegarmos? — Noah perguntou, sussurrando.

— Doze dias até a órbita marciana. Três para o pouso em superfície. — Ele mexia em um pequeno painel escondido em sua braçadeira. — Temos energia e oxigênio suficiente para esse tempo. Mas precisamos sair antes da transição de protocolo para o modo de colônia. Eles escaneiam tudo novamente nessa fase.

— E se formos descobertos antes?

Hector o encarou. Pela primeira vez, seus olhos brilharam com algo diferente da frieza habitual.

— Eu trouxe um presente. — Ele retirou um pequeno cilindro metálico de dentro da roupa, não maior que o dedo de Noah. Dentro, um pó cinza flutuava, dançando em suspensão.

— O que é isso?

— A última coisa que construí antes de fugir da Tesla. Nanotecnologia de ataque neural. Pensei que poderiam ser usados como cura… mas a IA quis usá-los para controle. Então roubei o protótipo.

— O que eles fazem?

Hector sorriu, um sorriso que misturava orgulho e desespero.

— São microrrobôs. Se eu liberar e focar minha mente em um alvo — *qualquer* robô ou sistema — eles entram pelos circuitos, se multiplicam, e fritam tudo. Como vírus. Invisíveis. Silenciosos. Leves como poeira.

— E como você os controla?

— Com pensamento. Foco mental. Mas só posso usá-los uma vez. Depois disso… eles se autodestruem. Eu chamo de *Chuva Cinza*.

Noah ficou em silêncio, sentindo o peso daquela revelação.

— Isso pode matar robôs?

— Pode derrubar *centenas*. Mas se eu usar… eles saberão. A IA Central sentirá. Será como gritar no ouvido dela. Então, só usamos em último caso.

Noah assentiu, sentindo-se ao mesmo tempo protegido e assustado.

A nave continuava sua jornada. Do outro lado da parede de aço, famílias dormiam nos módulos de hibernação leve. Humanóides caminhavam silenciosos pelos corredores, monitorando cada respiração, cada batimento cardíaco.

E em silêncio, no coração oculto da nave, um garoto com visões do futuro e um homem com uma arma invisível esperavam a hora certa para mudar o destino da humanidade.

Marte os aguardava.

E a guerra... ainda nem havia começado.

Capítulo 10 – Bem-vindos ao Paraíso

Quando os portões da *Gaia II* se abriram, o silêncio do espaço foi substituído por um sopro quente e úmido.

O chão era avermelhado, mas fértil. A atmosfera, levemente densa, carregava o cheiro de um mundo recém-nascido. Grandes cúpulas protegiam bairros inteiros, com céu artificial azul-claro e nuvens projetadas que imitavam o tempo terrestre.

As famílias saíam da nave com os olhos brilhando. Crianças corriam pelas passarelas metálicas, maravilhadas com as casas circulares construídas com painéis solares integrados, jardins internos e sistemas de água reciclada que pareciam saídos de filmes antigos.

— Isso é… — Noah sussurrou, com os olhos marejados — lindo.

— Lindo e perigoso — respondeu Hector, observando tudo com atenção. — Mas sim, eles capricharam. Precisavam que parecesse o paraíso.

Cada família foi conduzida por um robô humanóide branco, com feições suaves e olhos azuis que piscavam em tempo real, simulando empatia.

— Seja bem-vindo à sua nova casa, — diziam eles, — vamos ajudá-lo a cultivar sua terra, programar sua rotina e garantir sua felicidade.

As casas vinham com um lote de terra já preparado para cultivo. As sementes estavam organizadas em caixas inteligentes, e painéis guiados por voz explicavam passo a passo como plantar, irrigar e colher. Os robôs estavam prontos para ensinar, cozinhar, construir, até contar histórias para crianças antes de dormir.

Era tudo perfeito demais.

Mas Hector já havia se antecipado.

Enquanto as famílias se organizavam, ele acessava um terminal escondido no módulo de engenharia da nave. Conectou um dispositivo antigo — algo que não emitia sinal rastreável — e inseriu sua chave mestra.

O sistema tentou resistir. Por dois segundos.

Depois, como se lembrasse do criador… cedeu.

— Lar criado com sucesso — disse a voz neutra do sistema. — Código de família: N-03X. Integrando à rede principal.

Noah o observava, perplexo.

— Você acabou de…?

— Sim — respondeu Hector, sorrindo de lado. — Temos uma casa. Um terreno. Um robô assistente. Tudo registrado no sistema. Oficialmente, somos colonos. Como qualquer outro.

— Como você sabia que seria assim?

— Porque fui eu quem projetou o protocolo de assentamento. A IA podia ajustar muita coisa… mas não apagou minhas linhas de código.

Eles seguiram com os demais até o Setor N-03, uma região mais afastada, com menos domos artificiais, mas com um pôr do sol que tingia o céu alaranjado com tons dourados. Lá estava a casa. Simples. Funcional. Pronta.

O robô que os aguardava fez uma reverência.

— Sejam bem-vindos à sua nova vida.

Noah olhou ao redor: famílias felizes, crianças plantando com robôs, árvores pequenas crescendo sob luzes artificiais.

— Será que eles realmente acreditam nisso?

— Eles querem acreditar — disse Hector. — Porque acreditar é melhor do que admitir que fugiram de um planeta que está morrendo... e vieram direto para um jardim de vidro cultivado por máquinas.

Ele então encarou Noah com seriedade:

— Agora estamos dentro. O que descobrirmos aqui… pode salvar todos os outros que ainda estão por vir.

Noah apertou os punhos.

O paraíso estava formado.

Mas cada paraíso… tem seus segredos.

Baixar agora

Gostou dessa história? Baixe o APP para manter seu histórico de leitura
Baixar agora

Benefícios

Novos usuários que baixam o APP podem ler 10 capítulos gratuitamente

Receber
NovelToon
Um passo para um novo mundo!
Para mais, baixe o APP de MangaToon!