Entre o Gelo e o Fogo

O galpão era um esqueleto industrial, velho demais pra ser útil, mas firme o bastante pra abrigar alguém que não exigia mais do que teto e silêncio. As paredes de zinco rangiam com o vento noturno. Do lado de fora, Seul dormia em neon e vício. Ali dentro, o mundo de Kang Ryu era cru, frio e sem promessas.

Uma única lâmpada pendurada por um fio exposto tremeluzia no teto alto, lançando uma luz amarelada que oscilava como se tivesse medo de iluminar demais. O chão era de concreto manchado, coberto por alguns cobertores jogados sobre um colchonete torto. Um saco de pancadas furado balançava em um canto, gemendo a cada sopro do vento. Havia uma pia enferrujada, algumas roupas jogadas, bitucas de cigarro e restos de comida em potes de isopor esquecidos. Nada ali tinha vida — exceto os dois corpos que agora se tocavam como se tentassem queimar o próprio passado.

Ryu estava sem camisa, a pele dourada pelo suor da luta, marcada por hematomas roxos, arranhões recentes e cicatrizes antigas. Cada traço do seu abdômen parecia entalhado a navalha. Ele usava apenas uma calça de moletom gasta, pendurada nos quadris, revelando os músculos oblíquos como se fossem trilhos de um trem prestes a descarrilar. O rosto ainda tinha sangue seco no canto da boca, mas os olhos... aqueles olhos gelados seguiam fixos nos dela.

Jiwoo, por outro lado, era o puro contraste. Um furacão maquiado, vestida com uma regata preta colada ao corpo, sem sutiã, deixando os mamilos apontarem como faróis na penumbra. A saia vermelha de vinil subia demais, e ela nem se importava. Os cabelos estavam bagunçados, colados à testa suada, e o batom borrado só acentuava o caos excitante que ela carregava. Joias baratas balançavam no pescoço. Ela tinha cheiro de cigarro doce, perfume vencido e luxúria urgente.

Eles se atracavam com raiva.

Os corpos colados.

As mãos famintas.

Ryu a empurrava contra a parede metálica, a boca explorando seu pescoço, enquanto ela gemia em resposta, puxando os cabelos dele com violência. Jiwoo gostava da dor. Ryu não ligava. Era um pacto silencioso: prazer sem sentido, desejo sem vínculo.

Mas então, no meio da combustão, ela parou.

Segurou o rosto dele com força, forçando-o a encará-la.

— Vai comigo sábado.

Ele arqueou uma sobrancelha, os lábios ainda no colo dela.

— Vai onde?

— Uma festa. Lá na colina dos bastardos, no distrito norte. Vai ter gente grande. Jogatina, umas coisas... — ela sussurrou, arrastando os dedos por baixo da calça dele — coisas pesadas. Vai ser loucura, Ryu. Tu precisa ir.

Ele ficou em silêncio. O coração não acelerou. O olhar continuava o mesmo — o de sempre. Morto.

— Quinta hoje. A luta me deu uma merda de torcicolo. — murmurou, mais pra si mesmo.

Jiwoo o empurrou, agora com olhos mais vivos, tomados por algo entre birra e provocação.

— Não finge que não quer. Eu te conheço, Kang Ryu. Tu ama quando o mundo fede a merda. Tu é podre igual. — ela se aproximou, mordendo o lábio. — Vai ou não vai?

Ele passou a língua pelos próprios dentes, pensativo, mas sem demonstrar nenhuma emoção real.

— Se eu não tiver outra luta até lá... eu vou.

Jiwoo sorriu, vitoriosa. Aquela expressão diabólica de quem sabia que podia levar ele pro inferno de salto alto e batom manchado.

— Te vejo sábado então, meu amor. — falou com sarcasmo. Depois o beijou com raiva.

Na penumbra do galpão, com os corpos suados e o mundo desmoronando lá fora, eles pareciam mais uma pintura decadente do que um casal. Arte suja. Realismo cruel.

Do lado de fora, a cidade seguia respirando...

Mas ali dentro, a festa já havia começado.

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